Movimentos sociais manifestam repúdio ao golpe no Paraguai

Há um mês, o Congresso do Paraguai iniciava o processo de julgamento político do presidente eleito Fernando Lugo, que horas depois culminava em mais um golpe de Estado na América Latina.

Para marcar a data e se somar a uma série de protestos que ocorreram neste final de semana no Paraguai e em diversas cidades do continente, organizações que representam imigrantes paraguaios no país, além de partidos políticos, sindicatos e movimentos populares, realizaram um ato na tarde deste domingo (22), em São Paulo.

O local escolhido foi a Praça Nicolau Morais de Barros, conhecida como Praça dos Paraguaios, no bairro da Barra Funda. Ponto de encontro tradicional das famílias de paraguaios que vivem em São Paulo, a praça, neste domingo ensolarado, foi palco não apenas do futebol, tão praticado pelos latinos, mas de muito protesto e indignação.

"Precisamos acordar para o que está acontecendo agora em nosso país. Não podemos permitir que somente alguns enriqueçam explorando o Paraguai. Trabalhamos dia após dia aqui no Brasil para apoiar nossas famílias, que estão lá. Temos uma história a defender", afirmou Cristina Romero, da Associação Japayke, que significa "despertar" em guarani.

Também integrante da Japayke e do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos em Luta pela Paz (Cebrapaz), o jovem Leo Ramirez, estudante de Relações Internacionais aqui no Brasil, criticou o golpe, praticado "por setores políticos que historicamente se matavam pelo poder em guerras civis e que agora decidiram se unir para derrubar um governo eleito pelo voto popular".

Ele lembrou que o povo paraguaio vem resistindo ao golpe e se manifestando diariamente no país, em cidades como Villa Rica, Caaguazú, Ciudad del Este, Encarnación, Concepción e, principalmente, Assunção. Mas os protestos são invizibilizados pela imprensa, e parte da população tem medo de se manifestar porque pesa no país a "cultura do garrote" (da "porrada"). Apesar de achar que as chances de Fernando Lugo voltar ao poder são remotas, Ramirez acredita que o descontentamento da população está crescendo e que a esquerda, por mais contraditório que pareça, está passando por seu melhor momento.

"Os grupos progressistas no Paraguai estão dando seus primeiros passos. Foram inocentes no começo, apesar da experiência política que tinham. Historicamente, democracia no Paraguai só funciona para quem tem dinheiro. O que temos que fazer agora é politizar as pessoas, explicar as consequências do golpe para o povo. Acredito que nosso melhor momento ainda vai vir. Mas dependemos de ajuda para que o Paraguai não caia de novo numa ditadura", acredita.

"Se a esquerda não se unir para as próximas eleições, de 2013, não vai conseguir se eleger. É preciso discutir política de Estado, para que o povo saiba diferenciar esquerda e direita. No Paraguai, orientação política é algo que vem de família, como time de futebol. Mas acredito que a geração que nasceu pós-ditadura vai fazer diferença, se tiver coragem e sair às ruas por seus direitos", afirmou Leo Ramirez.

Solidariedade internacional

Um mês após o golpe, a solidariedade internacional com a esquerda paraguaia e o governo eleito democraticamente do presidente Lugo continua. Desde este sábado, até a próxima terça-feira, acontece no Paraguai uma jornada de atividades de apoio promovidas por partidos de esquerda da América Latina que integram o Foro de São Paulo. Neste final de semana, representantes do Brasil, Argentina, Uruguai e Chile se reuniram com parlamentares da Frente em Defesa da Democracia e Frente Guasu. Eles também terão reuniões com o movimento campesino, que esteve no centro do conflito que antecedeu ao golpe, liderado pelos políticos do Partido Liberal, Partido Colorado, PPQ e UNACE.

"O latifúndio está no centro do golpe no Paraguai. Lá, 85% das terras estão nas mãos de 2% de latifundiários. Ganham do Brasil no índice de concentração de terra. Sabemos que a luta dos trabalhadores sem-terra no Paraguai foi usada como pretexto para o golpe; assassinaram os trabalhadores para culpar o governo Lugo. Mas a culpa é do latifúndio, que impediu, durante todo o governo Lugo, os avanços progressistas. Basta lembrar do papel da Monsanto para desestabilizar o governo. Foram o latifúndio, o imperialismo e os partidos corruptos de direita, que há tempos dominam a política do Paraguai, os responsáveis por este golpe", afirmou Igor Felippe Santos, do MST.

O MST, assim como diversas organizações presentes ao ato, cobraram do governo brasileiro medidas mais firmes contra os golpistas e o governo Franco. Para os imigrantes paraguaios, apesar das sanções econômicas poderem prejudicar a população local, seria necessário que elas fossem impostas pelo Mercosul, pois só assim o regime de Franco seria atingido.

Neste domingo (22), o Tribunal Permanente do Mercosul rechaçou o pedido do governo Federico Franco para tornar sem efeito a suspensão decidida pelos demais integrantes do bloco, por conta da destituição de Lugo. Franco apresentou o recurso por conta da sanção e da decisão de incluir a Venezuela como membro pleno do bloco, que inclui ainda Brasil, Argentina e Uruguai.

O tribunal afirmou que não estavam "presentes todos os requisitos de admissibilidade do processo de urgência excepcional" e que era "inadmissível, nesta instância, a medida provisória solicitada (pelo Paraguai) sob demanda" para reverter a decisão dos seus integrantes, segundo laudo divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores paraguaio.

"Há um novo ciclo político na América Latina. O que passou no Paraguai é uma fase deste ciclo, que pode se repetir em outros países. Vivemos neste momento a batalha pela segunda e verdadeira independência da nossa Pátria Grande. Houve uma derrota temporária. Mas a luta de restituir a democracia no Paraguai também é nossa", concluiu Ricardo Abreu (Alemão), diretor de Relações Internacionais do PCdoB.

Fonte: Carta Maior