“O Senado é uma Casa Legislativa muito distante do povo”

Na próxima sexta-feira (21), o vereador Netinho de Paula será anunciado candidato ao Senado na chapa de Aloízio Mercadante. O Vermelho São Paulo esteve em seu gabinete, na Câmara Municipal, para saber por que o interesse particular em disputar uma vaga ao Senado, como ele avalia a sucessão estadual e como sua candidatura pode fortalecer a campanha de Dilma Rousseff em São Paulo.

netinho de paula

Vermelho-SP: Desde seu ingresso ao PCdoB, você já mostrava a intenção em disputar uma vaga ao Senado. Porque esse interesse particular?
Netinho de Paula: Ao longo desses quase 20 anos de carreira artística, a ideia de participar da vida política e chegar até a disputa ao Senado foi sendo discutida e construída no Negritude Jr. Ainda que nós cantássemos nossas músicas românticas, que era o único caminho permitido para um grupo de negros da periferia, sempre que havia espaço nós colocávamos nossas posições políticas, nossos anseios, a gente falava das questões sociais, raciais, econômicas.

E por que o Senado e não uma candidatura de deputado? Porque o Senado tem sido uma Casa Legislativa muito distante do povo. Talvez pelo fato de ser praticamente uma eleição majoritária, é muito difícil você encontrar senadores realmente oriundos do setor popular. E eu me sinto desafiado e comprometido em levar pra lá a cara, as preocupações, os problemas deste povo. Mas, também, porque o Senado tem um papel da maior importância na vida do país, de regulação, de fiscalização e de representar os interesses dos estados na Federação.

É lá, por exemplo, que se trata de questões de política internacional, que se aprova o nome dos presidentes do Banco Central, das Agências reguladoras, distribuição dos recursos para os estados…
 
Vermelho-SP: Entre os vários assuntos em debate atualmente no Senado, qual sua posição sobre a questão das cotas raciais para o ingresso nas universidades e a redução da jornada de trabalho?
NP: As cotas têm sido discutidas de maneira ampla nos últimos anos e já estão na sua fase final no Senado. Mas eu acho que ainda há muito embaraço na cabeça das pessoas sobre o assunto. Entende-se bem o papel das cotas sociais, mas ainda há dificuldade de se entender que papel cumprem as cotas raciais. Não só eu, Netinho, mas o PCdoB – que é o partido que eu represento com muito orgulho –, defendemos as cotas raciais por compreendermos que elas são uma reparação, uma forma de o Brasil assumir uma dívida com esse povo que ajudou a construir o país, e que tenta através do ingresso na universidade ter seus direitos reconhecidos e maior igualdade de oportunidades.

Essa é uma bandeira que se eu chegar ao Senado tenho que defender. A redução da jornada de trabalho é sempre um tema muito polêmico, porque mexe com a repartição da riqueza que é produzida na sociedade. E se não fosse a luta dos trabalhadores e dos sindicatos, dificilmente o avanço tecnológico e o aumento da produtividade resultaria em melhoria para eles.

Mas este debate tem mesmo que ser feito dentro e fora do Congresso Nacional. Penso também que é uma realidade muito dura para o trabalhador das grandes cidades perder 3 a 4 horas diárias da sua vida nos deslocamentos para o emprego; isso precisa ser levado em conta. A opinião do PCdoB é favorável à redução da jornada de trabalho e minha opinião particular é que essa é uma bandeira legítima que deve ser discutida com os setores interessados e implementada sem traumas.

Vermelho-SP: Você é uma pessoa de origem humilde, cresceu e viveu na periferia. Você vai ser um candidato para representar a periferia no Senado?
NP: Eu pretendo ser um representante de todo o Estado de São Paulo, mas vou sempre carregar comigo a identidade e o compromisso com o povo mais humilde. É claro que se beneficiarmos as camadas menos favorecidas, todas as outras camadas da sociedade se beneficiam. Quando se investe em educação, em saúde, na geração de emprego e renda, quando tiramos um menino que está nas drogas, nós estamos construindo uma sociedade melhor para todos.

Vermelho-SP: Você acha que pode sofrer algum tipo de preconceito na campanha ao Senado, que tradicionalmente é uma Casa mais conservadora, por ser negro e de origem popular?
NP: Eu acho que o Estado de São Paulo está muito maduro para estas questões. Ainda existem alguns tabus, mas nós estamos preparados para ter uma presidente mulher, nós estávamos preparados para eleger um metalúrgico Presidente da República, e agora é preciso fechar esse ciclo. A presença do negro nos espaços de poder é exatamente a que vai fechar esse ciclo e mostrar que somos um país que trata a diversidade com respeito e representatividade. Portanto, eu não espero encontrar preconceito na disputa ao Senado. Acho que o Estado de São Paulo está preparado para ter um senador negro.

Vermelho-SP: Como você está analisando a disputa para o Senado hoje? E como a sua campanha se soma à de Mercadante para colocar um fim aos sucessivos governos do PSDB no Estado?
NP: Na questão do governo, se somarmos as gestões tucanas e do PMDB, temos 27 anos de um governo continuado, que não mudou, que não consegue dialogar de maneira ampla com a sociedade e que ficou na contramão do crescimento do Brasil nos últimos oito anos, se comparado ao que o governo Lula fez em outros estados. Podemos tomar por base a questão da educação. Existe um instituto que diz que São Paulo está entre os últimos lugares no nível de educação se comparado com outros estados. Isso é uma vergonha, tendo em vista que São Paulo é o que mais arrecada.

A qualidade de vida do povo vem se deteriorando. Por exemplo, o paulistano perde, em média, 2 horas e 43 minutos por dia no trânsito, o que corresponde a quase 35 dias no ano. Eu acho que tudo isso precisa mudar. Veja a quantidade de pedágios e os altos preços praticados. A população não aguenta mais. Essa política que foi implementada em São Paulo serviu a alguns interesses, mas agora a população quer mudança, alternância, e o Mercadante representa isso. Um quadro experiente, uma pessoa que no Senado esteve ao lado do presidente Lula em todos os momentos, foi o líder do governo, e tentou implementar as políticas sociais do governo federal em São Paulo, mas foi barrado pelo governo estadual.

Eu acho que o Mercadante está preparado para assumir o governo. Eu e o PCdoB seremos grandes parceiros neste desafio. No caso do Senado, acho que se faz necessária uma renovação como parte de um processo natural na política, inclusive para dialogar melhor com a juventude. A disputa deverá ser equilibrada, mas estou confiante no apoio e na aceitação que tenho recebido de tanta gente e de tantos segmentos no estado.

Vermelho-SP: Como fortalecer a candidatura de Dilma em São Paulo, estado em que Serra ainda tem vantagem?
NP: Eu acho que a minha maior contribuição para esta chapa que se forma é a de aproximar Dilma de uma parcela da sociedade que não está a fim de discutir política, que não tem confiança nos políticos. Esse público da periferia que não entende o recado dos políticos, que só recebe da mídia os escândalos e que tem certa aversão à política. Minha contribuição é aproximar essas pessoas da campanha e fazer com que elas ouçam a Dilma, não só de maneira técnica, mas de uma forma humana, que é isso que eles esperam. Essas pessoas já têm essa relação com o Lula, esse carinho, essa atenção, o que ajuda muito. Esse mesmo público é o que eu milito e é essa contribuição que eu trago, não só ao PCdoB, mas a toda essa frente que se montou em torno da candidatura da Dilma para presidência da República.