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Mateus Prado: Solução para USP é criar mais vagas e não cortar

Um relatório sobre a USP Leste mostra que só nessa unidade podem acabar com cerca de 30% das vagas. O relatório espanta pela excessiva preocupação com a relação candidato/vaga de cada curso. Não é preciso muito tempo pra entender que o objetivo daqueles que fizeram a proposta é aumentar a concorrência de cada curso. Com menos vagas, há o aumento da concorrência. É isso mesmo, descoberta a febre, ao invés de tratá-la, resolvem quebrar o termômetro.

por Mateus Prado, no iG

Quando iniciaram as discussões para a implantação de um campus da USP na zona leste de São Paulo, seus defensores diziam que a unidade poderia incluir as pessoas de menor renda pela localização geográfica. A lógica era simples. Colocar uma universidade na periferia da cidade talvez fizesse com que parte dos alunos oriundos da classe média paulistana não se dispusesse a, todos os dias, ir a esse lugar. Naturalmente, sobrariam mais vagas para os moradores da zona leste. Até poderia ter dado certo, mas não foi assim que o projeto foi implantado.

A USP Leste fica bem na divisa da zona leste com Guarulhos. Certamente é mais rápido chegar a essa sede da USP do Jardim Paulista ou de Higienópolis do que dos bairros mais pobres da zona leste. O campus é todo cercado e nem os moradores do vizinho Jardim Queralux têm acesso às suas dependências. Hoje, conta com uma estação de trem, que é o símbolo do isolamento da USP na Zona Leste. Um dos lados da passarela que dá acesso à estação fica dentro do campus, onde só entra quem tem a carteirinha da USP. Já quem, por exemplo, precisar ir ao centro de treinamento do Corinthians, ou ao da Portuguesa, não pode atravessar a passarela para ir ao local, que é ali do lado. Vai precisar descer em outra estação e andar cerca de 5 quilômetros.

A arquitetura dos prédios é estratégica. Construídos em terreno do Parque Ecológico do Tietê, têm a fachada de frente para a rodovia Ayrton Senna, uma das mais movimentadas de São Paulo, e estão um pouco antes do acesso da rodovia para o aeroporto de Guarulhos. Lembram aquele antigo projeto Cingapura, em que as construções eram sempre feitas em locais de grande circulação de automóveis. Sempre achei que essa USP era muito mais USP Ayrton Senna do que USP Leste. Quem tem acesso fácil à Ayrton Senna ou à linha de trem que passa ao lado tem muito mais facilidade de chegar à unidade do que quem mora no Jardim Grimaldi, no Parque São Rafael, no Jardim Elba, no Satélite, na Terceira Divisão ou no Iguatemi. Fosse a unidade em um desses bairros, talvez incluísse pela localização geográfica. Como não é, isso não aconteceu.

Na implantação, a reitoria fez de tudo para dar a impressão de que a unidade era uma espécie de USP de segunda linha. Foram várias as autoridades que disseram que lá os cursos tinham como foco o mundo do trabalho. Nada contra cursos técnicos. O problema é que o ensino técnico e tecnológico não é função da USP, e sim das Faculdades de Tecnologia do Estado (FATECs). Vários professores e alunos reagiram à possibilidade e, felizmente, não temos lá uma unidade da USP totalmente dedicada ao ensino técnico. Mas, alguns anos decorrentes da fundação, os cursos da unidade não são muito concorridos. Como o novo reitor está decidido a acabar com os cursos de baixa demanda na universidade, aqueles em que os estudantes de escolas públicas tem mais chances de passar, é na USP Leste que tentam iniciar a diminuição de vagas da universidade. Logo em uma unidade em que os cursos não atingiram sua maturidade (nenhum deles possui, sequer, um PPP – Projeto Político Pedagógico).

Um relatório, coordenado por Adolpho Melphi, que era o reitor da universidade na época da implantação da USP Leste, e divulgado com exclusividade pelo IG Educação, mostra que só nessa unidade podem acabar com cerca de 30% das vagas. O relatório espanta pela excessiva preocupação com a relação candidato/vaga de cada curso. Não é preciso muito tempo pra entender que o objetivo daqueles que fizeram a proposta é aumentar a concorrência de cada curso. Com menos vagas, se continuar a mesma quantidade de candidatos , há o aumento da concorrência. É isso mesmo, descoberta a febre, ao invés de tratá-la, resolvem quebrar o termômetro.

Alguns cursos não atraem candidatos simplesmente por causa de seus nomes. As formações, por exemplo, que começam seu nome com "Gestão", passam a impressão de que são sequenciais, aquelas de dois anos. Quem presta USP não quer isso. Como não tem todas as informações, prefere não arriscar. Se, por exemplo, “Gestão de Políticas Públicas” chamasse “Administração Pública”, a concorrência aumentaria, sem a necessidade de meses para fazer um relatório de poucas, e equivocadas, páginas.

Ciências da Atividade Física poderia muito bem ser uma opção do curso de Educação Física.
Vários cursos, e alunos que se formaram neles, sofrem pela falta da implantação das políticas necessárias para o sucesso de seus projetos. Gerontologia e Obstetrícia são cursos novos e não possuem apelo para o mercado de trabalho, apesar de serem importantes para o Estado e para o País. Mais acertado seria o Estado ter criado, em sua estrutura, essas carreiras fundamentais para o cuidado ao idoso e para a humanização do parto.

Em Gestão de Políticas Públicas, até que o Estado fez parte do combinado, abrindo um concurso para Gestor Público quando as primeiras turmas se formaram. Só cometeu o erro de permitir que qualquer pessoa com ensino superior pudesse concorrer ao cargo. Passaram muito mais concurseiros na carreira do que estudantes de Políticas Públicas da USP ou de qualquer outra universidade.

O curso de Licenciatura em Ciências da Natureza é o que, proporcionalmente, mais acolhe alunos oriundos da rede pública e alunos oriundos da zona leste. Tem poucos inscritos, obviamente, porque a carreira do magistério paga pouco e tem atraído cada vez menos pessoas. Por isso, o Estado deve parar de preparar pessoas para lecionar? Não, deve procurar caminhos, inclusive com incentivos financeiros, para que as pessoas optem pela carreira.

Essa obsessão, da nova reitoria, em analisar os cursos por sua relação candidato/vaga, seria muito boa se olhasse para a outra ponta. Ora, com tantos candidatos por vaga, não seria a hora de a USP aumentar, consideravelmente, o número de vagas em Medicina, Publicidade, Administração, Economia, Engenharia, Design, Direito e Arquitetura?

Por fim, é mesmo verdade, como diz o relatório, que algumas matérias optativas da USP Leste possuem menos de 10 alunos inscritos. Isso não acontece só nesta unidade, mas em toda a USP. Concordo que esse problema deve ser enfrentado, mas não é acabando com essas matérias que se resolve a questão. Uma das vantagens da USP é cada aluno poder ter uma formação diferente, focada em seus interesses. Isto é bom e deveriam, inclusive, ser ampliadas as matérias optativas na unidade. A solução para não termos centenas e centenas de matérias, na USP, com pouquíssimos inscritos, é aumentar, sem timidez, o número de alunos nas séries iniciais. A solução, caros reitor e ex-reitor, para diminuir a exclusão e para inverter o caminho de distanciamento da sociedade que a USP tem feito, é aumentar o número de vagas, nos cursos com muita e pouca demanda.