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STF: Carlos Ayres Britto defende criminalização da homofobia

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres Britto defendeu, pela primeira vez publicamente, em entrevista à Folha de S.Paulo publicada nesta segunda-feira (4), a criminalização da homofobia, ao entender que quem a pratica "chafurda no lamaçal do ódio".

Protestos de congressistas da bancada evangélica acabaram paralisando a tramitação do projeto de lei anti-homofobia, que está estacionado há dois meses no Senado.

Para o ministro, não são necessárias novas leis para garantir aos casais gays os mesmos direitos dos heterossexuais já que a Constituição é "autoaplicável".

Ayres Britto também falou sobre o debate das drogas como uma questão de "saúde pública" e afirmou ainda que "se nós, os homens, engravidássemos, a autorização para a interrupção da gravidez de feto anencéfalo estaria normatizada desde sempre".

Folha de S.Paulo: O STF tem sido acusado de usurpar a competência do Legislativo. O sr. concorda com essa afirmação?
Carlos Ayres Britto: Não concordo. Veementemente respondo que o Supremo não tem usurpado função legislativa, principalmente do Congresso. O que o STF tem feito é interpretar a Constituição à luz da sua densa principiologia. O parágrafo 2º do artigo 5º autoriza o Judiciário a resolver controvérsias a partir de direitos e garantias implícitos.

Folha de S.Paulo: E por que essa crítica ao STF?
AB: As pessoas não percebem que os princípios também são normas e com potencialidade de, por si mesmos, resolver casos concretos quando os princípios constitucionais têm os seus elementos conceituais lançados pela própria Constituição. O Judiciário está autorizado a dispensar a mediação do Legislativo, porque, na matéria, a Constituição se faz autoaplicável.

Folha de S.Paulo: No caso das uniões estáveis homoafetivas isso aconteceu?
AB: Aconteceu, fizemos o saque de princípios constitucionais, tanto expressos quanto implícitos. Como fizemos quando proibimos o nepotismo no Judiciário e nos demais poderes. Porque o nepotismo é contrário a princípios constitucionais, até explícitos, como o princípio da moralidade. E cumprimos bem com o nosso dever: tiramos a Constituição do papel. Também no caso da homoafetividade, interpretamos os artigos da Constituição na matéria à luz de princípios como igualdade, liberdade, combate ao preconceito e pluralismo.

Folha de S.Paulo: Qualquer nova lei virá confirmar o que foi decidido, mas nunca para criar regra diferente do que foi debatido?
AB: Exatamente. A isonomia entre uniões estáveis heteroafetivas e homoafetivas é para todos os fins e efeitos. Em linha de princípio, é isso. Assim foi pedido pela Procuradoria-Geral da República quando propôs a ação. Não pode haver legislação infraconstitucional, parece evidente, que amesquinhe ou nulifique essa isonomia.

Folha de S.Paulo: O que exatamente o STF decidiu sobre homoafetividade?
AB: Pela possibilidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Possibilidade jurídica, lógico. Em igualdade de condições com as uniões estáveis dos casais heterossexuais. União estável com a força de constituir uma entidade familiar.

Folha de S.Paulo: Qual a diferença entre a decisão que negou a união estável em Goiânia e a que permitiu o casamento civil em Jacareí?
AB: Como desfrutam de independência técnica, além da política, os magistrados são livres para equacionar juridicamente as controvérsias, desde que fundamentem tecnicamente suas decisões. Natural, portanto, que dois juízes projetem sobre a mesma causa um olhar interpretativo descoincidente, cabendo às partes insatisfeitas os devidos recursos ou, quem sabe, reclamações para o próprio Supremo.

Folha de S.Paulo: Sem entrar no mérito de decisões específicas, qualquer decisão que diferencie a relação entre o homossexual e o heterossexual vai contra o STF?
AB: Sim. A decisão foi claramente no sentido da igualdade de situações entre os parceiros do mesmo sexo e casais de sexos diferentes.

Folha de S.Paulo: O Congresso precisa fazer alguma lei complementar?
AB: Entendo que a Constituição é autoaplicável na matéria. Entretanto, há aspectos de minúcias que ficam à disposição da lei comum.

Folha de S.Paulo: A questão deve voltar ao STF?
AB: A Constituição atual, caracterizando-se como redentora dos direitos e garantias, e não como redutora, estimulou muito a judicialização das controvérsias, inclusive as de natureza política. Daí a expectativa de que a matéria tem potencialidade para retornar ao tribunal.

Folha de S.Paulo: O sr. é a favor de criminalizar a homofobia?
AB: Tenho [para mim] que sim. O homofóbico exacerba tanto o seu preconceito que o faz chafurdar no lamaçal do ódio. E o fato é que os crimes de ódio estão a meio palmo dos crimes de sangue.

Folha de S.Paulo: Recentemente o STF decidiu sobre o direito de organização para a defesa da legalização da maconha. Será assim para todas as marchas?
AB: A decisão se circunscreveu à chamada Marcha da Maconha, mas os respectivos fundamentos se prestam para a discussão a céu aberto de toda e qualquer política de criminalização das demais substâncias entorpecentes.

Folha de S.Paulo: O sr. tem opinião sobre o tema?
AB: Minha inclinação pessoal é para ver o tema como uma focada questão de saúde pública. Me inquieta o fato de que temos tantas leis de endurecimento da resposta punitiva do Estado e, no entanto, a produção, o tráfico e o uso de tais substâncias não param de crescer.

Folha de S.Paulo: Outro tema polêmico é o do aborto em caso de feto anencéfalo. O sr. já expôs opinião favorável à prática, certo?
AB: No voto que proferi na discussão sobre o cabimento da ADPF [ação que trata do tema] manifestei opinião de que se nós, homens, engravidássemos, a autorização para a interrupção da gravidez de feto anencéfalo estaria normatizada desde sempre.

Fonte: Folha de S.Paulo