Olívia Santana: A cidade, o voto e o “menino maluquinho”

Salvador está como uma nau à deriva, a mercê de um resgate ou de um completo naufrágio. A cidade que é a terceira capital do país, em índices populacionais, sofre com a descontinuidade de serviços dos mais complexos aos mais simples.

Por Olívia Santana*

Olívia Santana

À frente, um capitão que não consegue dar voz de comando a sua tripulação. Falta-lhe capacidade de liderança, visão estratégica e o preliminar entendimento de que uma gestão não é um somatório de cargos e pessoas desconectados e em constante processo de substituição. Vislumbrar um projeto no qual ganhariam a cidade, os gestores e os partidos, que não são ou não deveriam ser apenas siglas guarda-chuva, a mercê das conveniências dos seus usuários.

Decifra-me ou te devoro, tal consigna da esfinge saída das histórias gregas casa bem com a leitura que se pode ter de uma máquina administrativa que atravessou a ditadura, e sofreu a precarização imposta pela ideologia do estado mínimo no auge do neoliberalismo. Salvador passou por três choques de gestão em seis anos de governo do atual prefeito. Mudou-se e extinguiram-se secretarias e órgãos em nome da eficiência, da economicidade, e o que vimos foi apenas o aumento das despesas públicas. A Secretaria de Saúde é uma das que teve seis secretários, em seis anos de gestão. O prefeito se revelou um personagem que muda de discurso conforme a conveniência, e se desfaz de assessores como quem toma um cafezinho (e sem qualquer civilidade).

As finanças estão em frangalhos. As receitas tributárias variam de 30 a 33% das parcas receitas correntes líquidas, o que significa escassez de recursos próprios do tesouro para investimento. A cidade não dispõe de um parque industrial e, embora tenha sua economia fortemente focada em serviços, não se tornou referência em oferta de serviços especializados e de alta complexidade e rentabilidade. Os orçamentos projetados a cada ano não se confirmam no ano seguinte. O ápice foi o Orçamento de 2010, que previa uma receita de 3.7 bilhões, e o fechamento do segundo quadrimestre já apontava para um valor 15% abaixo do estimado.

Há descaso com a dívida ativa que ultrapassa os 6,5 bilhões sem que nenhum estudo sério sobre tal montante seja feito e nenhum plano de otimização da cobrança seja adotado pela Administração Fazendária com a Procuradoria Fiscal para que, pelo menos, parte desses recursos retorne aos cofres públicos. São mais de 20 anos sem concurso de auditor para o município, que já apresenta déficit em seu quadro de funcionários. Já há terceirizados ocupando funções estratégicas de manipulação de dados do contribuinte, que só deveriam ser feitas por profissionais de carreira. Em quatro anos, cresceu 83,88% o índice de trabalhadores temporários em toda a administração municipal.

O que move a maioria dos que estão aptos a votar e delegar poderes de representação? As barganhas, o clientelismo embaçam a capacidade de discernir projetos político, social e de gestão. A reeleição de João Henrique ilustra o quanto estamos fragilizados em termos de maturidade política, diferente do que ocorre em outras capitais do Nordeste.

É fato que os desmandos do prefeito infelizmente contou com uma expressiva bancada de sustentação na Câmara, a despeito de uma brava, porém diminuta bancada de oposição.O legislativo tem agora a oportunidade de refazer o caminho do apoio cego e rejeitar as contas do prefeito, já reprovadas pelo TCM.

Há que se tirar lições dessa crise, superar a banalização do voto e vislumbrar um horizonte de maior responsabilidade com Salvador. Enfrentar o desemprego investindo na qualificação das forças produtivas locais, na criação de novos empreendimentos com atração de indústrias verdes, de tecnologia da informação, de indústrias voltadas para o potencial cultural, democratizando a dimensão econômica do ciclo de festas populares.  São coisas que a gente pensa ao olhar a cidade e perceber que não podemos perdê-la no ralo da incompetência e do desatino de um macho, adulto, tratado pelos que o reentronizaram no poder, como um suposto “menino maluquinho”, vítima dos desvarios da sua cara metade.

* vereadora do PCdoB em Salvador

Publicado na edição do Jornal A Tarde em 28 / 1 / 2011