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Efigênia Helu: Degrêdo

Quando concebi “Degrêdo” (**), em 1998, a imagem plástica configurou-se repentinamente para mim como uma composição metafórica, um insight artístico exatamente como está: uma mulher polarizada entre sexo e mente.

O sexo, polo inferior, é costurado com linha grossa e arame, resguardado por um círculo de vidro. A mente, polo superior, aparece como uma cabeça num clamor de dor, porém com resumida força de revolta.

A guirlanda e a maquiagem quase ritualísticas vieram em um momento seguinte, como dramatização barroca do que me parecia o bastante até então, ou seja, a dualidade do universo feminino em contraposição ao bloco monolítico e hegemônico dos homens.

Não tinha até o momento consciência de que pintava um fato concreto: a brutalizante mutilação genital, física, não apenas moral, pela qual sofrem milhões de mulheres em todo o mundo na mais flagrante violação dos direitos humanos que, através da extirpação e costura da genitália, tem como único e gritante propósito o controle da sexualidade feminina.

Obra da mostra Degrêdo

Sinto que hoje, para mim, “Degrêdo” (infibulação) não é mais uma assemblage, uma simples metáfora, mas a expressão plástica de uma tomada de posição política na luta contra padrões culturais que têm na violência, ainda, a sua forma de estruturação social.

(*) Socióloga e Artista Plástica
(**) Mostra em homenagem ao dia internacional da mulher (BDB), Brasília. A técnica usada é assemblage com técnica mista