Miranda Muniz: Em defesa do financiamento público exclusivo

“A formação das comissões permanentes da Câmara dos Deputados no início deste mês evidenciou a atuação de interesses empresariais na Casa. Presidências de comissões temáticas foram entregues a deputados que receberam doações de empresas que atuam em áreas correlatas, como é o caso de Minas e Energia e de Viação e Transportes. A maioria dos parlamentares também teve suas campanhas financiadas da mesma forma.”

 
Por Miranda Muniz*

O fragmento acima mencionado – reportagem de Eduardo Bresciani, publicada em 20 de março, no jornal O Estado de S. Paulo, sob o título “Comissões da Câmara são loteadas conforme origem de financiamento de campanha” -, comprova o quanto a influência do poder econômico dos financiadores de campanha está presente em nossa política, o que retira, praticamente, toda a autonomia e independência dos eleitos, transformando-os em meros agentes de seus financiadores – grandes grupos econômicos e empresariais.

Como se não bastasse essa influência na “pós-eleição”, o atual sistema, onde prevalece o financiamento privado, atua decisivamente na “pré-eleição”, dificultando ou impedindo que os setores populares possam competir, com certa igualdade, com as candidaturas financiadas pelo grande capital. Assim, a cada dia que passa, as eleições passam a ser “negócio” de quem tem dinheiro, e muito dinheiro…!

Além dessa seletividade decorrente da necessidade de elevadas somas financeiras para desenvolver as campanhas, essa influência do poder econômico distorce a vontade real do eleitor, pela utilização dos mecanismos, sutis e até escancarados, da compra de votos ou, mais modernamente, da compra de lideranças que têm voto.

Com isso, a democracia fica fragilizada, pois os representantes (eleitos) desvinculam-se dos representados (eleitores), devido aos compromissos assumidos (mesmo que não explícitos) com seus financiadores.

Mecanismo importante que pode alterar essa triste realidade seria a adoção do financiamento público exclusivo de campanha.

Alguns, por ingenuidade ou má fé, argumentam que seria um contra censo destinar recursos públicos para campanha política ante a falta de recursos para resolver os inúmeros problemas enfrentados pela população. Não percebem ou esquecem que o “assalto” aos cofres públicos é muito mais intenso com o atual sistema de financiamento privado, onde a fatura é cobrada depois e de maneira camuflada, através dos contratos e licitações.

Em artigo intitulado “A democracia da atualidade e seus limites: o financiamento público de campanhas eleitorais”, o doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt e coordenador do mestrado em Direito Constitucional da Unifor, Martonio Mont’Alverne Barreto Lima, desmascara o argumento do “custo do financiamento público” nos seguintes termos:

"Não se está discutindo simplesmente um financiamento de partidos políticos. O que está em jogo é a qualidade da democracia brasileira. Como se sabe, democracia sempre custou muito caro, tanto em esforço abstrato como concreto. Custa tolerância com o diferente; exige a civilidade e impessoalidade das relações pessoais em instantes de extrema paixão política; custa o direito de sermos todos contraditados em público; e, fundamentalmente, custa a demora nas decisões e a paciência com quem não possui o mesmo grau de instrução, mas que terá o mesmo poder de decidir, e cuja manifestação terá o mesmo peso sobre os destinos da sociedade da forma idêntica que letrados, ou que “bons” e “capazes”, como tanto reclamam os liberais. Mas a democracia tem um custo econômico também: a manutenção de aparelhos burocráticos; serviços e funcionários que devem ser eficientes e bem pagos. Deve ser ponderado, porém, que o dilema consiste em arcar com este preço, ou com outro maior: o da ineficiência crônica de um sistema democrático a minar a confiança dos cidadãos em seu funcionamento, corroendo sua própria existência, conduzindo uma sociedade, como diz Losurdo mais uma vez, ao bonapartismo, ou seja, à cínica certeza de que democracia e povo pouco valem e que o melhor é deixar tudo nas mãos de tecnocratas e de que não precisamos da heterogeneidade das tensões políticas, mas sim de redentores a prometer milagres a todos os instantes.”
 
Mesmo que o financiamento público fosse mais dispendioso, o que não é o caso, haveríamos de ter uma representação mais democrática, com a eleição de representantes mais comprometidos com os representados e, talvez, menos casos de desmandos e corrupção envolvendo a administração pública.
 

* Miranda Muniz é agrônomo, bacharel em direito, oficial de justiça avaliador federal e presidente estadual do PCdoB-MT.