Aldo Fornazieri: Netinho representa o "povo que vem de baixo"

Confira a íntegra da entrevista:

Portal Vermelho: Qual a sua visão sobre o processo político das eleições 2010?

Aldo Fornazieri: Eu acompanho sempre eleições, e acho que esse processo foi um dos piores dos últimos tempos, talvez o pior desde a redemocratização, porque setores políticos partidários e candidatos partiram para o jogo do tudo ou nada, privilegiando ataques, inclusive de natureza pessoal. Uma campanha deve se basear em propostas para o país, pois a eleição é um contrato que os políticos fazem com os eleitores, visando o futuro do país. Mas o que se viu é que parte importante dos candidatos não seguiu esse tipo de procedimento.

Portal Vermelho: Como o senhor enxerga a candidatura de uma figura como o Netinho neste contexto?

Aldo Fornazieri: Enxergo de forma muito positiva. Eu voto no Netinho… Tive a oportunidade de conhecer o Netinho porque ministrei aula para ele no curso de Ciência Política aqui na FESP [Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo]. Eu não o conhecia antes, nem nunca havia assistido seu programa, mas era uma figura pública, comentada. O que me impressionou no Netinho foi uma vontade política grande. Veja, para ser político não é preciso ter instrução formal em universidade, e o Lula é a maior prova disso; o principal é a capacidade de liderança, pois você vai lidar com pessoas. Evidentemente, se puder aumentar o grau de instrução formal é melhor, e foi esse o movimento que o Netinho fez. Durante a participação nas aulas e em conversas extra-sala, percebe-se que ele sabe que veio do mundo artístico para o político e que quem vem do mundo artístico, vem de certa forma estereotipado. Ele tem plena consciência de que é estereotipado e está fazendo enorme esforço, e está sendo vitorioso nisso, de ser marcado por uma trajetória, uma carreira política, e não simplesmente um artista que se elegeu. É um desafio para o Netinho se tornar político autêntico, e ele tem sido vitorioso nisso. Não é fácil construir esse caminho de seriedade e responsabilidade na carreira política. Acho isso um aspecto muito positivo.

Pela história que fiquei conhecendo dele, acredito que o Netinho já tinha vocação política antes de ser político. Já vinha desenvolvendo trabalho social, apresentando preocupação com comunidades carentes, com as pessoas, com setores excluídos da sociedade, principalmente afro-descendentes. Isso era a manifestação de uma vocação política. O momento em que decidiu ingressar na política foi a concretização do que estava mais ou menos latente nesses projetos sociais que o Netinho já desenvolvia junto com a carreira artística.

Portal Vermelho: Qual o significado de ter a possibilidade de eleger o primeiro senador negro da história de SP?

Aldo Fornazieri: Tem um significado extraordinário. Sabemos que São Paulo hoje tem uma composição étnico-racial muito plural, porque pessoas de todo o Brasil e do mundo vêm para cá. Mas, do ponto de vista político, existe uma elite conservadora muito forte, o que o ex-governador Cláudio Lembo sintetizou como essa “elite branca paulista”. Esta elite existe na cidade e no estado de São Paulo, mesmo que este seja, seguramente, um estado pluralista em termos de vocações, e composição étnico-racial.

O Netinho ser eleito senador significa que essa força pluralista vem se afirmando contra a elite que busca conter as energias do povo, da sociedade organizada, porque o Netinho representa esse povo que vem de baixo, essas classes que estão hoje socialmente ascendendo, que querem um lugar na sociedade organizada e na sociedade de consumo. Ele é a expressão organizada disso, dessa espécie de revolução silenciosa. Porque não há apenas ascensão das classes C,D e E em si, mas há também a ascensão de quem as representa. Isso é um enorme desconforto para o mundo conservador. É um enorme incômodo e desconforto, e, nesse sentido, partem para trazer para a vida pública questões de natureza particular das pessoas, que não interessam ao debate político. Se o Netinho errou, já reconheceu, pediu perdão. De certa forma nós temos a cultura cristã do perdão, mesmo aqueles que não o são. Acho que esses erros estão superados, temos que insistir nas propostas, programas, representatividade política. Que setores ele pode representar? Que setor cada candidato está representando? Me identifico com a característica simbólica da candidatura: setores que vêm de baixo, que demoraram décadas e séculos para ter vez e voz na política brasileira.

Portal Vermelho: Que papel o senhor espera que o Netinho cumpra no Senado?

Aldo Fornazieri: Espero que, em primeiro lugar, se vier a ser eleito, no exercício do seu mandato, que o Netinho cultive a simplicidade e a humildade. Em segundo lugar, que continue alimentando concretamente essa vontade de aprender e de construir uma carreira como político autêntico. Em terceiro lugar, espero que ele tenha sempre a coragem de defender aquilo que é justo, os valores nos quais acredita e, principalmente, aquilo que ele representa em termos sociais. Em quarto lugar, nós sempre criticávamos em sala de aula a política e políticos brasileiros, porque falta uma vértebra republicana, um compromisso com a coisa publica, com a ética publica acima do bem particular, então espero que ele tenha esse compromisso. Em quinto lugar, espero que tenha grande responsabilidade no exercício do mandato, pois se formos analisar o que a Constituição diz a respeito da função de um senador, implica muita responsabilidade. Então espero que o Netinho exerça com muita responsabilidade, em consonância com aquilo que o Senado deve significar, porque nos últimos tempos houve um processo de degradação, o Senado foi palco de escândalos importantes e os senadores debatem firulas de natureza privada e pessoal, quando devem discutir assuntos da República.

Portal Vermelho: O Netinho pode ser um elemento de renovação no Congresso Nacional? Em que sentido?

Aldo Fornazieri: Com certeza, e o Senado precisa de uma invasão de forças renovadoras, pois saiu muito desgastado na última legislatura. O Netinho representa forças que estão ascendendo econômica e socialmente, e o Brasil está passando por um momento singular, o melhor momento de potencialidades e possibilidades, mas que não se realizarão por si só, se não tiver uma elite política esclarecida, capaz e potencializadora de onde o Brasil pode chegar. O Brasil tem que ser forte no contexto internacional, e o Senado trata de comércio, de tratados internacionais. O Netinho tem que renovar o Senado nesses dois sentidos: representar essas forças que vêm de baixo e discutir os grandes projetos do Brasil, para que o país seja forte, interna e externamente nas próximas décadas; para que essa potência histórica se concretize.

Da redação, Luana Bonone