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Vicenç Navarro: Quem são os porcos europeus, ou PIGS?

Quais são as características políticas, econômicas e sociais dos países pejorativamente denominados PIGS (porcos) pela literatura econômica anglo-saxónica, mostrando que todos eles têm uma estrutura de classe social muito polarizada, com grande domínio dos seus estados por parte das suas classes mais ricas, o que explica a grande pobreza de despesa pública (incluindo despesa pública social) em tais países. Artigo de Vicenç Navarro, no Informação Alternativa.

Existe uma percepção generalizada no establishment europeu (isto é, nas elites políticas, financeiras e midiáticas que configuram a sabedoria convencional na União Europeia) de que a crise do euro (e, portanto, da UE) foi causada pela falta de disciplina orçamental dos países do sul da Europa (Grécia, Espanha e Portugal), países chamados (juntamente com a Irlanda), em tom insultuoso, os PIGS (Portugal, Ireland, Greece e Spain – e que em inglês quer dizer porcos), pois o seu comportamento supostamente irresponsável levou a UE à crise.

Uma característica destes países é terem sido governados pelas direitas na maioria da segunda parte do século 20. Na verdade, são os países da Europa onde as forças conservadoras tiveram maior poder, controlando os seus estados, seja através de ditaduras totalitárias de carácter fascista ou fascistóide, seja através de governos democráticos baseados, frequentemente, em sistemas eleitorais que discriminam as esquerdas, favorecendo as direitas.

O bipartidarismo existente na prática em Espanha é o caso mais extremo e claro, tendo sido tais sistemas delineados (com a exceção de Portugal) para diminuir a influência das esquerdas mais radicais. Esta fortaleza das direitas foi acompanhada com a debilidade das esquerdas que, em todos estes países, estão divididas em diferentes sensibilidades, das quais as mais importantes estão arraigadas nas tradições socialistas e comunistas. Estas divisões aparecem tanto na esfera política como na sindical.

Consequência deste contexto político, existe uma acentuada polarização por classe social, sendo estes países os que têm maiores desigualdades entre as suas classes sociais (tanto no seu rendimento como na sua propriedade).

Daí que, ainda que estes países sejam os países menos ricos da UE-15 (o seu PIB per capita está abaixo da média da UE-15, o grupo de países mais desenvolvidos economicamente da UE), existem entre as classes mais ricas algumas das fortunas mais elevadas na UE-15.

E devido à enorme distância existente entre o nível de riqueza de tais fortunas e a maioria da população (cujo nível de vida é muito baixo comparado com a média da UE-15, como demonstra o fato de que, em Espanha, 62% da força de trabalho arrecada menos de 1.200 euros brutos por mês), a capacidade aquisitiva da população rica é enorme, muito mais acentuada que no resto da UE-15. Os ricos naqueles países são e sentem-se mais ricos que (em termos absolutos e em termos proporcionais) nos outros países da UE-15.

Uma consequência da polarização social destes países e da grande influência política e midiática dos setores de maiores rendimentos (entre 20% e 30% da população, que inclui burguesia, pequena burguesia e classes médias de rendimento médio-alto), é a pobreza do estado, baseada numa carga fiscal baixa para tais grupos, e uma enorme regressividade nas políticas impositivas.

As arrecadações para os seus estados são baixas (em Espanha só 37% do PIB) e regressivos (os ricos e pessoas de rendimento superior pagam menos impostos que os seus homólogos na maioria dos países da UE-15). E ainda que, em geral, todos os cidadãos paguem menos impostos que os seus homólogos na maioria dos países da UE-15, estas diferenças não são tão acentuadas entre a maioria da população (um operário metalúrgico em Espanha paga em impostos 73% do que paga o seu homólogo na Suécia) como nos rendimentos superiores (um rico em Espanha paga 48% do que paga um sueco rico, sendo ao mesmo tempo o primeiro mais rico – subjetivamente e muitos, inclusive, objetivamente – que o segundo), sendo a fraude fiscal amplamente espalhada nestes países.

Daí que o setor público esteja pouco desenvolvido nestes países e o seu estado de bem-estar seja pobre (a sua despesa pública social por habitante é a mais baixo da UE-15). A acusação que o establishment europeu faz dos PIGS como países que estão a desperdiçar recursos, é ridícula. São, todos eles, de uma enorme austeridade social e pública.

Os seus estados de bem-estar cobrem quase exclusivamente as classes populares, pois os rendimentos superiores utilizam os serviços privados (isto é, vão à saúde privada e enviam os seus filhos às escolas privadas).

Consequência da falta de recursos, o estado – para poder oferecer os seus serviços públicos – tem-se endividado, o que beneficiou (além dos ricos que não pagavam ao estado o que deviam) os bancos, que conseguiam assinaláveis lucros dos elevados juros dos títulos públicos (que os estados emitiam para cobrir a sua dívida).

Como disse um dirigente de um destes bancos, o Deutsche Bank, tal situação "beneficiava-nos a nós e aos ricos daqueles países". Parecia como uma cumplicidade entre os bancos e os ricos. E os bancos alemães e franceses, além de comprarem dívida, emprestaram muito dinheiro aos bancos dos PIGS para as suas especulações imobiliárias, que foram favorecidas pelos seus Bancos Centrais (dirigido na Espanha por um ultraliberal, Fernández Ordóñez, que é rico à custa de apoiar a banca e agora prega austeridade a todos os demais).

O que deveria fazer-se é reverter todas as políticas fiscais regressivas, fazendo com que os rendimentos superiores e do capital financeiro e empresarial paguem ao estado o que pagam os seus homólogos na UE-15. Se assim fosse, o estado espanhol conseguiria 66 bilhões de euros com os quais o estado poderia atingir o nível de serviços públicos que a população merece.