Falhas no metrô paulista são rotina desde agosto
A paralisação por mais de duas horas dos trens de toda a linha 3 – vermelha, a maior e mais movimentada do Metrô de São Paulo, afetou ao menos 150 mil usuários nesse período e provocou lentidão ao longo da tarde e da noite desta terça-feira (21). Metrô diz que blusa iniciou caos, mas funcionário relata uma interferência técnica. Sistema já registrou panes e interferências que atrasaram as viagens pelo menos 6 vezes nas últimas semanas, tornando as falhas rotineiras desde agosto.
Publicado 22/09/2010 10:09
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Em meio ao pânico, passageiros de trens que ficaram parados entre estações acionaram botões de emergência para abrir as portas dos vagões e passaram a caminhar pelos trilhos. Ao menos 17 trens foram danificados, pelas tentativas de arrombar janelas e portas para escape. A maior parte foi tirada de circulação. Sete pessoas foram atendidas por médicos pela manhã.
Explicação Oficial
O caos começou quando um trem que saiu da estação Pedro 2º em direção à Sé parou dentro do túnel, às 7h50. Na versão divulgada pelo Metrô, a paralisação ocorreu porque uma blusa estava presa em uma porta do último vagão e foi detectada pelo sistema quando a composição estava em movimento. Nesse caso, uma explicação possível é falha no sensor de objetos das portas.
Um funcionário, diz a companhia, foi ao local retirar a peça, mas usuários dentro do trem pressionaram os botões de emergência nos vagões para abrir as portas. O Metrô diz que teve, então, de cortar a energia da linha para evitar que as pessoas fossem eletrocutadas ao caminhar pelos trilhos. Isso fez com que outros trens parassem e ficassem sem ventilação, provocando um efeito cascata. Boatos de incêndio e de bomba se espalharam.
Outra versão
Um técnico do Metrô relatou que, além da blusa na porta, um problema antecedeu os transtornos. Segundo ele, houve uma interferência num equipamento da via identificado como X-21, onde se permite a mudança entre os trilhos, na proximidade da estação Sé. O condutor do trem que se aproximava, diz ele, recebeu a informação de que um obstáculo impedia prosseguir a viagem. Por isso, parou. O Metrô, em nota, negou qualquer falha – inclusive nos equipamentos da via.
Em nota sobre o caso, o Sindicato dos Metroviários de São Paulo defende que "a atuação dos metroviários foi correta, e alerta para a superlotação do sistema metroviário. Com o crescente aumento de usuários no sistema, não basta ramificar as linhas que já existem. É preciso construir vias alternativas com alta capacidade".
Pautando o governador sobre as demandas do transporte municipal, o sindicato completa: "São Paulo precisa de mais Metrô, não de monotrilho! Enquanto isso, a população continuará sujeita a passar por situações como a ocorrida na manhã desta terça-feira, 21/09".
Bilhete de metrô usado
A nota oficial do metrô, divulgada na terça (21) à tarde, informa que "Foram devolvidas as passagens aos usuários que optaram por sair". Entretanto, a jornalista Mariana Viel, que estava na estação Palmeiras-Barra Funda no momento da paralisação, diz que só obteve o ressarcimento de sua passagem porque se dirigiu a um funcionário do metrô e exigiu que assim fosse feito.
Ela explica que quando disse que desistiria de embarcar no metrô a primeira resposta do funcionário foi "pode sair, está liberado" e então ela solicitou o ressarcimento do bilhete. Ele então a encaminhou para um superior, só então o bilhete foi devolvido. Ainda segundo Mariana, "várias pessoas saíram sem pegar seus bilhetes de volta, ninguém era informado a respeito".
Espera dramática
O Metrô não revelou por quanto tempo os usuários ficaram parados no trem antes de acionarem os botões de emergência. Em muitas composições, a espera foi longa.
