Sem categoria

Jorge Gulín González: A filosofia e a física

A filosofia e a física nasceram praticamente juntas e, nestes mais de dois mil e quinhentos anos desde Platão e Aristóteles, são instrumentos para a investigação do mundo real que continuam a se influenciar reciprocamente.

Por Jorge Gulín González*

1.

A história da física e da filosofia tem uma origem comum. O filósofo clássico do tipo de Aristóteles ou Platão dedicava igual interesse às especulações sobre o pensamento ou a desvendar as leis do mundo físico. Ao menos no mundo ocidental isso se manteve invariável até meados do século XVI.

Foi na segunda metade deste século que a filosofia natural se separou da especulativa de maneira mais ou menos definitiva. Este período coincide com o aparecimento daquilo que se conhece como o Método Científico. Pode-se dizer que Galileo Galilei (1564-1642), um dos criadores do método emnpírico, foi o primeiro físico no sentido moderno da palavra.

O Método Científico se consolidou especialmente a partir dos trabalhos de Isaac Newton (1643-1727) e no desenvolvimento posterior da mecânica (Euler, Lagrange, y Hamilton). A partir daquele momento a mecânica newtoniana se ergueu como o modelo de ciência dominante.
Auguste Comte (1798-1857), o pai do positivismo moderno, a usou como modelo e se aventurou a propor uma primeira classificação das ciências conhecidas naquela época: física, astronomia, química, fisiologia e física social (sociologia).

Comte se propôs, além disso, a reorganizar a sociedade a partir da ciência, que ele encarava como o único caminho para alcançar o progresso humano.

Uma questão dividiu físicos e filósofos por mais de dois milênios: a estrutura básica da matéria. As origens do atomismo se perdem no tempo, mas a partir de Epicuro de Samos (342-270 a.n.e**), ele se constituiu em uma das pedras angulares da física. Seus ensinamentos chegaram até nós através da obra do poeta e filósofo romano Lucrécio, que publicou-os em seu livro De rerum natura (Da natureza das coisas).

Com o surgimento da mecânica de Newton, a teoria corpuscular (atomista) voltou a enfrentar-se com a visão contínua (ondulatória), que era defendida por físicos do porte de C. Huygens (1629-1695). Este debate continuou entre os séculos 18 e 19, com os trabalhos do britânico J. Dalton (1766-1844) e do A. Avogadro (1776-1856).

Foi a partir da década de 1870 que reapareceram com força as críticas contra a hipótese atomista (vinculada à escola da física anglo-saxã), centradas nas correntes energética e empirista, de inspiração fundamentalmente alemã.

O pano de fundo desta discussão foi o debate contra a visão “messiânica” do positivismo e as novas ideias em relação ao papel da hipótese científica. A maioria dos empiristas, cujo maior representante foi o físico austríaco E. Mach (1838-1916), concebia o experimento como o princípio e o fim das ciências e consideravam que as matemáticas eram apenas modelos idealizados para descrever as sensações.

São os modelos matemáticos apenas uma generalização e uma síntese dos dados experimentais ou podem se converter em uma representação da realidade e antecipar o comportamento dos fenômenos e processos naturais?

Os empiristas defendiam a primeira hipótese. Outros físicos, como o austríaco Ludwig Boltzmann, pensavam, com razão, que a generalização teórica devia se constituir em uma ferramenta metodológica do trabalho científico embora também reflita a ordem de coisas no Universo. Eles se cruzavam, aqui, com a velha disputa sobre o atomismo. Para os empiristas este representava um modelo matemático a mais, era só um “método” usado pelo homem para se aproximar da natureza.

Interpretado a partir do ponto de vista metodológico, isto é completamente correto. O atomismo se converte em um método para explicar o “marco” a partir de infinitas partes “infinitesimais”. Contudo, e isto é o essencial, o átomo reflete uma realidade objetiva; representa a unidade elementar e indivisível da substância.

A descoberta da radioatividade por Becquerel (1852-1908) em 1896, as descobertas neste campo realizados pelo casal Curie, a descoberta do elétron (por Thompson (1856-1940) em 1897), entre outros avanços da última década do século 19, juntamente com a inconsistência da física clássica para explicar fenômenos como o efeito fotoelétrico e a radiação do corpo negro, conduziram ao que se conhece como “Crise da física”.

