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PSB: Dilma vai precisar de base de esquerda mais que Lula

Em plena campanha eleitoral, o vice-presidente do PSB, Roberto Amaral, em entrevista ao Portal Vermelho para a série de entrevistas com os presidentes dos partidos de esquerda que apoiam a pré-candidata Dilma Rousseff (PT), já fala no período pós-eleitoral. Sua grande preocupação é com a ampliação da base de esquerda do governo. Segundo ele, a presidenta Dilma vai precisar dessa base mais do que o próprio Lula, “até para manter o projeto político”, enfatiza o líder socialista.

Roberto Amaral

Ele se queixa do acordo entre os partidos da coligação não estar sendo cumprido. E do candidato tucano, José Serra, e seus aliados – DEM e PPS – terem fugido do debate programático na campanha. Para ele, é ruim para a esquerda que não se faça a comparação de modelos, entre o que privilegia os ricos e a concentração de renda contra o que prestigia os pobres e a distribuição de renda.

Roberto Amaral diz que, ao contrário de Serra, que perdeu a identidade, “não tem dificuldade de identidade". "Eu sou esquerda. O PSB é esquerda, o PCdoB é esquerda, o PMDB é centro-direita, o DEM é direita e o PPS e o PSDB estão correndo para isso". Para ele, é muito simples identificar uma coisa da outra: “Quando você vê um filme (movimento), você vê a esquerda; quando você vê uma fotografia (estagnação), você vê a direita.”

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Leia a íntegra da entrevista em que o líder socialista fez questão de acrescentar – “em qualquer lugar da entrevista, que a nossa experiência com o PCdoB na construção da CTB foi muito importante para nossas bases e nossos projetos e a história está mostrando que foi muito certa a construção dessa central sindical.”

Vermelho – O governo Lula está concluindo seu segundo mandato. O PSB apoiou este governo desde o início. Os socialistas sentem-se também construtores deste novo Brasil que surgiu a partir do governo Lula? Em que áreas o PSB deu mais contribuições e em que áreas vocês acham que o governo Lula poderia ter avançado mais?
Roberto Amaral (RA) – Vamos começar pelo final. Nós vamos sair do governo devendo algumas questões fundamentais. Uma delas é a reforma do Estado, que para muita gente é reforma política e para muita gente é apenas reforma eleitoral. Nós temos um estado anacrônico, desmontado pelo neoliberalismo, sem condições de avançar nas questões estratégicas. Nós herdamos esse estado do neoliberalismo que herdou o Estado da ditadura. Essa reforma é fundamental, apontando para a republicanização do Estado e a radicalização da democracia. Para nós, socialistas, a democracia compreende todos os aspectos, inclusive político, mas também social e econômico. Nesse aspecto, da democracia econômica, houve um grande avanço do governo Lula. O grande mérito do governo Lula foi ter resgatado uma das características do governo João Goulart: a ressurgência das massas. Pela primeira vez nós tivemos um governo que teve como ponto de referência, em momento de qualquer decisão, o interesse das massas. Eu digo massas, e não povo, para acentuar a visão e esforço desse governo pela inclusão, da cidadania, no mercado, na política, no bem-estar. Esse foi o grande mérito desse governo do qual participamos com muito orgulho. Nós, do PSB, demos grandes contribuições. Uma delas foi, ao lado do PCdoB, na formação do bloco (Bloco de Esquerda na Câmara dos Deputados). Nós conseguimos dar sustentação ao governo, sustentação política e ideológica quando o governo passou a depender das manipulações fisiológicas. Eu acho que nossa contribuição foi muito grande. Também foi muito importante na construção da candidatura de Aldo Rebelo (na eleição para a Presidência da Câmara). Do ponto de vista administrativo, a nossa contribuição foi na área de Ciência e Tecnologia. A nossa visão era coerente com o princípio da inclusão, a participação dos estados no esforço e na fruição dos benefícios da ciência e tecnologia, a distribuição de laboratórios, fortalecimento das universidades fora do eixo Rio-São Paulo. Nós mostramos que é possível, sem partidarismo, colocar a ciência e a tecnologia a serviço do desenvolvimento do país.

