Ignacio Ramonet: Novos protetorados
O dia 21 de fevereiro será lembrado na Grécia como a jornada da Grande Capitulação. Naquele dia, em vez da promessa de um segundo plano de resgate financeiro, o governo helênico aceitou as humilhantes condições exigidas pelo “clã europeu da tríplice A” liderado pela Alemanha: draconianos cortes do gasto público, rebaixamento do salário mínimo, redução das pensões e demissão de 150 mil funcionários, elevação do simpostos e privatizações em massa.
Publicado 22/03/2012 14:12
De nada serviu o fato de que os gregos já estavam vivendo quatro anos de terapia de choque e de sacrifícios sociais muito duros, nem que tenham sido obrigados a submeter-se, em 10 de novembro passado, a um “golpe de Estado financeiro”, mediante o qual Berlim impôs, sem nenhuma consulta democrática, o banqueiro Lucas Papademos (ex-vice-presidente do Banco Central Europeu) como primeiro- ministro de um governo tripartite composto de social-democratas, conservadores e extrema direita.
Desta vez a afronta foi maior. O que se exigiu de Atenas foi claramente uma enorme cessão de soberania, “provavelmente a maior realizada por um país em tempos de paz”. De fato, a Grécia foi colocada sob tutela europeia, e dispõe agora, para tudo o que concerne a seu orçamento e a sua economia, de um estatuto de soberania limitada.
Já se notava que viria semelhante agressão. Como uma advertencia, além do mais, aos outros países da zona do euro em dificuldade, entre eles a Espanha. Em julho de 2011, Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro de Luxemburgo e presidente do Eurogrupo, já tinha avisado: “A soberania da Grécia será enormemente restringida” (3). E em 27 de janeiro passado, o jornal britânico Financial Times revelou um documento alemão que exigia o envio a Atenas de um Comissário com direito de veto para dirigir o orçamento público dessa nação e bloquear qualquer gasto não autorizado por seus credores. Na véspera, em uma entrevista ao semanário Der Spiegel, o chefe do grupo parlamentar da União Democrata Cristã (CDU, na sigla em alemão), Volker Kauder, foi ainda mais longe: reclamou o envio à Grecia de “funcionários alemães que ajudem a construir uma administração financeira eficiente”. Coisa que também pediu o próprio ministro alemão da Economia, o ultraliberal Philipp Rösler.
Não se chegou a tanto, mas o acordo de 21 de fevereiro prevê “uma presença permanente na Grécia de uma missão da Comissão Europeia” para controlar e vigiar suas contas, assim como “uma presença reforçada da troika [Comissão Europeia, Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional] para supervisionar permanentemente o pagamento da dívida”. Os fundos transferidos no marco do Plano de ajuste ingressarão em uma conta bloqueada que só a troika administrará, não o governo grego. E que unicamente servirá para reembolsar a dívida soberana, não para pagar os salários dos funcionários, por exemplo, ou as pensões dos aposentados. Os novos bônus do Estado helênico não serão de direito grego, mas de direito britânico…Em caso de conflito entre Atenas e os credores privados, o litígio será julgado em Luxemburgo, não na Grécia… Embora não seja oficial, a República Grega deixou de ser um Estado soberano.
De modo encoberto, a União Europeia (UE) entrou em uma nova etapa na qual os Estados fortes (“o clã da tríplice A” mais a França) exigem dos demais, e em particular dos Estados da periferia, uma mudança de regime. Não se trata diretamente de um estatuto colonial. Mas se asemelha bastante a um tipo de administração que as grandes potências estabeleceram durante a era colonial: o de protetorado.
Para os colonizadores, o protetorado era uma maneira de estender sua influência política e econômica, e de colocar sob tutela territórios estrangeiros dos quais se desejava extrair as riquezas, sem asumir os inconvenientes e os gastos que acarreta habitualmente uma anexação pura e simples. Diferentemente da colônia, o “Estado protegido” conserva formalmente suas instituições, mas cede à “potência protetora” sua política externa e, sobretudo, sua economia e seu comércio exterior.
Portanto, não pode surpreender-nos que desde o começo da crise financeira em 2008, tenhamos assistido, no seio da UE, e mais particularmente na Eurozona, a uma perda manifesta da soberania dos Estados mais deprimidos (Irlanda, Grécia, Portugal, Itália e Espanha).
Como fase preliminar do novo estatuto de “protetorado europeu”, ao que tristemente a Grécia acaba de se somar.
Ângela Merkel cunhou em setembro passado o conceito de “marktkonforme demokratie” (democracia em conformidade com o mercado). E o definiu da seguinte maneira: “A elaboração do orçamento do Estado é uma prerrogativa fundamental do Parlamento, mas há que encontrar os caminhos para que esse requisito democrático esteja em conformidade com o mercado”. O mercado é agora a pauta. O que significa que já não são os eleitores que determinam as decisões legislativas, mas as Bolsas, os especuladores e os bancos.
Esta nova filosofia antidemocrática triunfa hoje na Europa. Ela se traduz em normas, leis e tratados que limitam as margens de manobra dos governos e funcionam como um “piloto automático” para domesticar as sociedades. A esse respeito, a Grécia funciona como um modelo do que ameaça os demais países da periferia. E que o Mecanismo Europeo de Estabilidade (Mede) vai estabelecer, a partir do próximo mês de julho, como norma legal na União Europeia.
Concebido por Ângela Merkel e já aprovado, em principio, pelo presidente do governo espanhol Mariano Rajoy, o Mede é um novo organismo intergovernamental, um tipo de FMI europeu. Está sendo ratificado pelos parlamentos dos países europeus sem nenhum debate público, apesar de que suas características poderiam ter consequências nefastas para os cidadãos. Com efeito, o Mede prevê a concessão de ajudas financeiras a países em dificuldade, com a condição de que cedam soberania, aceitem colocar-se sob a tutela de uma troika europeia e apliquem desapiedados planos de ajuste.
O Mede está articulado com o “Pacto fiscal” adotado em 30 de janeiro passado por 25 dos 27 chefes de Estado e de governo da UE. Este temível Pacto (cujo nome verdadeiro é “Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governança da União Econômica e Monetária”) é também uma exigência da Alemanha, e obrigará os Estados signatários em suas Constituições à chamada “regra de ouro”, que impõe manter o déficit estrutural anual abaixo de 0,5 % do PIB. Os países que não incluam em suas Constituições esse teto de gasto poderão ser denunciados diante do Tribunal de Justiça da UE por qualquer um dos demais Estados membros.
Marx dizia que os governos, na era industrial, não eram mais que os conselhos de administração da burguesia. Hoje poderíamos dizer que, na Europa “austeritária” de Ângela Merkel, os governos estão convertendo-se nos conselhos de administração dos mercados. Até quando?
Fonte: Cubadebate
Tradução: José Reinaldo Carvalho, da redação do Vermelho