Esta crise, cuja superação trouxe o advento dos dois ramos fundamentais da física moderna (a mecânica quântica e a teoria da relatividade) foi acertadamente descrita por V. I. Lenin (1870-1922) em sua obra “Materialismo e Empiriocriticismo”, um texto, por certo, donde foi enunciada a famosa definição leninista da matéria.

As três primeiras décadas do século 20 testemunharam o mais impetuoso desenvolvimento da física desde a época de Newton. Cientistas do porte de Einstein (1879-1955), Planck (1858-1941), Bohr (1885-1962), de Broglie (1892-1987), Marie Curie (1967-1934) ou E. Rutherford (1871-1937) deram corpo ao que seria uma nova maneira de entender o mundo desde o “micro”.

A eles se seguiram Schrödinger (1887-1961), Heisenberg (1901-1976), Dirac (1902-1984), Pauli (1900-1958), que completaram uma visão do mundo que ainda não foi superada gnoseologicamente.

2.

A “nova” física impulsionou uma nova visão do mundo e outro enfoque da filosofia da ciência. Em torno a um grupo de físicos e matemáticos da capital austríaca surgiu um movimento que iria revolucionar a visão filosófica da ciência e de seu papel no desenvolvimento da sociedade humana, o Círculo de Viena.

Liderados por Moritz Schlick (1882-1936), os neopositivistas ou empiristas lógicos, como ficaram conhecidos, reivindicaram uma postura científica do mundo e integraram em só corpo o empirismo de Mach, o método de indução e a recusa à metafísica. Além disso, os neopositivistas, tentaram também unificar a linguagem das ciências.

Embora tenha sido um crítico de vários dos postulados do Círculo, Karl R. Popper (1902-1994) manteve uma longa relação com seus membros. Sua obra principal foi “A lógica da investigação científica”, publicada em 1934.

Neste livro, Popper introduz o conceito de limite de demarcação com o qual se propôs a estabelecer uma fronteira nítida entre a ciência e a metafísica. Além disso, Popper pensava que as proposições científicas só pode refutadas a partir de experimentos.

É preciso notar que a coexistência dos trabalhos de Popper com os avanços da mecânica quântica das décadas de 1920 e 1930 influíram decisivamente em seus postulados, até mesmo porque ele próprio era um físico-matemático, como é o caso também do norte-americano T. Kuhn (1922-1996).

No livro “The Structure of Scientific Revolutions” (“A estrutura das revoluções científicas”) Kuhn avaliou a evolução das ciências naturais básicas de maneira diferente daquela empregada até então em seu estudo. Para ele, a evolução destas, principalmente da física, não seguia um avanço homogêneo a partir de um "método científico".

Pelo contrário, Kuhn pensava que o desenvolvimento ocorria em duas partes: na primeira havia um consenso da comunidade de cientistas sobre e ciência já estabelecida e sua utilização. A isto ele chamou de paradigma.

À medida em que as leis e metodologias anteriores deixam de ter validez, os cientistas trabalham em outras que substituam as previamente existentes. A superação de uma teoria “velha” por uma “nova” superior, levando ao estabelecimento de um novo paradigma. Um exemplo disto seria o desenvolvimento d a Teoria da Relatividade de Einstein e a Mecânica Quântica, a partir da mecânica quântica (paradigma anterior).

Assim, com suas características e objeto de estudos próprios, a física e a filosofia tem andado de mãos dadas por muito tempo e influem mutuamente uma sobre a outra.
As ideias de Kuhn, por exemplo, inspiradas por sua formação de físico, mudaram radicalmente a visão sobre a evolução das ciências. Muitas coisas mudaram nos últimos 40 anos, mas isto será o tema de um próximo trabalho.

* Jorge Gulín González integra o Departamento de Matemática da Universidad de las Ciencias Informáticas (Havana, Cuba) e é colaborador de Prensa Latina, onde este trabalho foi publicado originalmente (em 8 e 15 de junho de 2011).

Tradução: José Carlos Ruy

** A.N.E. no original: Antes da Nossa Era