Vermelho – O PSB ensaiou lançar a candidatura de Ciro Gomes para presidente da República, por que desistiu? Foi uma decisão unânime no partido ou havia setores que defendiam a candidatura própria?
RA – Não dividiu o partido, mas não foi uma decisão fácil. Primeiro, eu direi que todo partido tem direito a candidatura à Presidência da República. E, do nosso ponto de vista, se fazia mais viável quando, pela primeira vez, desde 1989, o companheiro Lula não era candidato. O partido tinha candidatura que nos parecia viável. Ocorre que não conseguimos construir alianças. Os partidos com os quais nós contávamos, pouco a pouco foram se definindo pela candidatura da companheira Dilma, o que nos deixou isolados politicamente. Isso nos colocou sem condições objetivas e materiais de entrar na disputa. O PSB é um partido responsável, jamais iria adotar a política de só olhar para o seu umbigo como outros partidos grandes da esquerda sempre fizeram. Não íamos manter a candidatura apenas pensando em nosso crescimento, o que toda candidatura própria permite. Chegamos à conclusão da inviabilidade dessa candidatura. E desde o começo, nós sempre colocamos a nossa candidatura como base do governo. Jamais seria de oposição. Assim foi tratada em todas as reuniões de fase preparatória com o presidente da República. A primeira pessoa com a qual discutimos essa candidatura foi o presidente Lula. Tinha que ser candidatura tributária do projeto de manutenção do nosso governo.

Vermelho – Foram esses os motivos que levaram o PSB a optar pela candidatura da ministra Dilma Roussef?
RA – Os motivos são esses, reforçados pelo fato da Dilma ser excelente candidata. O PSB tem dito que a melhor candidatura possível no espectro do PT é a candidatura da Dilma. Dificilmente a gente encontra um nome que se iguale ou seja melhor que o dela.

Vermelho – A exemplo do PMDB, do PCdoB e do PDT, o PSB tem problemas com o PT nas disputas estaduais? Como elas foram superadas e de que forma isso interfere na aliança nacional?
RA – As disputas nos estados são disputas naturais, por sinal, temos poucas para o contexto. Nós estamos coligados com o PT na maioria dos estados, no Rio Grande do Sul, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e no Amapá. Não estamos coligados no Amazonas, no Paraná, em São Paulo, onde temos candidatura própria (do empresário Paulo Skaf) e em Minas Gerais. Isso são questões secundárias na disputa natural entre os nossos partidos. Nós temos problemas mais difíceis no Maranhão, onde temos uma candidatura (de Flávio Dino, do PCdoB) lançada com antecedência, de esquerda, que teve o apoio legítimo do PT do Maranhão e depois esse apoio foi atropelado por uma decisão nacional. Isso deixa nossas relações muitos difíceis, mas nós vamos superar. Onde nós temos maiores dificuldades é na campanha. Vou lhe dizer o que é: há um acerto consensual de que naquele estado onde a base do governo tem mais de um candidato, a participação da nossa candidata seria igualitária. Nós respeitamos o apoio do PT ao PMDB do Maranhão, mas a candidata Dilma teria que fazer campanha para o Flávio Dino e Roseana Sarney; assim como na Paraíba, onde nós temos um candidato a governador (Ricardo Coutinho) e o PMDB tem outro (José Maranhão), portanto teria que ser igualitária …

Vermelho – E não está sendo? E na falta de cumprimento desse acordo,  a esquerda está sendo prejudicada?
RA – Evidentemente que a esquerda está sendo prejudicada e isso precisa ser enfrentado imediatamente. Nessa data em que lhe dou essa entrevista, a candidata Dilma está indo ao Mato Grosso e se recusa – ela não, talvez nem saiba o que está acontecendo – o comando local se recusa a participação na campanha do nosso candidato (Mauro Mendes). Isso é uma ladainha que falamos toda campanha, desde a campanha de 1989. A candidatura nunca é tratada como da coligação, o discurso que o PT faz é da coligação, mas não é da coligação, a candidata é do PT. Nós temos um papel secundário, sem capacidade de influência.

