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Os cangaceiros voltam à cena

A Boitempo acaba de lançar uma obra importante para se conhecer melhor o que alguém um dia chamou de “Brasil profundo”. Trata-se do livro Cangaceiros – Ensaio de interpretação histórica, do professor da USP, Luiz Bernardo Pericás.

Conforme afirma João José Reis (UFBA), “há tempos precisávamos de um livro que fizesse um balanço exaustivo do que se escreveu sobre este fascinante fenômeno social e cultural do Brasil no século passado”. E conclui: “o livro eleva a análise do cangaço a um patamar superior, e ainda serve como inspiração para se pensar outros tipos de banditismo”.

O Vermelho disponibiliza abaixo um dos textos de apresentação à obra, escrito pelo professor Lincoln Secco (USP):

 
Os Cangaceiros
Por Lincoln Secco
Na História do Nordeste brasileiro, o cangaço apareceu como a forma através da qual se moviam as contradições típicas de uma sociedade marcada pela instabilidade, formada por populações errantes, pobres e vitimadas pelo mandonismo local.

Apesar disso, a miséria não era a única motivação para a entrada no cangaço. Pelas biografias de líderes como Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino, Sinhô Pereira e outros, ficamos sabendo que eles tinham origem relativamente abastada.

No seu ensaio, Luiz Bernardo Pericás transcende a visão tradicional dos cangaceiros e não titubeia em revelar a sua extrema crueldade. Seus roubos, ao contrário da crença popular (em geral criada ou repetida por quem nunca presenciou os fatos), não os tornavam bandidos lendários como Robin Hood. Ao contrário, eles roubavam para atender principalmente aos seus próprios interesses.

Mas sem jamais apresentar uma leitura simplista, o autor não deixa de reconhecer que os cangaceiros eram dotados de notável sagacidade política e, eventualmente, traziam benefícios sociais aos deserdados da terra, davam esmolas e, assim, forjavam uma imagem pública favorável.

O livro também interessará ao leitor pelo texto desenvolto. Além do recurso a obras clássicas, o uso de livros pouco conhecidos (muitas vezes edições locais já esgotadas) e as vivas descrições geográficas revelam que o autor percorreu o sertão nordestino.

Ele “adentra” os bandos, como se viajasse com eles pelas paisagens adustas; relata em tom quase novelesco os casos de violência, tortura, as relações amorosas, o cotidiano, o papel das mulheres e das crianças, a questão racial, os hábitos alimentares, as relações políticas, o coronelismo, as formas de combate, os armamentos e até as malogradas tentativas dos comunistas em dar uma direção programática para aquela forma de banditismo.

O cangaço “independente”, fenômeno que se esboçou na segunda metade do século XIX e atingiu o ocaso por volta de 1940, é uma escolha felicíssima para um livro. Tema importante e que tem sido pouco estudado nos últimos anos (com a exceção de algumas monografias acadêmicas). Estava por merecer uma abordagem de síntese feita por um intelectual já reconhecido pela qualidade de seus trabalhos.