Sem categoria

Ética: revista Veja é reincidente 

Desde o dia 7 de julho a Comissão de Ética (CE) do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJP/DF) tem em suas mãos um pedido de abertura de processo por violação do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros contra o jornalista Gustavo Ribeiro, da sucursal de Brasília da revista Veja. O pedido original tinha por base a matéria “Madraçal no Planalto”sobre a Universidade de Brasília e seu reitor, publicada na edição de Veja de 6 de julho.

Tanto do ponto de vista técnico como ético, a referida matéria é um exemplo acabado de mau jornalismo. Editorializada e adjetivada, a matéria não cumpre as regras elementares básicas do jornalismo e foi desmentida por “fontes” cujos nomes nela aparecem, além de ter recebido repúdio quase unânime da própria comunidade acadêmica da UnB.

Mais ainda. Uma das “fontes” e articulador da matéria de Veja, conhecido adversário político do atual reitor, publicou em seu blog o seguinte post: “Parabéns à revista VEJA por este inestimável serviço ao Brasil, mostrando o que faz o reitor Zé do MST (ligado ao PT) com a educação superior no país. Está agora na hora da oposição (DEM, PSDB e PPS) colocar a boca no trombone! — PS: Ajudei a VEJA com essa reportagem (tem uma declaração minha na 4. página), eu e mais de 20 professores, lógico que apenas alguns apareceram” (cf. cienciabrasil.blogspot.com, post de 3/7/2011).

Jornalista não sindicalizado

No último dia 9 de agosto, a Comissão de Ética respondeu ao jornalista Antonio Carlos Queiroz informado haver decidido pela não abertura do processo, tendo em vista que Gustavo Ribeiro “não é filiado ao SJP/DF”.

Trata-se de um equívoco da CE de vez que a filiação aos sindicatos da categoria não é requisito para o exercício profissional e o Código de Ética, por óbvio, se aplica a toda a categoria, não somente aos jornalistas sindicalizados. Aliás, está escrito no próprio CE:

Art. 17. Os jornalistas que descumprirem o presente Código de Ética estão sujeitos às penalidades de observação, advertência, suspensão e exclusão do quadro social do sindicato e à publicação da decisão da comissão de ética em veículo de ampla circulação.
Parágrafo único – Os não-filiados aos sindicatos de jornalistas estão sujeitos às penalidades de observação, advertência, impedimento temporário e impedimento definitivo de ingresso no quadro social do sindicato e à publicação da decisão da comissão de ética em veículo de ampla circulação.

O equívoco da CE motivou um recurso impetrado pelo jornalista Antonio Carlos Queiroz no SJP/DF solicitando a reconsideração da decisão.

Reincidência

Enquanto se aguardava uma resposta da CE ao recurso, o mesmo jornalista Gustavo Ribeiro aparece novamente como um dos responsáveis por matéria aparentemente envolvendo práticas ilícitas, publicada na mesma revista Veja com data de capa de 31/8/2011.

Trata-se, como se sabe, de matéria de capa sob o título “O Poderoso Chefão” sobre o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que padece dos mesmos vícios da matéria anterior sobre a UnB. O jornalista está agora sendo formalmente acusado de tentativa de invasão de domicílio e falsidade ideológica pelo Hotel Naoum de Brasília, onde o escritório de advocacia associado ao ex-ministro José Dirceu mantém um apartamento alugado.

Naturalmente o novo episódio envolvendo o jornalista Gustavo Ribeiro provocou o encaminhamento de um “agravo” à CE do SJP/DF.

O que está em jogo?

Apenas algumas semanas depois do escândalo provocado pelas revelações de ações criminosas do tablóide News of the World na Inglaterra, o tipo de jornalismo reiteradamente praticado pela revista Veja acende uma perigosa luz amarela no campo da comunicação.

O Grupo Abril, ao qual pertence a Veja, criou recentemente o IAEJ – Instituto de Altos Estudos em Jornalismo que, em parceria com a ESPM, oferece o Curso de Pós-Graduação com Ênfase em Direção Editorial – “um programa sem precedentes no Brasil, (que) tem a ambição de contribuir para a melhoria da imprensa no país”.

Por óbvio, matérias como as referidas acima não são publicadas sem o conhecimento da direção da revista e, portanto, não são de responsabilidade apenas dos jornalistas envolvidos.

Trata-se de uma determinada visão de jornalismo e de seu papel que confrontam toda a retórica liberal sobre a liberdade de imprensa na democracia.

Está na hora das organizações sindicais darem o primeiro passo e aplicarem exemplarmente o Código de Ética da profissão se pretendem zelar pela dignidade profissional mínima que sustente a credibilidade dos jornalistas.

E está mais do que na hora de os próprios empresários de mídia e o Estado brasileiro dialogarem sobre a inadiável necessidade de uma ampla e democrática regulação do setor.

Não dá mais para “fazer de conta” que no Brasil é diferente do resto do mundo e que aqui a mídia será sempre um poder acima de todos os outros.

Fonte: Venício A. de Lima, Observatório da Imprensa (ver, neste OI, “Jornalismo político volta à Era da Pedra Lascada”, “Revista passou recibo do crime”, “O tribunal midiático”, “Veja atenta contra os princípios democráticos”, “Repórter não é polícia; imprensa não é justiça” e outras notas).