Inácio Arruda: Mercosul, instrumento de unidade latinoamericana

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Este dia 26 de março marca os 20 anos da assinatura pelo Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai do Tratado de Assunção, que deu início à maior integração econômica, política, social e cultural já tentada na América do Sul, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).

Desde então, outros Estados da América do Sul estabeleceram várias formas de relação com o MERCOSUL e, para ficar somente neste aspecto inicial, a corrente de comércio entre as nações que integram o bloco aumentou em mais de sete vezes desde 1991. No ano passado, foram movimentados 380 bilhões de dólares, com superávit de 20 bilhões e dois milhões de dólares a favor do Brasil. Concretizando o ingresso da Venezuela, o bloco de integração da América de Sul passará a ter 250 milhões de habitantes, uma área de 12,7 milhões de quilômetros quadrados e um produto interno bruto de US$ 1 trilhão, o que equivale a 76% do total da América do Sul. Mas a iniciativa envolve uma integração para além da economia.

Dias atrás, a Secretaria Geral do Mercosul, sediada em Montevidéu, organizou um debate sobre a implantação da TV digital no Paraguai, Uruguai e Argentina. A tendência é de que todos adotem o padrão japonês, usado pelo Brasil, e essa tecnologia pode servir para promover uma integração regional maior. Um passo a mais para construir a sempre necessária e desafiante solidariedade das nações latino-americanas, pela qual ao longo dos tempos tantos trabalhadores, intelectuais, líderes políticos e visionários nativos se bateram.

Nos anos 1990, os Estados Unidos lideraram a criação do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA, na sigla em inglês). Interessados em formar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), organizaram a Primeira Cúpula das Américas, em 1994, excluindo Cuba. A ALCA, na prática, tornaria as economias do Continente um mero apêndice da economia estadunidense. Mas o presidente Itamar Franco, que assumiu em 1992, priorizou a associação econômico-comercial sub-regional e deu mais atenção ao MERCOSUL e às negociações multilaterais. Mesmo o governo Fernando Henrique Cardoso, que adotou a liberalização e que tinha setores que simpatizavam com a proposta da ALCA, manteve negociações com o MERCOSUL. O tema da integração física regional adquiriu importância na política externa de FHC, mas não chegou a firmar-se como uma prioridade.

Foi a partir do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que a ênfase da política externa brasileira passou a ser a construção de uma Comunidade Sul-americana de Nações. A América do Sul foi uma das prioridades da atuação externa do País. Em 2004, foi criada a Comunidade Sul-americana de Nações (CASA), resultado da aproximação entre o MERCOSUL e a Comunidade Andina de Nações (CAN), iniciada ainda no governo FHC. Os doze presidentes do subcontinente reforçaram a importância da integração da infraestrutura física. Fruto de acordos de atuação conjunta, em 2006 foi inaugurada a ponte sobre o Rio Acre, entre Brasil e Peru.

Também em 2006 foi criado o Parlamento do MERCOSUL (Parlasul) em Montevidéu, do qual fiz parte até 2010. Nele tratei de estratégias de combate à desertificação, do Fundo Comum de Investimento e apresentei propostas de integração energética. Propus também a adoção de políticas urbanas para a América Latina, sugerindo que os países latino-americanos, que não possuem definições acerca do desenvolvimento urbano se baseiem no Estatuto da Cidade vigente no Brasil.

O Parlasul é um instrumento fundamental para construir a unidade ainda mais ampla de todos os povos e países da América do Sul e para a afirmação da identidade do Bloco. Aproxima o MERCOSUL das populações. Possibilita a consolidação de uma cidadania regional e reforça a identidade comum dos latino-americanos, respeitando sua diversidade cultural. No aspecto econômico, os parlamentares incentivam o desenvolvimento sustentável, com justiça social e respeito à diversidade cultural das populações.

Como função específica, o Parlasul busca a harmonização das legislações dos Estados-parte, para que as medidas que venham a ser aprovadas tenham efeito para o conjunto dos países. É notável que uma das grandes debilidades atuais do Bloco é ausência de estabilidade institucional e de segurança jurídica que garantam aos povos, às instituições, trabalhadores e investidores, tranquilidade para conviver, transitar e empreender na região. Várias ações conjuntas podem virar ordenamento legal comum, abordando, por exemplo, o desarmamento, a migração interna, o combate ao trabalho escravo, ao trabalho infantil e à exploração do turismo sexual.

Através de atividades como audiências públicas, informes de direitos humanos, acolhimento de denúncias e reclamações de cidadãos e da possibilidade de adotar mecanismos de democracia direta, como a consulta popular, os latino-americanos poderão exercer um controle efetivo do processo de integração. A eleição direta dos parlamentares, prevista na sua criação, e sobre qual o Brasil ainda não deliberou, certamente garantirá a legitimidade e o amparo social para suas decisões.

O MERCOSUL fez muitos progressos e seu principal desafio no momento é fazer avançar o processo de integração física, econômica e cultural, mantendo o compromisso da região com os princípios democráticos. A propósito, apresentei Projeto de Lei do Senado, anteriormente apresentado pelo Deputado Federal Fredo Ebling Júnior, do PCdoB/DF, estabelecendo o 26 de Março, data da assinatura do Tratado de Assunção, como o Dia Nacional da Integração Latino-americana.

A busca de união mais ampla continua. Em 9 de dezembro de 2007, os presidentes da Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai e Venezuela assinaram a criação do Banco do Sul e, em 23 de maio de 2008, os 12 países sul-americanos assinaram o Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL). A UNASUL formou inclusive um Conselho de Defesa Sul-Americano, que fomenta o intercâmbio no campo da segurança. São novos passos, novos desafios.

Como diz o compositor cubano Pablo Milanés, em sua Canción por La Unidade Latinoamericana, vertida ao português por Chico Buarque:

“Já foi lançada uma estrela
Pra quem souber enxergar
Pra quem quiser alcançar
E andar abraçado nela”

Inácio Arruda é Senador pelo Estado do Ceará, membro do Mercosul até 2010 e Líder do PCdoB no Senado Federal.