Walter Sorrentino: Duplo preconceito do prefeito Fortunati

É dura a vida das mulheres na política. O Brasil tem uma das menores porcentagens de cargos públicos eletivos ocupados por mulheres entre as grandes nações do mundo. Todo o esforço delas, ao lado das barreiras naturais na disputa política, tem ainda que vencer camadas profundas de preconceito.

Pior que isso é o fato de homens públicos expressarem preconceito de gênero sem maiores reservas. Eis que numa capital simbólica no país, Porto Alegre, repercutida pelos Fóruns Mundiais que sediou vanguardeiramente, um prefeito da responsabilidade de Fortunati (PDT) se dá ao desplante de uma frase profundamente infeliz e danosa ao espírito civilizatório.

É um duplo preconceito. Primeiro, contra o eleitor. Seria “massa de manobra” da “beleza”… Já vimos filmes parecidos. Talvez o povo gaúcho portoalegrense seria o mais injustiçado por essa alegação, dadas as tradições politizadas lá presentes. Segundo, apela à regressão contra uma tendência inelutável das mulheres em ocupar mais espaço político. É dizer algo da mesma qualidade do “estupra, mas não mata”, celebrizada em São Paulo em outras eras, mesmo que não do mesmo tamanho.

Questionar as propostas e compromisso de Manuela com a cidade pode ser um argumento político para o debate, embora pueril, próprio de quem não tem outro argumento. Mas dizer que a liderança dela nas pesquisas “leva em consideração a beleza, a juventude” não é só uma frase infeliz, captada em alguma das “qualis” da vida. Nesse caso revela apenas a pobreza do pré-candidato.

Depois das infelizes alegações de Fortunati, ele afirma que vai “fazer um debate de alto nível”. Imaginem só, pelo começo da conversa.

É evidente a trajetória de Manuela pelas propostas, inventividade, capacidade em representar o povo de Porto Alegre e Rio Grande do Sul, obter conquistas significativas para o estado. Evidente quer dizer reconhecida pelo eleitorado, em sucessivas ocasiões. Manuela colheu os êxitos por esse caminho. Fortunati dá um tiro no pé. Beleza não é tudo, mas certamente não é crime. Juventude também é atributo para a experiência, sobretudo a experiência para a inovação, depois de mandatos vitoriosos como deputada federal. Machismo, sim, é crime contra a civilização, mesmo que não esteja no Código Penal.

Vamos em frente, o trem vai passar. As mulheres ocuparão seus espaços e as alegações de Fortunati ficarão no escaninho da história, testemunha de um tempo em que alguns não se dão conta das tendências contemporâneas. A palavra final será do eleitor de Porto Alegre.