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O poder inteligente e a falácia imperial

O "poder inteligente" soava atraente a ouvidos numerosos depois de tanto "poder bruto". Estava relacionada com a "mudança" que o primeiro presidente negro dos Estados Unidos proclamava como slogan vitorioso, do qual não se viam as profundezas.

Por Randy Alonso Falcón, em Cuba Debate

A primeira vez que escutei a expressão "smart power" foi na boca da secretária de Estado Hillary Clinton, que prometia que, após os bombardeios e a linguagem de cowboy universal de George W, Bush, a diplomacia passaria a ser a vanguarda da política externa estadunidense.

Mas não era realmente algo novo. Tratava-se da institucionalização da estratégia delineada anteriormente pelo secretário de Defesa para Assuntos de Segurança Internacional de Bill Clinton, Joseph S. Nye, de combinar "poder duro e poder suave", "força militar e ação diplomática" nas relações internacionais.

Nye presidiu em 2007, com Richard Armitage, ex-subsecretário de Estado da administração Bush, a chamada Comissão do Poder Inteligente, convocada pelo Centro de Estudos Estratégicos Internacionais de Washington, e composta por congressistas democratas e republicanos, ex-embaixadores, oficiais militares aposentados e diretores de organizações sem fins lucrativos. A principal conclusão do corpo foi a de que "a imagem e influência dos Estados Unidos tinha declinado nos últimos anos e que os Estados Unidos devem passar de exportar medo a inspirar otimismo e esperança."

Nada da improvisação ou da inspiração divina da qual Bush se vangloriava. Trata-se de uma estratégia delineada pelas elites de poder para adequar às novas realidades o propósito incólume de manter incontestável o domínio dos Estados Unidos.

Sob tais propósitos, com um sorriso largo e estudada retórica, começou-se a vender a ideia de uma mudança na relação com a América Latina, um outro olhar para o mundo muçulmano, um maior compromisso com as instituições internacionais, a necessidade de concertação com outras nações. Boas ideias para ouvidos desavisados.

Mas, em apenas dois anos, a prepotência e o desespero imperiais prevaleceram. O poder militar continuou sendo, em meio a uma crise econômica e moral do império, a arma primeira e última de Washington.

Sete bases militares foram instaladas na Colômbia, em ameaçadora posição para a América Latina; o maior orçamento militar da história foi aprovado pelo Congresso e assinado pelo presidente na Casa Branca; mais soldados foram enviados ao Afeganistão para reforçar a mais absurda das guerras, operações especiais foram implementadas em mais de 75 países, ao amparo de diretivas secretas aprovadas pelo governo estadunidense; um traiçoeiro golpe militar foi santificado em Honduras; um novo exército ciberespacial foi colocado em marcha para o controle total da internet; e uma guerra de conseqüências imprevisíveis está sendo preparada contra o Irã, acrescentando o perigo da ameaça nuclear, enquanto se pressiona os países árabes para que deixem de reivindicar a desnuclearização de Israel.

Mais de uma promessa virou pura miragem. A alardeada retirada do Iraque deixa aquela nação no caos e uns 50 mil soldados e dezenas de milhares de mercenários velando pelos interesses ianques; a prisão dos horrores da ilegal base naval de Guantânamo não foi fechada depois de quase dois anos de anúncios; a política até Cuba mudou pouco, enquanto o bloqueio, a subversão e as campanhas políticas e midiáticas se intensificaram.

Para desnudar essas essências, para mostrar a sofisticação do poder brutal do Império, foi dedicado o número 169 da Revista Tricontinental que hoje apresentamos.

As políticas norte-americanas contra Cuba, Venezuela, Honduras, Bolívia, Irã, Afeganistão e os povos árabes, a manipulação da opinião pública europeia por parte da CIA, o papel dos meios de comunicação nos propósitos imperiais, a injustiça que continua sendo cometida contra os cinco heróicos lutadores antiterroristas – a cuja jornada internacional por sua libertação é dedicada essa apresentação – são discutidos aqui por prestigiosos intelectuais e estudiosos, como Noam Chomsky, Atilio Boron, Norman Girvan, Saul Landau, Roberto Regalado, Jim Lobe, Ernesto Gómez Abascal, entre outros.

O jogo sujo, a mentira, a irracionalidade de um império que pode levar a uma guerra nuclear devastadora, como denunciou Fidel, encontram resposta contundente neste editorial valioso do coletivo da Tricontinental e da OSPAAL. Uma excelente contribuição para a batalha das idéias e a criação da consciência à qual continua a nos convocar o líder da Revolução Cubana.

Há aqueles que, a partir da perversidade e da manipulação da mídia, procuram fazer ver um Fidel que foi "ressuscitado" com uma vocação pacifista. Esquecem-se que, há 50 anos, por estes mesmos dias, em 26 de setembro de 1960, em um discurso histórico para a Assembléia Geral da ONU, Fidel deixava clara a vocação, as aspirações e os propósitos de Cuba, entre os quais ressaltava:

"… a humanidade nunca deve ser levada a uma hecatombe por interesses egoístas e bastardos! A humanidade, nossos povos, e não nós, devem ser preservados dessa hecatombe, para que tudo o que o conhecimento e a inteligência humana criaram não sirva para a própria destruição da humanidade. "

[…]
"Os belicistas e militaristas devem ser descobertos e condenados pela opinião pública do mundo! Este é um problema que não cabe a minorias, cabe ao mundo, e temos que desmascarar os belicistas e militaristas, e essa é a tarefa da opinião pública. "

[…]
"Se nós, os países subdesenvolvidos queremos ter uma esperança de progresso, queremos ter uma esperança de ver nossos povos desfrutando de um padrão de vida mais elevado, lutemos pela paz, e lutemos pelo desarmamento, que, com a quinta parte do que o mundo gasta em armamento, se poderia promover o desenvolvimento de todos os países subdesenvolvidos, com uma taxa de crescimento de 10% ao ano. Com a quinta parte! E se poderia elevar, é claro, o padrão de vida nos países que gastam os seus recursos em armas.

[…]
"E a guerra é um negócio. Devemos expor aqueles que negociam com a guerra, os que enriquecem com a guerra. Devemos abrir os olhos do mundo e mostrar quem são os que negociam com o destino da humanidade, aqueles que negociam com o perigo de guerra, especialmente quando a guerra pode ser tão assustadora que não há esperanças de libertação, de salvação , para o mundo ".

[…]
"Por que dar mais voltas nesse assunto. Este é o cerne da coisa, inclusive, o cerne da paz e da guerra, o ponto crucial da corrida armamentista ou do desarmamento. As guerras, desde o início da humanidade, surgiram, principalmente por um motivo: o desejo de alguns de privar outros de sua riqueza. Que desapareça a filosofia da pilhagem, e haverá desaparecido a filosofia da guerra! "

Essa grande batalha levantada por Fidel há cinco décadas está hoje plenamente em vigor. A loucura de um mundo com mais de 20 mil armas nucleares e milhões de armas convencionais tem que ser denunciada e combatida, sob pena de a espécie humana encerrar para sempre sua existência neste planeta e outros seres mais racionais e inteligentes que nós tenham que forjar uma nova história.