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 Alemanha: 20 anos de anexação, não de “unificação”

Em 3 de outubro de 1990, a antiga República Democrática da Alemanhã passou a fazer parte da República Federal da Alemanha, de acordo com o parágrafo 23 da Constituição desse Estado. O acordo que selou tal resultado é conhecido como o Tratado de Unificação, e deveria assinalar um ponto alto positivo na história alemanha, e é todos os anos apresentado pela propaganda oficial como a vitória da democracia e do desejo de liberdade do povo alemão.

Por Anton Latzo

Na realidade, ele marca o ponto mais baixo de um processo impregnado pelo anti-comunismo que marcou o final da década de 80 e o início da década de 90.

No verão e no início do outono de 1989, a situação política na Alemanha Oriental era avaliada nos seguintes termos pelo Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América: “ Apenas uma pequena minoria manifestava-se de forma crítica … Os dissidentes permaneciam como um fenômeno marginal na sociedade do leste alemão. … Se existia uma ameaça para o governo do leste de Berlim, ela vinha das forças reformistas no interior do Partido Socialista Unificado da Alemanha [ que estava à frente desse governo ].”

Já entre outubro e novembro de 1989, o chanceler alemão Helmut Kohl abandonava a política da “mudança através da aproximação”, reimplementando a política do mais forte adotada por Konrad Adenauer. O seu objetiva era desestabilizar o governo de Hans Modrow na Alemanha Oriental, aumentando muito a intromissão direta nos seus assuntos internos com o apoio do capital alemão.

Mas tampouco o Partido Socialista Unificado da Alemanha conseguiu fazer frente a esta e a outras pressões. Ele entrou em uma crise profunda, que o levou à beira da dissolução no início de 1990. Além disso, as forças políticas que defendiam uma reforma política e econômica do país foram perdendo força para outras correntes, diretamente influenciadas pelo governo ocidental. Ou seja, rápidamente, o movimento que havia surgido no interior da sociedade oriental passou a ser dirigido pela burguesia alemã.

Assegurar o poder político

Com o apoio direto dos Estados Unidos, o chanceler Helmut Kohl decide-se, em janeiro-fevereiro de 1990, pela opção da anexação direta da Alemanha oriental na Alemanha ocidental. O partido conservador CDU ( União Democrática Cristã ) aproveitando-se da situação, e da intensa campanha anticomunista, consegue a maioria nas eleições de março de 1990; encerrando uma outra etapa desse processo.

O novo governo foi dominado por forças que, em grande parte, haviam se constituído enquanto força política nos 6 meses anteriores à votação. E eram, na sua maioria, as forças empenhadas na propaganda anticomunista e antisocialista, alimentadas pelo capital alemão e internacional.

O governo de Maizière ( nome do primeiro-ministro ) colocou o poder político, na ainda existente República Democrática da Alemanha, sob o controle do governo de Bonn – a antiga capital da Alemanha Federal. Dessa forma, a burguesia estaria em melhores condições de apresentar o desenvolvimento posterior como sendo a manifestação da vontade democrática da população do leste do país. Além disso, o seu poder político empenhou-se em sufocar ainda mais as forças socialistas.

Jà em 20 de março de 1990, dois dias após as eleições e antes da formação do novo governo no leste, o governo ocidental deu início às negociações em torno na união econômica e monetária. Que já tinha, inclusive, um prazo para ser concluída: o verão daquele mesmo ano. Nessas negociações, a Alemanha oriental na prática foi tratada como uma região anexada de antemão.

Assegurar o poder econômico

O acordo da união econômica, monetária e social foi assinado em 18 de maio, e entrou em vigor no dia primeiro de julho, quando a moeda ocidental – o marco alemão , D-Mark -, passou a valer como moeda oficial no leste, e toda a responsabilidade pela política monetária passou a ser exercida pelo Banco Federal alemão.

Com isso, a “economia social de mercado” tornou-se a base da união econômica, o que era condição necessária para o mais livre desenvolvimento do capital. Socialmente, prevaleceu as regras de funcionamento do tradicional mercado de trabalho capitalista, incluindo a assistência social, mas também o desemprego e as suas consequências.

As negociações foram dirigidas e acompanhadas diretamente por enviados e assessores do governo de Bonn, que participaram ativamente da apropriação da antiga propriedade estatal do leste alemão, colocada agora sob controle do capital. Em outras palavras, a unificação tornou-se objeto de extração de lucro por parte dos grandes monopólios, bancos e seguradoras do lado ocidental. Aquilo que não interessava era abandonado, provocando uma brusca perda da capacidade produtiva do leste e um grande número de desempregados.

Em 3 de outubro de 1990, o processo de anexão se completa com a entrada em vigor do já mencionado Tratado de Unificação. Ele representou o coroamento de uma contra-revolução em solo alemão. Uma contra-revolução na qual não apenas os cidadãos do leste, como também os do oeste, não desempenharam nenhum papel de decisão mais efetivo.

Portanto, esse processo pode ser caracterizado como uma reação, na medida em que pouco teve de efetivamente democrático; sendo dirigido por forças externas à República Democrática. E mesmo a votação que houve não representou uma consulta sobre o conjunto de questões envolvidas nas negociações controladas pelo governo ocidental.

Por isso mesmo, acabou levando a um resultado de maior dependência do leste do país que repercute até hoje. Como acentuou o escritor Gerhard Bengsch: “o Tratado de Unificação é juridicamente o enfeitado ditado da vitória e o ingresso da República Demorática na República Federal é uma anexação insustentável do ponto-de-vista do direito internacional”.

A anexação teve também consequências na política externa alemã. Nas palavras de Karl Kaiser – um dos colaboradores na elaboração do pensamento dominante oficial: “É parte do destino das grandes potências, entre as quais a Alemanha agora inclui-se de novo, desempenhar não apenas o papel de beneficiário, mas também – ao contrário das potências menores – o de formulador e implementador na política internacional".

Na verdade, a Alemanha tornou-se “um poder central na Europa” em condições de influenciar todo o seu desenvolvimento; e não só isso, ela tornou-se um dos principais fatores de poder do sistema global.” E o ex-chanceler Helmut Kohl anunciava em janeiro de 1991: “A Alemanha entrou em paz com a sua história. Ela pode a partir de agora voltar a reconhecer o seu papel no poder mundial, devendo ampliá-lo.”

Desde então, os governos alemães têm empenhado-se na busca desse objetivo: começando não apenas com a agressão contra a Iugoslávia até a atual participação na guerra no Afeganistão. Ou seja, a partir da década de noventa, entrou novamente em cena a antiga tradição do militarismo alemão.

Fonte: Unsere Zeit
Tradução: Luciano C. Martorano.