José Borzacchiello da Silva: Vida e cidade

Por *José Borzacchiello da Silva

A cidade nos envolve de tal forma, tornando difícil viver sem ela. Impossível sair de uma sem cair noutra, assim dizia o poeta Octávio Paz sobre a força da cidade em nossas vidas. A casa é o invólucro que nos protege.

O que seria da casa sem a cidade? Afastamo-nos de casa para trabalhar, estudar, recrear, mas voltamos a ela. E ela está na cidade, uma espécie de determinação que fixa-nos nesses aglomerados de aproximação, aumentando a ocupação, densidade e atividades.

A cidade é o nosso destino. Cresce, se agiganta, agregando mais e mais forasteiros que chegam. Alcança seu clímax quando atende plenamente às necessidades de seus cidadãos, tornando-se protetora. Ainda não é o caso de Fortaleza, que em seu processo de crescimento sacrifica a natureza, macula sua imagem e maltrata o cidadão confundindo a memória urbana.

A cidade cresceu e sua paisagem revela um quadro cruel de vulnerabilidade socioambiental: praias e rios poluídos, lagoas aterradas, áreas desmatadas e dunas ocupadas, moradias precárias. O patrimônio ambiental de Fortaleza ultrapassa sua condição de natureza e se institui como mercadoria.

Próximo do Centro corria um riacho chamado Pajeú. Como mostrá-lo para nossas crianças? Dirão diante do que sobrou: Isso é uma vala, cadê o rio? E lá se vai nossa história. E as dunas brancas cantadas por Ednardo, onde localizá-las? Nossos verdes mares bravios estão poluídos. É duro falar de nossa cidade com nostalgia. Temos a sensação que a especulação imobiliária engoliu tudo. O solo da terra do sol transformou-se em potencial construtivo. Tantos metros quadrados aqui, ali e assim por diante.

No Brasil as cidades se expressam mais como mercado, contrariando seu caráter de lugar da vida e realização humana. Nelas a competição urbana é acirrada e a luta pelo espaço dá-se em toda parte. Favelas, áreas de risco, população de rua, apartamentos minúsculos em periferia distante. Edifícios enormes com apartamentos enormes revelam a condição de desigualdade do povo. Favelas e conjuntos residenciais brotaram rapidamente no entorno das cidades, transformando tudo em território desordenado e mal equipado.

O Minha Casa, Minha Vida, não consegue esconder as mazelas das sucessivas políticas habitacionais, incapazes de atender uma enorme demanda reprimida à espera de moradias com direito a ruas asfaltadas, limpeza pública, transporte eficiente.

Fortaleza é uma só, entretanto, uns bairros são melhores que outros. Nossa vida é vivida na cidade. Lutar por Fortaleza é defendê-la, é exercitar a cidadania. A paisagem atual é a expressão de sua condição calamitosa: grades, cercas elétricas, câmeras, guaritas de policiais e segurança privada. A cidade é local da reprodução da vida e se há demanda por uma vida digna, é dever cívico fazê-la melhor, capaz de garantir trabalho, repouso e festa.

*José Borzacchiello da Silva é Geógrafo e professor da UFC

Fonte: O Povo