Copa termina primeira fase com bom futebol sul-americano

Com Itália, atual campeã do mundo e França, atual vice, eliminadas, a primeira fase da Copa do Mundo da África do Sul termina sem empolgar. Não pelos resultados, mas pela ausência do belo futebol, algo que ocorre há pelo menos cinco mundiais. Fortes esquemas defensivos, jogadores mais parecidos com fisiculturistas e raros momentos de habilidade marcam a copa das vuvuzelas, as cornetas que já fizeram muito barulho nas arquibancadas brasileiras na década de 1980.

Aconteceram algumas coincidências interessantes nesta Copa. Foi a primeira competição que viu o atual campeão, a Itália, e o vice, a França, serem eliminados ainda na primeira fase. Apenas quatro vezes na história dos mundiais os campeões tiveram essa triste sina: Em 1950, um enfraquecido time da Itália voltou para a Europa mais cedo. Em 1966 foi a vez do Brasil, derrotado no pau e na bola para Portugal em seu jogo decisivo. Em 2002 foi a França, que fez um papelão ao ser eliminada sem marcar sequer um gol. Ao empatar com o Paraguai e com a Nova Zelândia nesta Copa, a Itália mereceu a desclassificação.

O Mundial da África do Sul não é total decepção para quem gosta de futebol por causa da Argentina, que tem jogado bonito e se destaca das demais pela qualidade técnica de seus jogadores, principalmente de seu maior astro, o meio-campista Messi. Após uma eliminatória confusa, sendo batida por seus rivais sul-americanos e tendo de jogar uma partida crucial contra o rival Uruguai pela classificação em quarto lugar para a Copa na Zona Sul-americana, a Argentina mostra um futebol muito superior aos demais competidores, principalmente por conta de seu maior astro, o pequenino e habilidoso Messi.

O time dirigido por Maradona fez boas exibições na Copa e dispara como o maior favorito para vencer o torneio, ao lado do Brasil de Dunga que, apesar de insistir na cautela, tem demonstrado qualidade na defesa e tem jogadores habilidosos como Kaká e Robinho. Talvez a maior diferença entre as duas equipes seja justamente a mentalidade de seus técnicos. Maradona, um atacante, tende a favorecer mais o jogo para a frente que Dunga, um meio-campista defensivo.

A "confusão mental" sofrida por Maradona na escalação do time durante as eliminatórias, que fez o time tropeçar em momentos importantes e ver a classificação para a Copa quase sumir no horizonte, desapareceu. Já a seleção de Dunga mantém uma trajetória estável, mas preocupada em exibir um futebol aguerrido à nova máxima de que vencer mal é melhor que perder bem. Nessa história, desaparece o "vencer bem". O que amedronta os brasileiros é que a seleção de Dunga tem jogado de forma lenta.

As seleções africanas presentes à Copa em seu continente decepcionaram. Mesmo Gana, classificada para as oitavas de final para enfrentar os Estados Unidos, não conseguiu mostrar um futebol atraente e de qualidade. É uma equipe que se perde no excesso de toques quando tenta jogar na base da habilidade, além de desperdiçar a posse de bola com finalizações a esmo, e que tem organização tática precária quando coloca o talento em segundo plano. A preguiçosa seleção alemã a venceu por 1 a 0 em uma partida de domínio estéril dos ganeses.

A África do Sul, treinada pelo brasileiro Carlos Alberto Parreira, demonstrou evolução tática, e só. Dona de uma técnica incipiente, foi a primeira nação que sedia um mundial a deixar a competição na primeira fase. A outrora "poderosa" Nigéria conseguiu empatar apenas uma partida em seu grupo, contra a Coreia do Sul, colocando em campo uma equipe em franca decadência.

Camarões, outra equipe que exibiu beleza técnica em outros mundiais, também pecou pela fraqueza no quesito habilidade, tendo apenas o atacante Eto'o como a jóia da coroa, a cintilar em alguns instantes no mundial, muito pouco para ultrapassar à fase seguinte.

