O Dunga está redondamente certo

Em que pesem as paixões pelo atual time do Santos, Dunga está coberto de razão ao confirmar a convocação dos atletas com os quais trabalhou nas campanhas vitoriosas anteriores. E contribuiu muitíssimo com o aperfeiçoamento das instituições democráticas brasileiras, ao barrar a onda salvacionista que se gerou em torno principalmente do craque Neymar.

Por Jeosafá Fernandez Gonçalves

Assim como a política brasileira não carece de um salvador da pátria, o futebol também não. O craque santista é jovem e tem um mundo pela frente, que não acaba neste ano de 2010, salvo os norte-americanos ficarem doidos e apertarem aquele famoso botão vermelho.

A atual seleção brasileira é equilibrada e acima da média. Grafite e Luís Fabiano estão longe de serem pernas de pau, o meio de campo convocado não se semelha em nada com retrancas estilo “ferrolho italiano”, e a defesa, salvo seus jogadores serem acometidos por um subido “surto patriótico”, boa e não é violenta.

Naturalmente, desejamos assistir, a um só tempo, a vitórias e a espetáculos, porém, embora o atual técnico da Seleção seja um assíduo discípulo do tristonho e insosso Parreira, o futebol que ele põe em prática tem distanciamentos significativos daquele executado pelo treinador tão beneficiado pela ditadura militar.

O pensamento de Dunga não é militaresco, embora ele tenha dado fartas provas de que domina e muito bem, em termos de disputa esportiva, conceitos de tática e estratégia. Quem se der ao trabalho de assistir ao VT da final da Copa das Confederações concordará comigo. Ou melhor, com Dunga.

Pessoalmente, não gosto dele. É arrogante, autossuficiente, mal educado e sempre que pode alfineta o Lula – no que é acompanhado pelo seu goleiro titular, que não dá para saber se é mal informado ou pura e simplesmente de direita, ou os dois. Não simpatizo também com sua filosofia de jogo, que não se semelha em nada com a que se pratica no Brasil entre o trópico de Capricórnio e o Equador.

Porém, para entender o que propõe Dunga, é preciso deslocar nosso ponto de vista para além desse Trópico, na direção dos Pampas sulistas, atravessados pelos ventos frios e solitários, em meio aos quais, por séculos, o gaúcho tangeu seu gado e cultivou sua erva mate, espantando o gelo e o sereno da noite na cuia de chimarrão.

Esse gaúcho, castigado pela geada e cercado pelo vazio das vastas planícies de pastos, torna o brasileiro do sul irmão do gaúcho argentino e do uruguaio. Esse gaúcho é duro, bravo, muitas vezes intolerante e machista, mas é caloroso e traz no coração as lutas de Garibaldi e uma tradição combativa que transcende as fronteiras do Prata, e que foi captada pela literatura de Érico Veríssimo e Mário Quintana, por exemplo, do lado de cá, e de Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Eduardo Galeano e Mario Benedetti, do lado de lá. Essa tradição nos deu também, no futebol, times lendários, como Grêmio e Internacional, por aqui, e Peñarol e Boca Júnior, do lado de lá.

Para entender a atual Seleção de Dunga, embora eu tenha um birra figadal com sua filiação à escola Parreira, creio ser mais sensato, abrindo mão da minha idiossincrasia, voltar os olhos para os Pampas gaúchos.

Dunga é um homem do Pampa, como Luís Felipe Scolari e, se confirmar seu roteiro de vitórias, fará outro favor à democracia brasileira, além de barrar a onda salvacionista: terá demonstrado que o Brasil, como diz Milton Nascimento, “não é só litoral”. Será a nossa vingança sobre o corajoso futebol gaúcho que nos derrotou em pleno Maracanã, em 1950.

Agora, caros leitores, podem atirar suas pedras.