No Brasil, aborto clandestino é questão de saúde pública

A discussão sobre a prática do aborto clandestino ganhou destaque na 52ª reunião do Comitê da Cedaw* (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra às Mulheres),realizada em Genebra, Suíça, entre os dias 13 e 17/02/2012, e colocou o Brasil no foco do debate.

A análise dos dados apresentados (relatório oficial do governo e relatórios alternativos – entidades feministas, organizações não governamentais, etc), revela uma situação preocupante: no Brasil, ocorrem, anualmente, 1.800 casos de morte materna, dos quais, 11,4% destes, ou seja, um pouco mais de 200 mulheres brasileiras morrem ao se submeterem ao aborto inseguro. Para os padrões da Organização Mundial de Saúde-OMS, é um índice bastante alto.

A descriminalização do aborto, no Brasil, sempre foi um tema polêmico, posto que envolve múltiplos aspectos (ético, moral, teológico, etc), e, de certa forma, resvala, quase sempre, para a polarização maniqueísta: a luta do bem contra o mal. Para nós, feministas e defensoras do aborto legal (nunca é demais repetir que não concebemos o aborto como método contraceptivo a ser indiscriminadamente recorrido a fim de se evitar a evolução de uma gravidez, porém, como um legítimo direito da mulher de interrompê-la, de forma consciente responsável), o problema é outro: é questão de saúde pública; assim sendo, é um problema político e precisa ser tratado como tal. A reunião da Cedaw, ao apresentar índice tão elevado relacionado à morte de mulheres em consequência de aborto, reascende a discussão – que desde 2010, estava meio que adormecida – acerca da legalização desse procedimento e evidencia, sem máscaras, o risco a que se expõem as mulheres que, por razões diversas e complexas, realizam o aborto de forma clandestina.

A despeito da controvérsia em torno dos equívocos na veiculação dos dados recentemente apresentados na reunião do Comitê da Cedaw – o jornal "O Estado de São Paulo publicou, por ocasião da mesma reunião -, que, no Brasil, 200 mil mulheres morrem em decorrência do aborto clandestino, enquanto o Ministério da Saúde afirma que 200 mil é o número de mulheres que, por ano, buscam o hospital devido a problemas relacionados a aborto (mas não necessariamente decorrentes de abortos clandestinamente praticados), o fato é que – equívocos a parte -, não há como negar que o problema é grave e o governo brasileiro não pode minimizar os efeitos nefastos de uma realidade concreta: o aborto clandestino ocorre cotidianamente, todos os dias, em todos os cantos e recantos deste país.

Avançar é preciso

A reunião do Comitê da Cedaw – cuja delegação brasileira foi chefiada pela atual Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial/Seppir, Eleonora Menicucci de Oliveira- reconheceu, ao apreciar o VII Relatório da Seppir, que o Brasil avançou nas proposições apresentadas na reunião anterior do comitê, notadamente no combate e punição à violência contra a mulher, com ênfase para a promulgação e aplicabilidade da Lei "Maria da Penha", cujos efeitos positivos são, indiscutivelmente, reconhecidos pela sociedade. O Comitê Internacional também reconheceu avanços na medida em que o Relatório aponta significativas contribuições por mudanças nas situações de desigualdades de gênero. Contudo, considera que, no quesito "descriminalização do aborto", pouco ou quase nada mudou – em que pese a luta incansável das mulheres, principalmente nas últimas 4 décadas, bem como de setores progressistas da sociedade civil organizada -, o Estado brasileiro falha com a ausência de ações e propositura para a mudança efetiva da lei atual.

Discussão na ordem do dia

Ante a intensidade com que foi discutida no Comitê da Cedaw a necessidade da promoção do aborto legal, e às vésperas da 2ª Conferência Nacional de Mulheres do Partido Comunista do Brasil-PC do B, que acontecerá nos dias 18,19 e 20 de maio/2012, pensamos que o evento deverá pautar, entre outros importantes temas relacionados à questão da mulher, a discussão sobre a retomada, no seio da sociedade, do debate sério e despojado de hipocrisia acerca da descriminalização do aborto, sob pena de, se não o fizermos, vermos aumentados os indicadores de mortalidade materna em consequência do aborto clandestino, cuja prática se encontra, no Brasil, entre as 5 principais causas de morte de mulheres em idade fértil (dados do Relatório).

O momento é propício. A posse da nova Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Eleonora Menicucci – "feminista histórica, comprometida com as lutas populares", nas palavras da também feminista, a médica Fátima Oliveira -, traz novo alento à luta das mulheres pelo fim da criminalização do aborto, que no Brasil, de há muito, se tornou uma questão de saúde pública.

Natal/RN, em 22 de fevereiro de 2012.

Olga Aguiar/Base de Formação e Cultura/Comitê Municipal do PC do B/Natal-RN

*Sobre a Cedaw:

A Cedaw é a “lei internacional dos direitos das mulheres”, baseada no compromisso dos Estados signatários de promover e assegurar a igualdade entre homens e mulheres e de eliminar todos os tipos de discriminação contra a mulher.

Funciona como base para todos os programas do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas (ONU Mulheres). O fundo apóia iniciativas que ajudem as mulheres a identificar e mapear discrepâncias entre as legislações domésticas e a Cedaw, buscando formas de exigir seus direitos humanos.

A Cedaw foi aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1979, tendo entrado em vigor em 1981. Atualmente, 173 países – mais de dois terços dos membros da ONU – ratificaram a convenção.