Apenas quando enfrentou a fraca equipe inglesa é que a Argélia, única seleção árabe no Mundial, apareceu na Copa. O empate em zero a zero premiou o futebol feio das duas seleções. A Argélia, que havia participado da Copa de 1986 com mais destaque, despediu-se da África do Sul com dois gols tomados e nenhum feito.

A equipe africana mais badalada, tida como a mais forte era a Costa do Marfim, de Didier Drogba. Só que eles eram fortes, sim, no aspecto físico. Seguindo a tendência atual no continente africano, os marfinenses substituiram os mirrados e hábeis jogadores de outrora por poderosos halterofilistas no presente. Foram medrosos na partida contra Portugal e violentos contra o Brasil. Apesar de possuir astros de grande qualidade técnica, os africanos não conseguiram ainda protagonizar um papel de destaque em Copas do mundo. Só aparecem como zebras temporárias.

Ásia evolui

Os asiáticos, Japão à frente, mostram um jogo mais atraente que os africanos. O Japão classificou-se ao vencer a Dinamarca por 3 a 1 em um jogo que teve dribles desconcertantes e habilidade nas finalizações. Apesar de terem sido derrotados pelos holandeses, jogaram de forma ofensiva, em contradição com os esquemas táticos exibidos pelos times que vieram para a África do Sul "para não perder" e que agora estão arrumando as malas para o merecido retorno.

Embora sem a qualidade técnica exibida pela equipe japonesa, a Coreia do Sul conseguiu a classificação e também chama a atenção, destacando-se em um grupo que, além dos argentinos e nigerianos, contou também com o futebol chato da Grécia. Já a Coreia do Norte, nenhuma lembrança do time rápido e supreendente de 1966.

Europeus decepcionam

A Itália, atual campeã do mundo, veio para a África do Sul com uma campanha segura nas eliminatórias europeias, tendo se classificado em primeiro lugar em seu grupo, com sete vitórias e três empates, em um grupo que contava com a Bulgária, Irlanda, Chipre, Geórgia e Montenegro. Era a favorita para se classificar no grupo que reuniu Nova Zelândia, Paraguai e Eslováquia.

Diante de tais adversários, seria absurdo pensar antes da bola rolar que o futebol italiano viveria uma das maiores decepções da história. Empatando com o Paraguai em um gol e com a Nova Zelândia sem abertura do placar, a Itália precisava ao menos de um empate com gols contra a Eslováquia para classificar-se e seguir adiante. A Eslováquia, que havia empatado com a Nova Zelândia em zero a zero e perdido para o Paraguai por dois a zero, precisava vencer o jogo contra o gigante do futebol mundial para aspirar a passagem para as oitavas de final.

Mesmo advertida por uma zebra maiúscula na partida anterior, quando empatou em zero a zero com a Nova Zelândia, um time praticamente amador da Oceania, a Itália sofreu um dos maiores revezes de sua história e saiu de campo derrotada pela estreante Eslováquia por 3 a 2 e eliminada. A equipe viveu situação parecida em 1974, quando deixou o Mundial na primeira fase, mas desta vez o tombo foi mais impactante, pois era a atual campeã do mundo. Foi a última colocada, com dois pontos ganhos, ultrapassada até pela amadora Nova Zelêndia.

Os tricolores se separam em três

A mídia esportiva tem falado muito dos motivos que levaram Itália e França à bancarrota na Copa. Fala-se de jogadores estrangeiros, de mudança de mentalidade, de falta de adaptação, mas o maior problema é a falta de talento, aliada ao fim de uma geração.

A França viu uma geração vitoriosa se retirar dos gramados a partir do mundial de 2002, quando também foi eliminada na primeira fase. Rachados em três clãs, o dos argelinos, o dos africanos e o dos europeus, os franceses vieram fazer turismo na África do Sul. Um empate sem emoções na estreia contra o Uruguai e uma derrota para o México por 2 a 0 serviram para exibir a fratura do elenco tricolor ao mundo.

