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Poder, Violência e Cidadania: crise na segurança pública no País

Para discutir a crescente violência urbana no Brasil, o fortalecimento das instituições para garantir o estado democrático e a garantia à população de segurança pública e padrões mínimos de justiça e respeito aos direitos, a Fundação Mauricio Grabois e o Instituto da Cidade realizam, nesta sexta-feira (2), em Fortaleza (CE) uma mesa redonda sobre o tema "Poder, Violência e Cidadania: A Crise da Segurança Pública no Brasil".

Entre os convidados para o debate está Luiz Eduardo Soares, Doutor em Ciência Política, Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e ex-chefe de segurança do Rio de Janeiro. Ele é o autor, em parceria com André Batista e Rodrigo Pimentel, do livro "Elite da Tropa", que inspirou o filme "Tropa de Elite." Por e-mail, ele concedeu entrevista à Agência da Boa Notícia.

Após a mesa-redonda, será lançado o livro “Justiça”, de autoria do professor Luiz Eduardo Soares.

Leia a entrevista concedida por ele via e-mail à Agência da Boa Notícia:

Agência da Boa Notícia: Que fatores o Sr. destaca como os causadores da crise na segurança pública no Brasil hoje?
Luiz Eduardo: Há muitos fatores importantes, tanto na sociedade, como no Estado, isto é, em sua forma de organização e funcionamento. Na esfera do Estado e dos marcos legais, eu diria que a maior fonte dos problemas está na arquitetura institucional da segurança pública, que inclui o modelo de polícia. Essa arquitetura – um legado da ditadura que a Constituição consagrou, em seu artigo 144 – atribui poucas responsabilidades à União, exclui os municípios e confere a maior parte das funções e da autoridade aos estados e suas polícias, irracionalmente divididas em civil e militar. Na esfera da sociedade, há elementos culturais, sociais, psicológicos e econômicos relevantes, no contexto das dramáticas desigualdades que marcam nossa sociedade, inclusive desigualdades no acesso à Justiça. O resultado é chocante: somos o segundo país do mundo em números absolutos de homicídios dolosos, 50 mil ao ano.

Agência da Boa Notícia: Nos dois Tropa de Elite vimos claramente como a corrupção está entranhada nos órgãos de segurança. O Sr. vê uma saída para essa situação? Qual?
LE: Respeitando variações regionais e institucionais, locais e segmentares, as instituições policiais brasileiras, via de regra, são ingovernáveis, não por falta de competência dos gestores ou dos policiais, mas por conta da estrutura organizacional conformada por nosso modelo policial. As razões pelas quais a taxa média de esclarecimento de homicídios dolosos no Brasil não ultrapassa 8%, a brutalidade policial é recordista mundial, a corrupção se alastrou tanto e a efetividade preventiva é tão baixa são as mesmas: uma estrutura organizacional arcaica, sem agilidade, plasticidade adaptativa, disposição cooperativa, flexibilidade decisória, valorização da ponta, conhecimento organizado e analisado, e compartilhado, sem transparência e controle externo, sem culturas corporativas democráticas, sem capacidade de planejamento e avaliação corretiva.

Agência da Boa Notícia: Que alternativas o Sr. vislumbra para que o brasileiro, especialmente das grandes cidades, tenha segurança?

LE: Hoje, o problema já ultrapassou os limites das grandes cidades e se derramou sobre os quatro cantos do Brasil. As alternativas alvissareiras dependem de nossa disposição política, enquanto Nação, de negociar um consenso mínimo para mudar o artigo 144 da Constituição, alterando a arquitetura institucional da segurança pública e o modelo de polícia. Paralelamente, temos de investir mais intensamente na redução das desigualdades, em particular nas desigualdades tão profundas que marcam o acesso à Justiça. O racismo estrutural e as distâncias sociais continuam impondo crivos seletivos à aplicação das leis, às abordagens policiais, às políticas de segurança, ao funcionamento da Justiça criminal. Continuamos prendendo muito e mal, e responsabilizando pouco. E aceitamos conviver com a quase plena impunidade (de 92%) para os crimes intencionais contra a vida.

Agência da Boa Notícia: Como o Sr. analisa o papel dos meios de Comunicação na cobertura dos casos envolvendo violência no Brasil?

LE: Há muitos veículos diferentes. Qualquer análise generalizadora seria injusta. A tendência predominante, entretanto, me parece bastante negativa, porque difunde preconceitos e estigmas, confunde justiça com vingança, erra o alvo das críticas, é vazia nas proposições, toma indignação por opinião, só se debruça sobre a problemática na crise, não se dispõe a pensar de modo mais profundo, sistemático, voltando-se para o futuro.

Agência da Boa Notícia: As prisões no Brasil estão lotadas de detentos oriundos das camadas mais pobres da população. Como dar um basta na impunidade e fazer com que criminosos de todas as camadas sociais paguem por seus crimes?
LE: Prender quem precisa estar preso: os que agem com violência e estão organizados. Tratar os não violentos com penas alternativas à privação da liberdade. O Brasil ostenta o vergonhoso título de país com a maior taxa de crescimento da população carcerária do mundo – população de cerca de 520 mil detentos, que já é a terceira do mundo. Quem vem sendo preso? Nos últimos quatro anos, o foco do encarceramento se projeta sobre o jovem pobre, com baixa escolaridade, frequentemente negro, que não usou arma, não agiu com violência e não estava envolvido com nenhuma organização criminosa, e que negociou substâncias ilícitas. O absurdo é completo. estamos empurrando esse contingente humano para carreiras criminais. Se gastássemos com eles metade do que custará mantê-los encarcerados, investindo em sua educação e profissionalização, por exemplo, o resultado para todos seria incomparavelmente superior.

Agência da Boa Notícia:
Até que ponto a disseminação das drogas, principalmente do crack, aumenta os índices de violência no país?
LE: Esse é um fator de grande importância, mas que se torna muito mais grave porque o enfrentamos com as armas e a linguagem da polícia e da Justiça criminal. Em vez de o entendermos como um grande desafio para a sociedade, a cultura e a saúde.

Agência da Boa Notícia: A violência urbana que nós vivemos é uma consequência da exclusão social?
LE: Há diferentes formas de violência, assim como aquilo que se chama de "exclusão social" tem distintos modos de funcionamento e provoca diferentes experiências humanas, individuais e coletivas. Além disso, consequência remete a causalidade, que não se aplica no âmbito dos fenômenos sociais dessa complexidade. Exemplo: a homofobia seria consequência da referida "exclusão"? E a cruel violência do racismo? E a violência doméstica contra a mulher? Sabemos que há violência doméstica em todas as classes sociais, em todos os níveis de renda.