Indicados ao Oscar provam que Israel é um Estado de apartheid 

A temporada de prêmios está a todo vapor em Los Angeles e, pela primeira vez na história do Academy Awards, dois filmes sobre o conflito Israel-Palestina estão na competição pela categoria de melhor documentário.

Por Eli Ungar-Sargon*

Documentário 5 Câmeras Quebradas - Palestina - Issam Rimawi - The Electronic Intifada

Para aqueles de nós empenhados por uma resolução justa para o conflito, uma leitura mais próxima desses filmes pode ajudar a decifrar o significado dessa atenção extraordinária.

Os guardiões (The Gatekeepers) é um documentário clássico de cabeças que falam. O que o diferencia de outros filmes do gênero é a identidade das cabeças falando: seis homens que lideraram o Shin Bet [central de inteligência israelense], ou Serviço de Segurança Interna, desde o começo do Estado de Israel até o presente.

O filme é primorosamente estruturado e move-se sem esforço da história (que é enquadrada por filmagens de arquivo) para as análises estratégicas, que se colocam em contraste com o cenário de salas de áudio desenhadas de forma astuta. O centro do filme está nas questões éticas complexas que o diretor israelense Dror Moreh introduz ocasionalmente desde atrás da câmera.

Foco delimitado

O conceito de Os guardiões, segundo Moreh, que continua a repetir através de suas várias declarações, é que estes seis homens, encarregados de manter Israel seguro por muitas décadas, concordam todos com a premissa de que a ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza precisa terminar.

Desde uma perspectiva israelense, esse é um gambito retórico de um membro da esquerda dizimada: “escute essa gente”, Moreh parece estar pedindo, com seus compatriotas. As nuances políticas serão perdidas pelo público estadunidense, mas Os guardiões enquadra-se bem na regressão cultural bizarra que estamos presenciando atualmente nos Estados Unidos, com séries de TV como Homeland [que explora conceitos militaristas e cheias de estereótipos da “segurança”] e filmes como A hora mais escura [lançado em dezembro no Brasil, sobre a “caçada” a Osama bin Laden]. A estética de Os guardiões joga com o nosso fetiche pelo contraterrorismo e suas tecnologias voyeuristas.

Mas e a perspectiva palestina? Infelizmente, Os guardiões reduz os palestinos a entidades éticas abstratas em cenários de bombas-relógio. Presume-se que isso deriva do conceito geral de filme que escolhe limitar seu foco a esses seis homens, mas o resultado é que os únicos palestinos em que pensamos são “mestres do terrorismo”.

Pior ainda, um dos capítulos do filme intitula-se “A vitória é vê-lo sofrer.” Isso vem do antigo chefe do Shin Bet, Ami Ayalon, que credita a frase a Jabril Rajoub, da Autoridade Palestina. Incrível, Ayalon nos diz que ouvir Rajoub dizer isso foi o que finalmente forçou-o a criar empatia com os palestinos em sua luta.

"Ressonância emocional"

Em contraste, 5 Câmeras Quebradas (5 Broken Cameras) é todo sobre a perspectiva palestina. As imagens que o codiretor Emad Burnat filmou por cinco anos de demonstrações desarmadas semanais em sua vila de Bilin tem um imediatismo que estilhaça a sedução do valor de alta produção de Os guardiões.

Produzido por uma fração do custo deste filme, 5 Câmeras Quebradas é como um soco no estômago. Há quase nenhum contexto histórico explícito, mas a narração de Burnat alcança uma ressonância emocional que só um relato em primeira pessoa por alcançar.

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O codiretor Guy Davidi estruturou sabiamente o filme à volta do período útil das várias câmeras que Burnat usou para documentar sua vida, cada uma delas eventualmente quebrada. O filme de Burnat e Davidi é político de uma forma menos declarada, mas mais subversiva que o de Moreh. Ele contorna a retórica calcificada que tão frequentemente caracteriza a discussão sobre Israel e Palestina e vai direto ao coração.

Como o documentário Budrus, de Julia Bacha [sobre os protestos em uma vila com este nome, na Cisjordânia, contra a construção de um muro de separação, no começo dos anos 2000], 5 Câmeras Quebradas confronta o expectador com uma realidade que seria difícil de acreditar se você não estivesse assistindo com seus próprios olhos e escutando com seus próprios ouvidos.

O mundo está acordando?

Então, o que a nomeação desses dois filmes nos diz sobre o ponto em que nossa cultura se encontra nas questões sobre Israel e Palestina? Como a revolta diplomática recente na ONU, que levou ao reconhecimento da Palestina como um Estado observador não-membro, eu acredito que isso é um sinal de que o mundo está finalmente acordando para o fato de que algo está apodrecido no Estado de Israel. Este algo, entretanto, está sendo mal identificado com a ocupação de 1967. A verdade, claro, é que a ocupação é nada mais que um sintoma de um apodrecimento muito mais profundo. O problema é a etnocracia israelense.

O fato de que Israel não é um Estado para todos os seus cidadãos e nunca foi é a razão pela qual a maioria do povo palestino vive no exílio, como refugiado. É também a razão pela qual os palestinos cidadãos de Israel continuam a viver como cidadãos de segunda classe. A ocupação militar da Cisjordânia e da Faixa de Gaza persiste, porque se Israel fosse dar a cidadania a palestinos residentes nesses dois territórios, não seria um Estado de maioria judia.

A lógica israelense é, assim, motivada por um modelo de nacionalismo hostil ao valor democrático fundamental de igualdade. A ocupação, como vista tanto através da lente de Os guardiões como de 5 Câmeras Quebradas, oferece evidência clara e irrefutável da etnocracia israelense. Mas a ocupação por si só não é a causa, nem a solução para o conflito.

Terão Os guardiões e 5 Câmeras Quebradas algum impacto na audiência israelense? Infelizmente, acho que não. Já há indicações de que o primeiro foi tratado com indiferença pelo público israelense e parece que Davidi está enfrentando uma batalha dura para fazer com que 5 Câmeras Quebradas seja exibido para a juventude israelense.

Será que isso poderá mudar se um dos filmes vencer um prêmio no evento do Academy Award, no final do mês? Estou pessimista. Como as recentes eleições israelenses demonstraram, o conflito com os palestinos já não é uma questão com a qual a maioria dos israelenses se importa. Mas o mundo está observando, e esses filmes, assim como a injustiça refletida neles, agora têm audiência global.

Eli Ungar-Sargon é um documentarista baseado em Los Angeles. Tem trabalhado num documentário sobre o conflito Israel-Palestina nos últimos quatro anos, e o filme está entrando na fase de pós-produção.
 
Fonte: The Electronic Intifada 
Tradução: Moara Crivelente, da Redação do Vermelho