Ermínia Maricato: “O Estatuto da Cidade é uma conquista popular”

Uma das personalidades homenageadas durante Sessão Solene da Assembleia Legislativa do Ceará realizada em Fortaleza nesta segunda-feira (04/07) para comemorar os dez anos do Estatuto da Cidade (EC), a professora da Universidade de São Paulo (USP), Ermínia Maricato conversou com o Vermelho/CE sobre as conquistas e os desafios da Lei 10.257/2001, que ajudou a construir.

Ermínia Maricato

Arquiteta e urbanista, Ermínia Maricato participou da equipe de transição entre os governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. A professora foi Secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo na gestão de Luiza Erundina (1988-1992), e atualmente é consultora de política urbana e habitacional. “Dediquei quatro décadas da minha vida aos estudos de habitação e questões urbanas”, contabiliza. Neste período, destaca Maricato, foram muitos avanços, conquistas e desafios enfrentados na área.

Apesar dos dez anos do Estatuto da Cidade, a urbanista ressalta que a Lei ainda está em processo de consolidação. “O texto da lei é brilhante, mas temos ainda o desafio de implementá-lo. Temos uma lei bastante inovadora e avançada mas de difícil aplicação. Vivemos num país de ambiguidades e arbitrariedades, o que impede a efetivação do estatuto”, pondera Ermínia.

A professora destaca como avanço na questão, a criação, em 2003, do Ministério das Cidades, mas ressalta também outro ponto negativo. “O Brasil ainda não tem a cultura de uma política urbana. A sociedade ainda conhece pouco e, por isso exige pouco deste assunto”, avalia.

Estatuto da Cidade

Ermínia Maricato ressalta que, na Constituição de 1988, os artigos 182 e 183 referem-se à questão urbana. Segundo a professora "o Estatuto da Cidade regulamenta esse dispositivo da Constituição, reúne toda a legislação urbanística e aponta como a lei se aplica”.

Segundo a urbanista há um conflito de interesses na interpretação da Constituição, onde é assegurado o direito à moradia é absoluto e a propriedade está subordinado à função social, porém na prática acaba prevalecendo, na maioria das situações, o direito absoluta da propriedade privada sobre sua função social. "Como então se aplicar a lei dentro deste impasse?”, questiona. O capital e a especulação imobiliária são, segundo Maricato, grandes inimigos da questão habitacional no país. “Estamos presenciando o aumento exorbitante do valor dos terrenos e imóveis em todo o país”, ratifica.

Habitação

Sobre a questão da habitação, a professora considera-se pessimista. “A tendência é que as coisas não melhorem”. Maricato cita o programa federal “Minha Casa, Minha Vida”, de incentivo à aquisição de imóveis para pessoas de baixa renda, como um projeto paliativo. “O projeto vai resolver apenas o problema da classe média, que antes não tinha acesso aos imóveis, o que não tira dele sua importância, mas não soluciona o déficit habitacional do país”.

Sobre a avalanche de obras que várias cidades brasileiras estão passando por conta da Copa de 2014, Ermínia ressalta os interesses de empresários que não respeitam o Estatuto da Cidade nem o interesse popular. “O que vemos são obras sem planos e planos sem obras. As empreiteiras e o capital imobiliário pressionam prefeitos para conseguirem contratos, e os anseios da população são esquecidos”, critica.

Mobilidade Urbana

“Este é o maior problema vivido pelas cidades em todo o país. Com as facilidades de se comprar carros, vemos um sistema viário sufocado, sem saída. É acordo geral, em todas as esferas e pesquisas, que a única solução é investir em transporte público de qualidade com planejamento e integração”, reforça.

Ermínia ressalta o aumento no número de mototaxistas no Ceará e motoboys em São Paulo, como exemplos de tentativas de se driblar um trânsito que já não funciona. “A população anda muito e exige pouco. A sociedade tem que entender que sem pressão popular, os gestores não tomarão providências neste sentido. Propostas existem, bastam ser retiradas do papel”, alerta. Dados apontam que, em Fortaleza, 6 mil novos carros vão para as ruas todos os meses. Em São Paulo, são 600 mil novos automóveis por ano que chegam às ruas. “Bicicletas, corredores exclusivos para ônibus, trilhos, integração entre transportes e linhas, tudo é alternativa ao rodoviarismo”.

Desafio

São muitas as questões enfrentadas pela sociedade. “Ao longo desses dez anos, o maior desafio do Estatuto da Cidade é sua aplicação. Vivemos numa sociedade patrimonialista, com privatização do aparelho do Estado, onde ainda reina o individualismo. O Estatuto vai na contra-mão deste pensamento”, compara. Para a professora, a luta social fará a diferença. “As pessoas têm que acordar para essa realidade. O Estatuto da Cidade prevê legislação para todos esses assuntos, mas sem a força popular será mais uma lei que não sairá do papel. Tenho esperança de ver esta lei verdadeiramente mudando e melhorando a vida das pessoas”, projeta Ermínia.

Mais sobre o Estatuto da Cidade

O Estatuto da Cidade foi fruto de um grande processo de discussão entre vários setores que atuam no cenário urbano: movimentos populares, órgãos públicos, universidades, entidades técnico-profissionais e empreendedores privados.

O Estatuto destaca a importância da reforma urbana para o desenvolvimento econômico e social das cidades e o uso da propriedade em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Em 1999, ainda como Deputado Federal, Inácio Arruda (PCdoB) foi o relator do Projeto de Lei que regula o capítulo da Política Urbana da Constituição Federal (artigos 182 e 183), denominado “Estatuto da Cidade”.

De Fortaleza,
Carolina Campos