Ana Cristina Cavalcante: Uma lei à brasileira na Europa

 Foi posta na mesa de negociação uma regra básica da reestruturação econômica das nações

O fim de 2011 marca, literalmente, uma virada. Mudanças nos costumes e quebra de um paradigma vigente desde a Segunda Guerra Mundial são a tônica dos novos tempos… Logo ali; na Europa. O marco desta nova postura é a união fiscal fechada entre os líderes europeus, no último dia 9. Como era esperado, sob a perspectiva das históricas divergências do Velho Mundo, nem todos concordaram – 23 dos 27 estados-membros da União Europeia confirmaram a participação no acordo. A ausência mais sentida (e também a menos surpreendente) foi a do Reino Unido – que já havia dito ‘não’ homérico à adoção do euro como moeda única europeia. A Hungria também negou. Suécia e República Tcheca vão consultar seus parlamentos antes de tomar uma decisão.

Foi posta na mesa de negociação uma regra básica da reestruturação econômica das nações. Qualquer uma delas. O compromisso de manter seus orçamentos em equilíbrio.

Na prática ou em números, como preferem os economistas, isso quer dizer que os países que aderiram ao tratado não vão poder ter déficit estrutural de mais de 0,5% dos seus PIBs (Produto Interno Bruto). Para vigiar o desempenho dos signatários, haverá uma instituição supranacional. É o Tribunal Europeu de Justiça, ao qual será dada autoridade para julgar se um país pôs em prática uma lei adequada para atingir o objetivo comum. Além das ‘cercas’, os europeus também decidiram acelerar a implementação do Mecanismo Europeu de Estabilidade e a adicionar US$ 270 bilhões às reservas do FMI – que provavelmente serão destinados à compra de títulos dos países em situação ruim.

Em tempo: o acordo também prevê sanções automáticas ao Estado-membro que registrar déficit orçamentário superior a 3% do PIB. O leitor-internauta mais atento já deve ter dito: “Mas essa união fiscal é uma espécie de Lei de Responsabilidade Fiscal, com base em limite orçamentário”. Bingo! A receita adotada pela Europa é bem parecida com a que o Brasil vem aplicando desde 2000, após a sanção da LRF pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Nada mais simples do que o estabelecimento de tetos para as várias rubricas de gastos públicos. Ok. Que cada estado-membro faça a sua lei de acordo com suas conveniências. Contanto que não ultrapassem o limite de déficit, está tudo certo.

Caso alguém tenha esquecido, a fórmula quase mágica foi tirada dos manuais para salvar o Brasil da falência. Exatamente como acontece agora, na Eurolândia (referência moderninha à Zona do Euro, que reúne 17 países no uso da moeda comum), o nosso país quebrou duas vezes: em 1998 (com a crise russa, que sucedeu no espaço de um ano apenas a crise asiática) e em 2002. Na primeira, não havia blindagem para impedir que os movimentos da Perestroika (que levou a União Soviética do comunismo e sua planificação ao mercado) atingissem nossa vulnerável economia. Na segunda, o piti do mercado financeiro causado pela iminente vitória de Lula nas eleições presidenciais quebrou o País. Vejam vocês, queridos leitores-internautas. Tanto barulho por nada, como diria Shakespeare.

Eurolândia Federativa

Tem muito de política na resolução da crise europeia. É… Assim como tudo é economia, tudo também é política. Ou as duas juntas. O grave problema econômico que a Europa enfrenta hoje tem sérias implicações, caso não seja resolvido a tempo. Muitos analistas já fazem previsões sinistras para uma União Europeia desintegrada. Projetam terreno fértil para endurecimentos isolados, mas espalhados. Em bom português, o fracasso da União Europeia, puxado pela crise econômica, criaria as condições favoráveis para o surgimento de ditaduras.

Isso mesmo, queridos leitores-internautas. Ou vocês ainda não notaram a curva acentuada à direita que já acontece por lá? A Espanha substituiu trabalhistas por conservadores recentemente. A Grã-Bretanha também. Na França, disputará a eleição Marina Le Pen, filha do ultradireitista Jean-Marie Le Pen. A moça enfrentará o enfraquecido centro-direitista, Nicolas Sarkozy, e o socialista pouco expressivo, François Hollande. A história mostra que, sempre que a economia vai mal, a Europa ‘endireita’. O nazismo teve seu caldo de cultura justamente entre as duas guerras e logo depois da crise de 1929. Com o fascismo foi a mesma coisa.

A solução pode estar na federação, a mais democrática das estruturas de governo. A Europa precisa encontrar uma base consistente de entendimento, fortalecer o bloco econômico que criou, valorizar sua moeda e, mais do que tudo isso, construir um diálogo político por meio do qual seus estados-membros consigam encontrar as saídas para os gargalos da assimetria. Ou seja, o Velho Continente precisa mesmo é virar a Eurolândia Federativa.

Ana Cristina Cavalcante é jornalista, com diploma, que adora Economia, Filosofia, rock inglês e futebol.

Fonte: InvestNE

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