"Ficamos parados entre a Brás e a Pedro 2º, mais de 15 minutos. Parecia sauna", disse a estudante Maitê de Deus, 24. "As pessoas tentavam quebrar as janelas à força porque as travas não abriam. Até cortaram a mão", contou Aline Moraes, 33, auxiliar administrativa.
Dezenas de usuários reclamaram da falta de informações. O Metrô diz que foram emitidas mensagens de som.
Desde agosto, falha no metrô vira rotina
Em menos de um mês, os passageiros do metrô de São Paulo já enfrentaram panes e interferências que atrasaram as viagens ao menos seis vezes, incluindo as de ontem.
As falhas foram espalhadas em quatro linhas, sem considerar outras registradas na malha de trens da CPTM – por exemplo, no dia 15, com depredação e tumulto em Guaianazes. E os motivos foram também variados.
Na segunda-feira (20), por exemplo, os trens não circularam entre as estações São Judas e Jabaquara da linha 1 – azul durante 20 minutos à tarde. A empresa culpou um raio que atingiu os trilhos, afetando a alimentação elétrica da linha.
Na semana passada, uma falha elétrica obrigou os trens da linha 2 – verde a circularem com restrição de velocidade e maior intervalo por uma hora, pela manhã, e cinco pessoas passaram mal.
A linha 1 – azul também teve problemas no último dia 10 devido a uma falha num equipamento da via na região da estação Paraíso.
Outras duas interferências relevantes foram no dia 3 deste mês (problemas de tração de trens na linha 3 – vermelha) e no dia 24 do mês passado (queda de energia por uma hora na linha 4 – amarela).
Governo quer emplacar tese de sabotagem
O governador Alberto Goldman (PSDB) disse ontem que a série de problemas preocupa. Técnicos ouvidos disseram não ter elementos para relacionar as ocorrências a deficiências de manutenção. E ameaçou: "vamos chamar a polícia para ver se houve alguma coisa além de um acidente".
O presidente da Associação de Engenheiros e Arquitetos do Metrô (Aeamesp), José Geraldo Baião, diz ter relatos de aumento do uso do botão de emergência por passageiros nas últimas semanas. Além do desconforto pela superlotação dentro dos trens, ele considera a hipótese de ação intencional – de algum grupo com interesse de provocar tumulto.
O sindicato dos metroviários rebate essa possibilidade com veemência. "O caos ocorrido foi gerado por uma falha de porta, que provocou um efeito cascata", afirmou Benedito Barbosa, diretor da entidade.
A ex-subprefeita de São Paulo e atual coordenadora da campanha de internet do tucano José Serra (PSDB), Soninha Francine, virou motivo de piada na internet nesta terça-feira, ao insinuar que os problemas no Metrô de São Paulo foram fruto de “sabotagem” do PT. Ela não citou o partido textualmente, mas afirmou em outras mensagem que o PT sabota as ações do PSDB em todo o Estado.
Saturação do sistema potencializa falhas
A atual saturação do sistema metroviário potencializa os efeitos de falhas ou incidentes, segundo técnicos. O Metrô de SP já disse ter a rede mais utilizada do mundo por quilômetro de linha. Parte disso se deve à quantidade de usuários, que subiu depois do Bilhete Único. Parte disso também se deve ao pequeno tamanho do sistema, inferior a 70 km.
"Num sistema desses, qualquer parada de 15 minutos provoca transtornos", afirma Eleonora Pazos, da Associação Internacional de Transporte Públicos (UITP). Para ela, São Paulo precisa fazer campanhas para orientar os usuários em emergências.
Depoimentos
Grávida de quatro meses, Cristiane Harimi Arima, de 32 anos, teve colapso nervoso em um dos trens: "me atenderam após todo mundo sair da estação, duas horas depois", relata.
Já o lixeiro Nelson Pesqueira da Silva, de 33, teve uma convulsão: "com a confusão, fui ficando sem ar e depois não me lembro de mais nada".
Da redação, Luana Bonone, com Folha de S. Paulo