Osvaldo Bertolino: O PIB medíocre e as eleições 

A reação da mídia e dos tucanos em geral ao desempenho medíocre do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2012, com um miserável crescimento de 0,9%, já raiou a indecência. Imediatamente após a divulgação dos números, a manipulação tomou conta do noticiário econômico. Há, evidentemente, problemas muito mais graves do que os apontados pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, mas eles passaram longe dos diagnósticos midiáticos.

Por Osvaldo Bertolino*

Segundo o ministro, a causa engloba o baixo desempenho da agropecuária — provocado pelo período de seca e chuvas no país — e da indústria, que “teve um resultado fraco”. Além disso, ele afirmou que o ano passado foi afetado pela crise geral do economia global, a exemplo do que aconteceu em 2009, quando a economia teve retração de 0,3%.


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Os números divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram uma desaceleração, já que em 2011, ante 2010, a economia teve uma expansão de 2,7%. No acumulado de 2012, a indústria teve uma retração de 0,8% no PIB na comparação com o ano anterior. Agropecuária também apresentou retração no período — queda de 2,3%. Na contramão, o setor de serviços encerrou o ano passado com crescimento de 1,7%.

O ministro comentou ainda que, ao passo que o segmento industrial teve um PIB fraco, a atividade de serviços teve um desempenho positivo. Comparado com o trimestre anterior, o PIB dos três últimos meses do ano passado registrou um avanço de 0,6%, na série com ajustes sazonais. Anualizando esse resultado, a economia está avançando 2,2%, afirmou Mantega, destacando que o crescimento de serviços “teve uma expansão anualizada de 4,4%”.

Pelo lado da demanda, o consumo das famílias cresceu 3,1% em 2012. Os gastos do governo tiveram expansão de 3,2% e a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) — que representa o investimento em máquinas e equipamentos e na construção civil — caiu 4% em 2012 sobre 2011. Os dados do IBGE revelaram ainda que a taxa de investimento atingiu 18,1% do PIB no ano passado. Em 2011, o investimento representou 19,3% do PIB, e 19,5% no ano anterior. Essa taxa, portanto, vem baixando desde 2010. No setor externo, as exportações cresceram 0,5%, segundo o IBGE. Do outro lado, o das importações, houve avanço de 0,2% em 2012.

Taxa de investimento

A taxa de investimento é o problema que mais chama a atenção. Chegou a hora de nos livrarmos definitivamente da bola de chumbo que e “era FHC” atou ao tornozelo da produção nacional — as altas taxas de juros — e voltarmos os olhos com mais atenção para o crescimento econômico. Além de ser preciso acabar com esse fundamentalismo monetário dos xiitas neoliberais, o Brasil precisa persistir no caminho da geração de empregos e renda. Além do palanque, a força dos governistas consiste em gerar números e fatos que confirmem as propostas que fizeram os brasileiros optarem por três governos sucessivos de viés popular e democrático. E assim, fechar os espaços para a especulação politiqueira da mídia.

Não é à toa que o tucanato midiático mandou as manipulações que envolvem desde a segurança pública no país — a pauta do caos — para segundo plano no noticiário político e se concentrou da mediocridade do PIB. A politicagem segue sempre cursos mais fáceis para arrastar o debate eleitoral para os subníveis da histeria. No terreno, contudo, a direita não tem o que apresentar além da proverbial repetição de números e frases vazias a la Goebbels. Ela pretende, obviamente, ressuscitar o projeto neoliberal. O desafio é neutralizar a dicotomia entre inflação baixa, represada pelos juros altos, e crescimento econômico sem mexer nos fundamentos do modelo que reinou na “era FHC”. A mídia diz que é possível. O povo não acredita. Por isso, qualquer candidatura que surgir empunhando essa bandeira tende a não decolar.

Como não dá para servir a dois senhores, o campo conservador está claramente a serviço do capital financeiro e terá de deixar isso claro no curso do debate eleitoral. FHC prometeu conciliar esses conceitos opostos e não cumpriu. Nem tentou — o que demonstra a demagogia eleitoreira da direita ao atacar o governo com os números do IBGE. Por que o povo acreditaria que agora isso será possível? O campo governista, por seu turno, leva vantagem por dizer claramente o que pretende fazer. E por isso contraria alguns e agrada muitos. Seu programa não deixa margem para dúvidas sobre qual rumo o país deve seguir.

Ritmo e rumo

Mas a velocidade não pode ser essa. É preciso ajustar o ritmo ao rumo. Temos problemas estruturais que exigem bisturi; não se resolvem com anestésicos e muito menos com panos quentes. Aparentemente, o governo está e continuará caminhando nessa direção — e isso é bom. Mas também é certo que está faltando em Brasília, ao lado dessa vontade política, o sentimento de que tais medidas demandam velocidade, de que é preciso adequar o próprio passo ao ritmo ditado pela fome sagrada de um país em crescimento, e nunca o contrário. O Palácio do Planalto precisa ter mais claro que os interesses de uma nação e os de sua elite conservadora não coincidem e que aqueles devem sempre se sobrepor a estes. Eis a questão.

Os brasileiros elegeram esses três governos sucessivos basicamente porque o crescimento econômico e a geração de empregos não apareceram no debate eleitoral como algo estrambótico — como nas propostas do campo conservador. Esses itens do programa de governo estavam solidamente amarrados pelas propostas de boa administração macroeconômica e vigor na ação social. E esse escopo abarcava as aspirações de camadas da população nas quais se encontram desde o sujeito socialmente excluído até uma sólida fatia do empresariado nacional produtivo.

