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Aldo Arantes: Polêmicas sobre o Código Florestal

A sociedade brasileira acompanha a acirrada polêmica surgida em torno do Código Florestal. Setores ambientalistas lançaram uma campanha acusando os defensores da reforma do Código de “exterminadores do futuro”. Ruralistas acusam os contrários à reforma de “traidores da pátria”. Neste conflito surge uma indagação. Por que a polêmica surgiu somente agora se o Código é de 1965?

Por Aldo Arantes*

O conhecimento dos fatos indica que o surgimento desta polêmica decorre da possibilidade da aplicação afetiva do Código Florestal com a edição do Decreto dos Crimes Ambientais de 2008, que dispõe sobre infrações e sanções administrativas aos proprietários que desrespeitam a legislação ambiental. Outro decreto, também de 2008, flexibilizou alguns dispositivos do Decreto dos Crimes Ambientais. Ampliou o prazo de averbação da reserva legal de seis meses para um ano e concedeu anistia aos proprietários que receberam multas e sanções em decorrência do Decreto anterior.

Ainda em 2008 é instituído o Programa de Apoio à Regularização Ambiental de Imóveis Rurais “Programa Mais Ambiente”. Ele criou o Termo de Adesão e Compromisso visando à regularização ambiental e tendo como objetivos recuperar, recompor ou manter as áreas de preservação permanente e averbar a reserva legal. Anistiou os proprietários rurais que cometeram crimes ambientais, desde que venham a aderir à regularização ambiental através do “Programa Mais Ambiente”. O Decreto estabeleceu que as penalidades para a não averbação da reserva legal só entrarão em vigor em 11 de junho de 2011.

No debate sobre o Código Florestal há uma profunda divergência sobre alterá-lo ou não. A Bancada Ambientalista na Câmara dos Deputados já se manifestou contra qualquer alteração. Por outro lado, setores ruralistas, na verdade, querem um desmonte do Código. Na realidade o Código necessita ser alterado, pois não é justo dar um tratamento igual aos pequenos e grandes proprietários rurais como o Código Florestal faz atualmente. Por outro lado, não é correto dar tratamento igual aos proprietários rurais que cometeram crimes ambientais e aqueles que adotaram medidas conforme a legislação da época.

Tenho concordância com determinadas mudanças no Código Florestal e não compartilho da idéia de se opor a toda e qualquer mudança, mas também não apoio uma desconstrução do Código Florestal e da legislação ambiental.

O Código Florestal visa essencialmente à preservação do solo e da água. Nele criaram-se dois mecanismos de proteção ao meio ambiente: as áreas de reservas legais (RL) e as áreas de preservação permanente (APPs).

As reservas legais correspondem ao percentual de cada propriedade rural onde a cobertura vegetal nativa deve ser conservada ou utilizada sustentavelmente, mediante plano de manejo florestal, com o objetivo de assegurar a reprodução da biodiversidade além da regulação do clima local, regional e global. Na Amazônia a reserva legal é de 80% da propriedade. No cerrado da Amazônia legal é de 35% e no resto do país 20%, percentuais definidos a partir de 2001. Antes a reserva legal na Amazônia era de 50%.

O Código estabeleceu que a reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição da matrícula do imóvel. E que a recomposição da reserva deve ser feita com espécies nativas. Fixou a possibilidade da compensação da reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que no mesmo ecossistema e na mesma microbacia. Estabeleceu o prazo até dezembro de 2031 para que as áreas desmatadas sejam recompostas.
Para uma discussão mais objetiva e menos emocional do tema é necessário partir de uma avaliação correta sobre a importância das florestas para os recursos hídricos e para a biodiversidade. E, em decorrência disto, sua importância para a sociedade.

Uma das principais funções das florestas é o controle do ciclo hidrológico local, pois não há floresta sem água e não há água sem floresta. Por isto mesmo o desmatamento acarreta sérias conseqüências para a água. Além disto, elas protegem os solos, impedindo a erosão e trazendo incalculável aporte à sua fertilidade.

A proteção das florestas diz respeito, também, à defesa de nossa biodiversidade. Ela é assunto de alta prioridade, pois representa um enorme potencial gerador de riquezas. A biodiversidade inclui todos os produtos da evolução orgânica, ou seja, a vida biológica do planeta, de genes até espécies e ecossistemas. Ela ganhou importância estratégica com os avanços da engenharia genética, potencializando seus usos e ampliando o interesse de importantes segmentos econômicos e industriais ligados à indústria farmacêutica e de alimentação, entre outras. Todavia, é com o aproveitamento dos recursos biológicos e genéticos, como matéria-prima para as modernas tecnologias, que confere à biodiversidade um valor estratégico no chamado novo paradigma tecnológico. Nestas condições a biodiversidade passa a ser um fator de acirradas disputas geopolíticas e, portanto, de grande interesse o País.