(O telefone toca. Ele interrompe a entrevista para atender.)

Vermelho – O Sr. estava falando sobre a campanha …
RA – Deixe eu falar porque eu falo pouco, eu fiquei até agora calado (risos). Nossos partidos – PSB, PCdoB e PDT – temos dupla obrigação de crescer nessas eleições. Primeira da natureza, porque precisamos de espaço, ter presença no Congresso, ter participação no Fundo Partidário, tempo na televisão. Temos também uma obrigação cívica do nosso crescimento. Nós podemos constituir um núcleo de esquerda dentro da base do futuro governo Dilma com um mínimo de influência, coisa que não conseguimos constituir no governo lula. Essa necessidade hoje está maior do que sempre foi porque vamos para um governo de extrema coalizão que compreende partidos de centro e de direita. Quanto maior for a base da esquerda do governo maior pode ser o espectro da coalizão, quanto maior for esse espectro, maior tem que ser a base da esquerda. Não estou me referindo a nenhum partido em particular, mas nós conhecemos todos os partidos que estão na base, e sabemos os que estão, como o PSB, PCdoB e PDT, por questões políticas, independentemente de qualquer conversa, e os outros, que estão por razões de outra ordem, legítima sob o ponto de vista deles, mas não é a nossa ótica. Nós temos o compromisso de apoiar a candidatura Dilma porque é fundamental manter o programa, que nós somos responsáveis, não é privado de um partido, começou a ser construído antes de 1989, começou desde a derrubada de Jango, a resistência à ditadura militar e a luta pela redemocratização. Uns são mais senhores, outros são menos senhores, mas todos nós participamos dessa construção. Nós prezamos muito o processo histórico e sabemos qual o nosso papel nesse processo. É fundamental manter esse programa, a Dilma é a melhor candidata. Nunca discutimos participação no governo, se vier é consequência da nossa missão histórica. Estamos muito preocupados com as nossas bancadas.

Vermelho – E o que estão fazendo para reverter essa situação?
RA – No momento, tentando sobreviver. Antes, sempre discutimos com o presidente Lula a importância dele fazer campanha pelos nossos partidos, ajudar os nossos partidos …

Vermelho – O Sr. acredita que essa ampliação da composição da base de esquerda é a garantia da manutenção desse projeto?
RA – Mas é claro. E acho mais, acho que a Dilma vai precisar dessa base mais que o próprio Lula.

Vermelho – Para poder avançar nas conquistas?
RA – Até para manter, porque ela não tem com as massas a vinculação que tem o Lula. Ela não vai poder suprir os problemas de ordem partidária, em princípio, com apelo direto que o Lula utilizou em 2005. Foi o apoio direto que impediu o impeachment em construção naquele momento.

Vermelho – Qual a avaliação que o sr. faz da campanha política no momento atual com relação às candidaturas presidenciais? A campanha da Dilma está no rumo certo, considerando que ela tem subido nas pesquisas de intenção de voto?
RA – Do ponto de vista eleitoral, está corretíssimo. Você percebe isso na campanha que começa lá embaixo. Em setembro do ano passado, o nosso principal adversário estava com 37, 38% (das intenções de voto). Em maio eles se encontram, ela em curva ascendente e ele em curva descendente. E continua. Hoje, a diferença é de 20 pontos a favor da Dilma. Todos os esforços da grande mídia de desestabilizar o governo e a candidatura, construir alternativa, não surtiram efeito. Nem mesmo a tentativa de inflar esse grande companheiro, grande brasileiro que é Plínio de Arruda Sampaio. A principal alternativa, que era Marina, candidatura pura e simplesmente para assegurar segundo turno, está com 6 e 7%. É uma campanha perfeita. Mas tem um problema muito grave que diz respeito à campanha e ao quadro nacional: a inexistência da oposição

Vermelho – Como o sr. vê a atuação da oposição nessa campanha? O que está levando o Serra a perder votos?
RA – Ela se retirou do processo político. Isso é muito ruim para nós da esquerda que queremos discutir os nossos modelos com a sociedade e com o povo. Nós não tivemos uma contestação para propiciar uma discussão de modelo – um que privilegia os ricos e a concentração de renda contra o que privilegia pobres e distribuição de renda; o que prestigia a privatização e mostra desinteresse pela soberania e pelo desenvolvimento contra o modelo que investe em soberania e mercado interno. Se essa discussão tivesse sido possível, não apenas a Dilma se diferenciaria mais do nosso adversário, como nós da esquerda nos diferenciaríamos dentro da nossa coligação.

