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Gelson Weschenfelder: o deus do livro

Passei boa parte de minha vida escutando que, em determinado livro, estava a resposta para tudo. Hoje ainda escuto tal coisa; são diversos indivíduos de diversas culturas religiosas que repetem desregradamente a mesma coisa: “Neste livro você encontra todas as respostas”.

Por Gelson Weschenfelder, em seu blog

Bom, me adentrei em várias culturas religiosas, a fim de encontrar tais respostas, mas nunca encontrei em tal livro. O livro, diga-se de passagem, é um ótimo livro sobre poder (o filosofo francês Foucault iria adorar), história de um povo, e de geografia. Não estou aqui, para desmerecer tal livro, pelo contrário, tens bons ensinamentos, mas não respostas.

Falam que tal livro conta a história de nosso povo. Bom, aí que fico meio indagado, sou de origem européia, meus descendentes são os bárbaros que ajudaram a destruir o império romano, que na qual, após sua queda veio esta cultura religiosa oriunda do oriente médio, e conquistou todos os bárbaros, tornando-os assim civilizados. Vejo que, não é de meu povo a história relatada em tal livro.

Encontrei minhas respostas na vida em sociedade, na vida presenciada, vivida. Foi com outros iguais a mim, de carne e osso, com diversas diferenças culturais e fisiológicas, mas humanos, assim como eu. Foi neste encontro que encontrei minhas respostas, e me deparo com outras questões.

Há sofrimento dos iguais a mim, há desespero humano. E o que poderemos fazer? Vamos procurar em tal livro.

Enquanto você procura no livro, há pessoas morrendo de fome.

Enquanto você procura no livro, há guerras, que destroem cidades, estados, países, gerações.

Enquanto você procura no livro, há políticos corruptos enganando o seu povo, andando com ouro nas cuecas, meias, em toda roupas de baixo. Mas não queremos dar ouvidos para isso. Temos o futebol para nos preocuparmos.

Enquanto você procura no livro, há meninos e meninos sendo vendidos, para maturação forçada. Perdendo a inocência.

Enquanto você procura no livro, há doentes morrendo em portas de hospitais.

Enquanto você procura no livro, há índios perdendo seu território, sendo massacrados, queimados, perdendo sua identidade e história.

Enquanto você procura no livro, há o pai que em desespero, sem emprego, sem dinheiro, assalta a padaria da esquina, para seus filhos não terem a dor da fome, que ele está sentindo.

Enquanto você procura no livro, os jovens estão se prostituindo, caindo, tendo uma pedra, folha ou o pó como saída de seus desesperos.

Quem olhará por nós…

Eu sou o índio, o negro, o jovem, o pai e o filho. Sou o gay, o marido, a esposa, o sacerdote e o aprendiz. Sou o viciado, o profeta, o doente, o desabrigado e nobre das palavras. Sou aquele que lê os livros, o cego, o analfabeto, e aquele que não sabe cantar o Hino Nacional. Sou um mestiço, a praga, a fome e a doença. Eu sou a criança que sorri, a que chora, a que pede e a que dá. Sou aquele que olha para o horizonte a espera de algo, e aquele que olha para o lado e vê que algo se possa fazer.

Enquanto você procura no livro, a verdade pode estar a nosso lado, num irmão necessitado, no velho barbudo que dizia que tudo é alienação, no sorriso maroto da criança ou naquele que lhe pede a mão.

O livro até pode ser sagrado, mas não mais sagrado que a convivência, irmão. Abre seus olhos e suas asas, solte a imaginação. Os problemas se vão, as respostas aparecem, e outras questões virão.

Enquanto você procura as resposta num livro, a vida passa, os problemas ficam, e nada de novo aparece. Sou aquele que leu o livro, e viu que as respostas estão contidas no outro, no outro igual a mim. Todos podem encontrar suas resposta, mas não enquanto você procura tudo num livro.