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Artesanato perde vendas; Brasil perde identidade

Atibaia é considerada hoje a maior produtora de tapetes arraiolos do Brasil. A cidade paulista reúne 1602 bordadeiras associadas à Arpa (Artesãos do Portão Associados), entidade fundada em 1984 e que exporta para vários lugares do mundo. Os negócios iam muito bem até que similares importados, a custos irrisórios, invadiram o comércio varejista nacional, comprometendo a sobrevivência não só de artesãos, mas da própria indústria.

Por Christiane Marcondes

Arpa artesanato - Divulgação

Ao mesmo tempo que um notável atrativo turístico, o talento para o artesanato do “povo brasileiro” sempre foi uma “pedra no sapato” da concorrência, qualquer fosse e em todas as épocas.

A tecelagem artesanal brasileira, para dar um exemplo, concorre com a indústria têxtil mundial desde os tempos do Brasil colônia. A ponto da rainha D. Maria I, a “louca”, mandar queimar todos os teares em solo verde e amarelo para que a produção nacional não prejudicasse a aliança comercial com a Inglaterra, país que vendia tecidos com exclusividade a Portugal e colônias.

Os enviados do rei cumpriram a missão em grande parte, mas não conseguiram percorrer o acidentado solo das montanhas mineiras, o que salvou uma tradição forte e economicamente pujante até hoje. Ou até pouco tempo atrás, antes dos similares importados invadirem o país, desestabilizando não só artesanato e design, mas até mesmo a indústria nacional.

Cooperativas

A Arpa (Artesãos do Arraiolo Associados) é fruto da resistência de nossos artesãos ao longo dos tempos — séculos no caso da história do nosso artesanato, que nos remete aos povos indígenas — e dezenas de anos, no que se refere à cooperativa que iniciou a produção em 19 de março de 1984.

Dirigida por Hilda Cruz Leite, a Arpa foi fundada por imigrantes portugueses em Atibaia (SP) e reúne hoje cerca de 1.602 artesãos em um galpão com 2.500 metros quadrados. Os visitantes não só podem comprar como também apreciar o bordado, que é produzido o tempo todo enquanto o espaço está aberto ao público. O valor arrecadado com as vendas é a principal fonte de sustento da maior parte de famílias vinculas à entidade.

O diferencial da produção em Atibaia é a reprodução de temáticas centenárias de arraiolos do começo do século 19. As artistas locais reproduzem ou recriam, trabalhando ao gosto do freguês e destacam-se pela criatividade e empreendedorismo no mercado nacional. Há muito alargaram fronteiras, exportando boa parte da produção, principalmente para Estados Unidos e Europa.

Lamentavelmente, com a crescente entrada de importados a preços irrisórios, os consumidores estão optando pela compra de artesanato “fabril” e a entidade está correndo o risco de paralisar atividades.

“Para quem se inicia na arte e para quem sabe admirá-la, a Arpa é mais do que uma vitrine cultural, é uma verdadeira exposição do que há de mais perfeito e valioso em Arraiolo”, defende Hilda, que está completamente empenhada na luta para demonstrar o que é uma peça de artesanato exclusiva e o que é uma peça produzida em série, com temas primários e qualidade de acabamento discutível.

Hilda e associadas inventam promoções, buscam oportunidades de divulgação e tentam dar continuidade ao negócio: “Mas é muito difícil, as vendas caíram muito, não sei por quanto tempo vamos sustentar essa estrutura e produção”. A diretora recorre argumentos que não sensibilizam o consumidor movido ao apelo ao bolso: “Temos muitos motivos novos, mais de mil, elaborados com muito cuidado e tempo”.

A comunidade trabalha em vínculo de colaboração de modo totalmente dedicado ao bordado de tapetes arraiolos.”O trabalho representa um benefício de todos e possui um fim comum, que é a promoção humana por meio do aprimoramento, proteção e divulgação de seu artesanato, integrando-o ao mercado e conseguindo, assim, a salvaguarda de sua identidade cultural, além da complementação de renda necessária para o sustento de suas famílias”, explica Hilda.

O pior de toda a história é que a Arpa não é um caso isolado. O Brasil tem uma dimensão continental e uma variedade de artesanato incontável. Essa expressão artística popular se reproduz em espantosa quantidade e qualidade em todos os estados. Por isso é que perder mercado para produtos estrangeiros não é só perder venda, mas identidade.