Assim sendo, a polêmica sobre o Código Florestal envolve interesses relacionados à preservação do meio ambiente bem como aos interesses do povo e da nação brasileira.
Colocadas estas preliminares, torna-se necessário situar as principais polêmicas sobre o Código Florestal. Elas dizem respeito às Áreas de Preservação Permanente (APPs), Reservas Legais (RL), averbação das Reservas e competência para legislar sobre o meio ambiente.
O Código Florestal define a área de preservação permanente como área protegida, coberta ou não por vegetação nativa com o objetivo de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade ecológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações. Deverão existir as APPs ao redor das lagoas, lagos, reservatórios d’água, nascentes d’água, topos de morros, encostas com declividade superior a 45°, restingas, bordas de tabuleiros ou chapadas, em altitude superior a 1.800 metros.
Estabelece, também, que a dimensão das APPs se relaciona com a largura dos rios.

Porém, a EMBRAPA questiona o critério da largura dos rios para definir a dimensão das APPs. Considera que o critério deveria estar relacionado com “questões geológicas do solo e da região”. Propõe que se faça um estudo em todo o país para identificar valores mais representativos para todos os biomas. Trata-se de um argumento real. Todavia, enquanto tais estudos não forem realizados, o mais correto é permanecer a norma atual. Alterá-la sem uma alternativa de sólidas bases científicas pode ser o caminho para uma destruição maior das APPs.

Por outro lado o Código Florestal define a reserva legal como “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e o abrigo da fauna e da flora nativas”. O Código define que a propriedade localizada na Amazônia Legal deverá ter 80% da área como reserva legal. No cerrado da Amazônia, 35%. Nas demais regiões do País, 20%. O texto da Lei possibilita que a reserva legal seja feita em outra área, desde que pertença ao mesmo ecossistema e se situe na mesma microbacia.

A discussão que se estabelece em relação à reserva legal é se ela deve ser por propriedade ou por bioma, bacia ou microbacia. O questionamento da reserva legal por propriedade e a proposta alternativa, retira do produtor rural a responsabilidade pela manutenção da reserva legal. Sendo por bioma, bacia ou microbacia a responsabilidade seria do Estado? Na defesa desta alternativa não fica claro de quem será a responsabilidade e a retira do proprietário, o que é um sério retrocesso na legislação ambiental. Nestes termos, o mais correto é manter a reserva por propriedade.

Outra questão diz respeito à averbação da reserva legal. O Código Florestal já previa a obrigação de averbar a reserva legal. Todavia, não previa sanção para o caso da não averbação. O Decreto dos Crimes Ambientais gerou enorme reação dos produtores rurais e agricultores familiares, levando o governo a editar decretos flexibilizando aquelas disposições. O Decreto n°. 6.686/2008 aumentou o prazo para a averbação das reservas legais por um ano em relação ao prazo previsto no Decreto anterior e anistiou os proprietários que receberam multas e sanções. Mesmo assim a reação dos proprietários rurais continuou. Procurando dar uma resposta de fundo ao problema, o governo federal editou o Decreto nº. 7.029//2008 instituindo o Programa de Apoio à Regularização Ambiental de Imóveis Rurais “Programa Mais Ambiente”.

Este Decreto anistiou os proprietários rurais que cometeram determinados crimes ambientais até 9 de dezembro de 2009. Todavia, a anistia só será concedida àqueles que venham a aderir ao programa de regularização ambiental “Mais Ambiente”. As penalidades para a não averbação da reserva legal só entrarão em vigor em 11 de junho de 2011.

O Decreto trata como “beneficiário especial” o agricultor familiar, o empreendedor familiar rural, proprietários de terras até 150 hectares, e os povos das comunidades tradicionais que firmarem o termo de adesão e compromisso, proporcionando a eles a simplificação das condições para a adesão.

Tais medidas dão um tratamento adequado à questão da averbação da reserva legal. Todavia, os grandes produtores continuam resistindo, pois querem uma modificação radical do Código Florestal.

Outra questão importante no debate diz respeito às pequenas propriedades. Não é correto nem justo tratar a grande propriedade e a pequena propriedade familiar da mesma forma. Do ponto de vista ambiental, há que flexibilizar a aplicação da legislação ambiental tratando a agricultura familiar de forma diferenciada, reconhecendo que a aplicação dos parâmetros atuais das APPs e RLs, numa pequena propriedade, leva à sua inviabilização econômica já que restaria um pequeno pedaço de terra para plantar.

É necessário mudar o conceito legal da pequena propriedade rural familiar, acatando os critérios acordados entre os produtores familiares e o Ministério do Meio Ambiente. Neste acordo ficou estabelecido que a propriedade familiar é aquela que tem quatro módulos rurais. No Rio Grande do Sul este tamanho de propriedade equivale a 100 hectares e representa 90% das propriedades do Estado. No acordo ficou estabelecido que a totalidade da APP seja considerada reserva legal. Todavia, é necessário reafirmar que os critérios de diferenciação da pequena agricultura familiar não podem ser estendidos para as explorações empresariais de grande porte.

