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 Quadrinhos para contar a saga dos povos africanos

A roda dos orixás está formada. Uma a uma, as divindades narram a história dos povos africanos transplantados para o Brasil, e seu papel na formação do povo e da identidade nacional. Esse é o fio condutor do álbum AfroHQ: história e cultura afro-brasileira e africana em quadrinhos (Edição do autor, 90 págs., R$ 20), sétimo de uma série de livros em quadrinhos criada pelo sociólogo Amaro Braga e pelas arte-educadoras Danielle Jaimes e Roberta Cirne. 

Com lançamento marcado para esta sexta (02), às 19h, na Livraria Cultura, no Recife, a obra é uma feliz tentativa de conciliar arte, entretenimento e educação. “Selecionamos as contribuições mais relevantes da cultura africana e as vinculamos aos 16 principais orixás cultuados no Brasil. Assim, cada um deles conta uma parte da história associada às suas características naturais e humanas, às suas ‘personalidades’, por assim dizer”, explica Amaro Braga.

Na narrativa, são apresentados os traços da diáspora africana, a prática da escravidão na África e no Brasil, os movimentos de resistência, os quilombos, a Abolição, a música, a dança, a culinária, as relações familiares e os cultos religiosos. Personagens históricos como Zumbi e Malunguinho surgem sob um enfoque que evita a idealização da história.

“Não floreamos nenhum dos fatos históricos, nem os excluímos. Tentamos conciliar as visões da academia e dos movimentos de cultura negra que, muitas vezes, se antagonizam”, afirma Amaro Braga, que atualmente é professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas.

Autor do texto e responsável pela pesquisa e pelo roteiro, ele observa que este sétimo álbum da série está mais livre, mais inclinado para o entretenimento. Os livros anteriores foram criados como adaptações de textos científicos, tendo como argumento a presença judaica em Pernambuco e o episódio da Restauração Pernambucana. “Dessa vez procuramos evitar ao máximo a linguagem acadêmica. Isso, de certa forma, acabou por tornar o livro mais didático”, completa.

Amaro explica que o objetivo da equipe sempre foi aproveitar a experiência pedagógica dos seus integrantes para criar um produto que sirva a múltiplos propósitos. A diversidade das representações visuais dos orixás – inúmeras e variadas, de acordo com as diferentes nações religiosas no Brasil – foi considerada pelos autores, e, por isso, muitos dos seus elementos característicos foram simplificados, como as vestimentas, por exemplo. Todos os originais foram feitos em aquarela e poderão compor uma exposição posteriormente.

Entusiasta dos quadrinhos, Amaro milita na defesa artística e pedagógica do formato desde os anos de 1990. Como vice-presidente da extinta Nanquim (Associação de Colecionadores de Quadrinhos do Recife), coordenou exposições na cidade e ministrou palestras e cursos sobre as possibilidades de uso das HQs nas salas de aula.

A parceria atual com as arte-educadoras Danielle Jaimes e Roberta Cirne teve início há 13 anos, com a participação em diversos salões e a confecção de fanzines de circulação local, como o Fator HQ. “Fazer uma história com a temática dos orixás era algo que me encantava desde a época da graduação e de minha bolsa de iniciação científica na área da antropologia, quando pude pesquisar as práticas religiosas do terreiro mais antigo do Recife, o Sítio de Pai Adão”, lembra Amaro.

O livro AfroHQ tem patrocínio do Funcultura. Seu projeto foi inspirado pela lei 10.639, de 2003, que tornou obrigatória a inclusão da história e da cultura afro-brasileira nos currículos escolares. Este momento em que a publicação chega às prateleiras coincide com a aprovação pelo Congresso do Estatuto da Igualdade Racial, que deverá ser sancionado pelo presidente Lula nos próximos dias. AfroHQ teve uma tiragem de dois mil exemplares, parte dos quais será destinada às escolas da rede pública estadual.

Fonte: Jornal do Commercio