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Parada Gay espelha um grande e politizado movimento de massas

A 14ª edição da Parada Gay, neste domingo (6) claro e frio de São Paulo, renovou a pujança de um impressionante movimento de massas, democrático, laico e avançado, que veio para ficar. Mais uma vez, 3 milhões de pessoas participaram da maior manifestação gay do mundo. A novidade é a politização expressa no lema "Vote contra a homofobia, defenda a cidadania".


“A bandeira do arco-íris está pálida e cada vez temos menos paciência com o atraso brasileiro. Um atraso que tem nome, número, partido e tempo de televisão. É para isso que vamos na avenida este ano: para denunciar de onde vem nosso sofrimento, onde se situa a homofobia institucional. Vamos também mostrar que podemos agir. Como eleitores, podemos sim decidir destinos”, disse, em entrevista coletiva, Alexandre Santos, presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBT.

Ele falou em uma entrevista coletiva de imprensa, logo antes da multidão deixar o Masp, rumo à Rua da Consolação. Em um sinal dos tempos, o governador Alberto Goldman (PSDB) e o prefeito Gilberto Kassab (DEM) compareceram à coletiva.

O paulistano Xande, 35 anos (um "homem transexual", nascido com genitália feminina, mas desejando ser identificado como do sexo oposto), dirige desde o início do ano este megamovimento. Em entrevista ao Terra Magazine, ele explica porque os GLBTS saem ás ruas este ano. Veja a íntegra:

Terra Magazine: Vocês dividiram a Parada do Orgulho LGBT em marcos. De 1997 a 1999, o foco da mobilização era a visbilidade. Depois, de 2000 a 2002, passou a ser a diversidade e, a partir de 2003, ganhou uma conotação mais política. Como você avalia esta evolução da manifestação?

Alexandre Santos:
É super importante. A Parada, além de ser uma festa, uma celebração de orgulho, é também um momento de reivindicação.

TM: E como você avalia essa transformação?

Alexandre: O movimento foi crescendo. É tão importante quanto a primeira Parada. A questão política é o que a gente mais quer. Muita gente fala que é só festa. É uma celebração, sim, mas o nosso momento político permanece desde 1997.

TM: Aliás, essa crítica de que o lado político é esvaziado vem sendo recorrente.

Alexandre: O movimento de celebração tem que existir, sim. É o dia em que a gente celebra o orgulho. Mas também reivindicamos direitos que nos são negados. Este ano, focamos na política, na eleição. Vamos falar para que votem em pessoas que acreditem nos direitos humanos e na cidadania, independentemente de religião, classe social, cor, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.

TM: O fato de ser um ano eleitoral reforça o caráter político da Parada?

Alexandre: A gente tem o intuito de reforçar isso mesmo.

TM: Ao contrário dos outros anos, ao invés das cores do arco-íris, o preto e o branco vão predominar nos trios?

Alexandre: A gente está fazendo a Parada do preto no branco. Se você fala que vai fazer, você vai escrever e assinar, dizendo que vai fazer. Essa é ideia.

TM: É um recado direto para os políticos?

Alexandre: Sim, é um recado. Muitos políticos fazem da parada um palanque, aproveitam-se do movimento, prometem, mas, na realidade, a gente não vê nada acontecer. Na hora de aprovarem uma lei importante, por exemplo, não aprovam. Vamos falar para que se vote em quem realmente tem uma plataforma e que vá fazer algo. Estamos muito insatisfeitos. Estamos cansados. Todo mundo fala, todo mundo promete, mas chega na hora, ninguém faz. Não queremos só palavras. Para falar, até papagaio fala. Não queremos só o blá, blá, blá. Queremos que eles cumpram o que vivem prometendo.

TM: O tema da Parada deste ano é a luta contra homofobia. Na sua opinião, por qual razão há tanta resistência em relação à aprovação do Projeto de Lei 122/06 (que trata homofobia como crime)?

Alexandre: O Projeto de lei 122, que está para ser votado e aprovado desde 2006, não passa por uma questão religiosa. Os senadores que estão barrando nossa lei são religiosos. Marcelo Crivella (PRB-RJ), Magno Malta (PR-ES)… E a bancada deles é muito grande e muito forte. Inclusive, não respeita a laicidade do Estado. Este é o maior problema.

TM: Como vocês encaram isso?

Alexandre: A gente exige que o Estado seja laico de fato. Não só na Constituição, no papel.

TM: Hoje a Parada LGBT de São Paulo é a maior do mundo. Qual o balanço que você faz sobre os avanços conquistados graças a esses mais de 10 anos de manifestação?

Alexandre: Acho que a sociedade tem nos visto com outros olhos.

TM: O que mudou de 1997 para cá?

Alexandre: A gente tem um vídeo da Parada de 1997, em que apareciam frases do tipo: "viado tem que morrer". Hoje você vê as pessoas usando a palavra homofobia. Se alguém, que nem é LGBT, vê uma pessoa ser discriminada, fala: isso não pode, isso é homofobia. É um avanço muito grande. As palavras homofobia, discriminação estão na boca da sociedade. O respeito tem aumentado.

TM: Como você, que é um dos organizadores da parada, se sente em relação a esses avanços?

Alexandre: Fico feliz, mas há muito o que conquistar. Não dá para falar que é o ideal ainda, mas dá para ficar satisfeito com o que a gente conquistou. É continuar o trabalho, a luta para que melhore mais ainda. A gente não quer nem mais nem menos direitos. Queremos direitos iguais. Queremos direitos de cidadãos.

TM: O que você pensa em relação às críticas sobre o Projeto de Lei 122? Há quem argumente que é inconstitucional.

Alexandre: É inconstitucional para quem quer praticar preconceito e discriminação. Uma frase que ouvi do Crivella é que, se aprovar a lei, vai aprovar a necrofilia, a pedofilia, a zoofilia. Isso é só pensar em sexo. Somos cidadãos e pagamos impostos. Ninguém vai falar: porque você é LGBT não vai pagar imposto. Não, vamos pagar igual a todos, mas queremos direitos iguais também.

TM: E como você vê as críticas em relação à adoção de crianças por casais homossexuais. Muitos alegam que rompe com a estrutura da família tradicional.

Alexandre: Quando se fala em família tradicional, você pensa em pai, mãe e filho. E como fica quem é criado por avó, por exemplo? Não só por LGBT, mas tem gente que não tem pai e mãe. Não é considerado família? Outra coisa é o que falam sobre a influência. Se eu pegasse a influência dos meus pais, seria heterossexual, não é?

Com informações do Terra Magazine