Outra polêmica importante diz respeito à competência de legislar sobre o meio ambiente. Atualmente cabe à União a definição das normas gerais e diretrizes sobre a preservação das florestas, sua exploração sustentada e sua preservação, incluindo a elaboração dos Zoneamentos Econômicos Ecológicos e a definição dos instrumentos de proteção, como os percentuais de reserva e os critérios de continuidade territorial.

Certos setores defendem que a legislação passe para a competência estadual, argumentando que ali haveria melhores condições de propor alternativas mais próximas da realidade de cada estado da Federação. Todavia esta formulação esconde a questão social que está por trás deste tema. Isto porque em certos estados os ruralistas teriam melhores condições de impor seus interesses. Por esta mesma razão, na Constituinte o mesmo setor defendia que a reforma agrária deveria ser de competência dos estados e os defensores da reforma agrária foram contra, exatamente porque no Congresso Nacional existe um melhor equilíbrio de forças.
É necessário também dar tratamento adequado e justo aos proprietários rurais que cumpriram a lei em suas múltiplas variações através dos tempos e que, em consequência, estão numa situação de insegurança jurídica, passíveis de serem criminalizados e punidos. Um exemplo foram as mudanças nos critérios de reserva legal ao longo dos anos. Na década de 1970 a derrubada das matas nas propriedades que estivessem com uma cobertura florestal acima dos limites da reserva legal, era o critério usado pelo INCRA para definir uma propriedade como produtiva ou não e assim torná-la improdutiva e passível de desapropriação para fins de reforma agrária. Na Amazônia, ao longo dos anos, a exigência de Reserva Legal variou de 50% da área total para 80%, atualmente em vigor. Nesse sentido, o agricultor não pode ser penalizado e, muito menos criminalizado, por alterações legais que se refletem diretamente sobre sua atividade.

As polêmicas sobre o Código Florestal envolvem uma série de aspectos. O primeiro diz respeito à necessária compatibilização entre a preservação ambiental e o desenvolvimento do País. A necessidade de superação da pobreza nos países pobres e em desenvolvimento e a conquista de padrões adequados de bem-estar social para suas populações acarreta impactos ambientais, neste caso, na agricultura. Em decorrência disto torna-se necessário levar em conta medidas de preservação ambiental e de redução, ao mínimo, das agressões à vida natural, às águas, ao ar e ao solo.

Na perspectiva do futuro da humanidade, o equacionamento efetivo da necessidade de preservação ambiental com as imposições do desenvolvimento econômico vai ocorrer com a conquista de novas formas de produção e de consumo numa nova forma de organização social, o socialismo.

Entretanto, as questões precisam ser enfrentadas nas condições em que elas se apresentam na atualidade. É nesse sentido que o Partido Comunista do Brasil propôs, em seu 12º Congresso, um projeto de nação formulado no Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento que tem, em seu substrato, a preocupação com o desenvolvimento sustentado que combina o crescimento econômico com a preservação ambiental. É com este espírito que os comunistas entram no debate da renovação do Código Florestal.

O debate sobre o Código Florestal traz à tona as limitações do direito de propriedade que, pela Constituição de 1988, tem uma clara função social à qual se deve agregar também a função ambiental. As limitações ao exercício da propriedade privada da terra decorrem da necessidade de atendimento ao interesse coletivo, sendo necessário enfatizar o cumprimento da função social e ambiental da propriedade.

O fundamental, dentro de uma visão democrática e progressista da problemática ambiental brasileira, é estabelecer controles que limitem a ação do grande capital, protejam os trabalhadores, pequenos agricultores e garanta o meio ambiente. Nesse sentido, os comunistas reafirmam a defesa de um desenvolvimento sustentável e a função social da propriedade privada, acrescida de sua dimensão ambiental.

Finalmente, cabe destacar a campanha promovida contra o Deputado Aldo Rebelo, relator da Comissão Especial da Câmara de Deputados para estudar as propostas de mudanças do Código Florestal. O Comitê Central do PCdoB aprovou uma nota de solidariedade ao seu parlamentar onde afirma: “na contramão do debate democrático, a organização não-governamental ‘Greenpeace’ abandonou o campo das ideias e passou a realizar uma campanha caluniosa contra o trabalho desenvolvido pelo deputado Aldo Rebelo, tachando-o como inimigo do meio ambiente”. E mais: “O Partido Comunista do Brasil rechaça a afronta dessa ONG alienígena que troca o debate pela calúnia para tentar atingir a imagem de um dos parlamentares mais respeitados do Congresso Nacional”.

Há que se fazer um debate democrático e racional. Posições radicais e intolerantes de que não deva haver nenhuma mudança no Código ou que defendam aberta ou camufladamente sua liquidação, não correspondem aos interesses da grande maioria do povo brasileiro.

*Ex-deputado constituinte, secretário nacional do Meio Ambiente do PCdoB e da FMG