Vermelho – E porque a oposição não se propôs a fazer esse debate?
RA – Eu não sei, vai de Marx a Freud (risos). Em uma avaliação superficial, na pré-campanha, a oposição não assumiu oposição ao governo Lula, dizendo que governo estava bem e que ele iria melhorar. Agora, na campanha, quer mostrar que é amigo do Lula no esforço dramático de disputar com a Dilma o eleitorado lulista. O fato é que nós da esquerda temos que considerar o quadro pós-eleitoral. A derrota do Serra vai corresponder a grande vitória do (Geraldo) Alckmin em São Paulo que é hoje o núcleo mais atrasado da política brasileira. Por um lado o fortalecimento da direita e o fim das ilusões dos udenistas do PMDB que saíram para criar o PSDB e da elite paulista de criarem um partido social-democrata. A sociedade mostra que só pode fazer social-democracia quem pode desligar a chave da fábricas, quem pode fazer greve, quem tem ligação com as massas trabalhadoras. Esse projeto de social-democracia a partir dos estamentos superiores e de classe média foi destruído.

Vermelho – Com a derrota do Serra?
RA – Vai se juntar o PPS, o DEM e o que sobrar do PSDB. Isso é muito ruim para a esquerda brasileira. É importante ter uma direita clara, uma direita programática. O Serra, além de não conseguir avançar no eleitorado lulista, desagradou seu eleitorado quando dizia que era continuador de Lula, porque quem vota no Serra é por que não gosta de Lula. Para completar começa a fazer discurso que não tem nada a ver com a candidatura dele, a biografia dele …

Vermelho – Perdeu a identidade.
RA – Perdeu a identidade. Nem é um progressista dentro do PSDB e passa a ser um homem de direita quando a direita é o DEM. Passa a defender invasão da Bolívia, do Paraguai, condena o Mercosul, defende conflito com Chavéz, é contra a política externa brasileira, a aproximação Sul-Sul. Virou um troglodita. Uma cara que foi presidente da UNE, líder estudantil, exilado no Chile, dá as costas para América do Sul, é grotesco isso.

Vermelho – Existe uma discussão recorrente sobre o fim de esquerda e direita na política. Considerando que o PSB sempre esteve no espectro da esquerda, como o Partido se posiciona nesse debate?
RA – Pelo amor de deus, eu não tenho dificuldade de identidade. Eu sou esquerda. O PSB é esquerda, o PCdoB é esquerda, o PMDB é centro-direita, o DEM é direita e o PPS e o PSDB estão correndo para isso. É coisa muito simples: toda vez que você identificar movimento de avanço – movimento – você está vendo projeto de esquerda; toda vez que você identificar estagnação você está diante de projeto de direita, conservador. Quando você vê um filme, você vê a esquerda; quando você vê uma fotografia, você vê a direita.

Vermelho – O PSB sairá maior do processo eleitoral de 2010? Qual a meta numérica do partido para as eleições a governos estaduais e sobretudo para o Congresso Nacional?
RA – Nosso projeto é aumentar nossa bancada. Temos expectativa de fazer 40 deputados federais. Hoje temos 27. Será um salto significativo, mas já pensamos em coisas melhores. Eleger seis senadores. Hoje são dois. E de cinco a seis governadores de estado. Hoje temos quatro, todos candidatos à reeleição; e temos Ricardo Coutinho na Paraíba, Camilo Capiberibe no Amapá e Mauro Mendes no Mato Grosso. Esperamos que o PCdoB cresça também e a gente retome nossa parceira na Câmara.

De Brasília,
Márcia Xavier