"Mão do diabo"

Sob o comando do técnico errado no momento errado — Raymond Domenech —, os franceses tiveram de amargar uma eliminação dolorida, já que todos os problemas internos da seleção vieram à tona e foram esmiuçados pela imprensa, com direito a palavrões na capa do L'Equipe, e corte no elenco — Anelka — após discussão em vestiário.

O gol de mão de Thierry Henry feito na repescagem contra a Irlanda parece ter sido uma 'mão do diabo' para a França, que vazou as redes adversárias apenas mais uma vez, contra os anfitriões da África do Sul, na derrota por 2 a 1.

Alemães, ingleses e espanhóis

A tempos a Espanha é a equipe mais badalada do momento. É o time fashion da hora. Apesar de jogar bem e ter um futebol bonito, os espanhóis sucumbiram na estreia ao jogo feio da Suíça e depois bateram a fraca seleção de Honduras por 2 a 0.

Apesar da grande diferença técnica entre as equipes, os espanhóis passaram por apuros na partida contra o Chile. Os sul-americanos não tomaram conhecimento do adversário e impuseram um ritmo veloz no primeiro tempo, até o goleiro chileno Bravo errar de forma bisonha, dando um gol inusitado à Espanha.

A Espanha, apesar de toda a badalação, fez seus torcedores temerem pelo pior, porque um empate com o Chile, que diminuiu o placar no início do segundo tempo, poderia significar uma eliminação precoce de mais uma favorita ao título. Mas o empate entre Suíça e Honduras sem gols classificava chilenos e espanhóis para as oitavas de final. E aí o jogo acabou.

A seleção alemã começou bem a Copa. Foi o melhor time da primeira rodada, jogou bem e entusiasmou. Até pegar a Sérvia e perder por 1 a 0. Contra Gana, aproveitaram os contra-ataques e venceram por 1 a 0, um jogo que classificou as duas equipes. Vai enfrentar no domingo a Inglaterra, outra equipe que veio mal e se classificou porque Eslovênia e Argélia são péssimas equipes.

O grande astro da Inglaterra, Wayne Rooney, está machucado e isso é apontado como uma das razões do time estar tão mal no campeonato. Mas o motivo real é que não existe futebol talentoso no Inglaterra.

Sul-americanos prometem

Além da Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil terminaram seus grupos em primeiro lugar no grupo. Depois de duas décadas, os uruguaios venceram uma partida em mundiais e fizeram a proeza de terminar a primeira fase sem tomar gols. Além dessas equipes, o Chile obteve a segunda colocação em seu grupo e enfrentará o Brasil na segunda-feira, em Joanesburgo.

No fim da primeira fase, restam seis seleções europeias na Copa do Mundo (Holanda, Eslováquia, Alemanha, Inglaterra, Espanha e Portugal), duas norte-americanas (México e Estados Unidos), as cinco sul-americanas classificadas nas eliminatórias (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Chile), uma africana (Gana) e uma asiática (Japão).

Quem pega quem

Nenhuma seleção europeia conseguiu vencer fora de seu continente, feito obtido apenas pelo Brasil. Nas oitavas de final o Brasil enfrentará o Chile. Vencendo, enfrentará o vencedor de Holanda e Eslováquia, únicos europeus que o Brasil poderá enfrentar do seu lado das chaves de oitavas de final até a decisão do Mundial.

Caso elimine um desses europeus, o Brasil poderá enfrentar Uruguai ou Coreia do Sul, Estados Unidos ou Gana.

A seleção argentina enfrentará o México. O vencedor da partida pega o vencedor de Alemanha e Inglaterra, enquanto o vencedor de Paraguai e Japão pegará o de Espanha e Portugal.

De São Paulo,
Humberto Alencar