Os tucanos José Serra e Geraldo Alckmin, os candidatos conservadores que perderam as eleições presidenciais para Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, não passaram verdade em suas falas.
Eram claramente os candidatos do sistema que sempre oprimiu o povo, gente do mundo do dinheiro e da mídia. Lula e Dilma, por sua vez, passaram segurança ao dizerem que levariam país ao encontro da sua vocação histórica de independência e progresso. E viraram o alvo preferencial do poder econômico. Era previsível, portanto, que o debate eleitoral, deixaria a esfera das propostas de gestão para o país e entraria no terreno do espetáculo circense. E aí surgiram uma sucessão de denúncias vazias — sendo a mais grave delas a farsa do “mensalão” — bem ao da mais completa desonestidade política histórica do campo conservador.

Debate desde já

O governo brasileiro e a sua base política de sustentação entre o povo têm o grande desafio de fazer esse debate com firmeza desde já. Os efeitos da crise geral do capitalismo, evidentemente, devem ser considerados. Mas há o outro lado da moeda. Uma das características mais marcantes deste cenário é a passagem para uma nova fase da economia em muitos lugares — sobretudo na América Latina —, distinta daquela histeria inaugurada nos anos 1980 pelos governos neoliberais de Margareth Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (Estados Unidos). Ali começou a pregação fundamentalista de que as “forças de mercado” substituiriam com sucesso a “vontade dos governos”. A justificativa para isso era a suposição arbitrária de que os defeitos dos governos seriam mais perversos à sociedade do que as falhas do mercado.

A essa idéia somou-se uma outra: a de que os países menos desenvolvidos deveriam afrouxar os controles para a circulação de capitais em suas fronteiras. Essa tese, um tanto paranoica, serviu a ideologias que veem o mundo numa fase final da história, na qual só resta o caminho da conformação do eterno conflito entre ricos e pobres, entre centro e periferia. De acordo com esse raciocínio, a causa da pobreza de muitos não seria mais os instrumentos que garantem a riqueza de poucos.

O prêmio Nobel de economia de 1995, Robert Lucas, chegou a proclamar: “Quando se começa a pensar em crescimento, é difícil pensar em qualquer outra coisa.” Ou seja: para ele, diante da importância do crescimento seria difícil dar ênfase a outras políticas econômicas. O efeito extraordinário do crescimento econômico, no entanto, não pode obscurecer questões importantes para medir o seu efetivo benefício para o conjunto da sociedade.

Distribuir renda e riqueza

A constatação de que o impacto do crescimento econômico sobre o bem-estar da população é decisivo leva imediatamente à pergunta (particularmente importante para os países com muitas pessoas pobres, como é o caso do Brasil): como distribuir esta riqueza de forma eficiente? Entre os fatores determinantes para a melhor utilização dos recursos disponíveis estão o papel do Estado como um ente preparado para a prestação de serviços sociais, os investimentos em infra-estrutura e a elevação dos salários.

No fundo, esse é o debate que realmente interessa. Economias do tamanho da brasileira não costumam crescer a taxas acima de 5% ao ano. Mas o Brasil não só precisa dessa taxa como precisa que ela seja contínua — conceito que alguns chamam de “crescimento sustentável”. Para reduzir a pobreza, elevando a renda per capita, estudos mostram que o PIB precisa crescer entre 5% e 6% ao ano apenas para incorporar a mão-de-obra que está entrando anualmente no mercado de trabalho — além de absorver parte dos desempregados.

Crescimento não é igual a desenvolvimento. Entre o final dos anos 1960 e o início da década de 80, o Brasil cresceu a taxas anuais superiores a 8%. Nem por isso as desigualdades de renda diminuíram na mesma proporção. A Finlândia não cresceu tanto, mas sua população de 5 milhões de habitantes tem uma renda per capita em torno de 20 mil dólares, segundo o Banco Mundial. Sob diversos parâmetros — expectativa de vida, taxa de mortalidade infantil, índices de escolaridade —, os finlandeses têm características de país muito mais desenvolvido que o Brasil.

Para crescer e desenvolver-se, um país precisa, antes de tudo, aumentar a sua produtividade. Isso é feito, basicamente, pela incorporação de máquinas mais modernas, pela qualificação da mão-de-obra e pela adoção de formas mais eficientes de produzir. E a riqueza produzida precisa ser melhor distribuída, por meio de investimentos sociais e infra-estruturais e da elevação da renda para quem vive de salários.

Diagnóstico da Cepal

Em 2008, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) divulgou um cálculo ilustrativo. Se o crescimento da produtividade fosse igual a zero, as economias da região precisariam crescer a uma taxa anual de 2,1% até o ano 2015, apenas para evitar um aumento do desemprego. Se a produtividade crescesse no ritmo de 3,7% ao ano (média do período 1950/1973), então o PIB precisaria variar 5,8% ao ano. Como a produtividade brasileira vem crescendo em média 7% anuais, é claro que o crescimento do PIB precisa ser ainda maior, apenas para não criar mais desempregados.

E será que uma economia de aproximadamente R$ 3 trilhões pode se dar a esse luxo? É claro que tamanho faz diferença, mas é preciso aqui fazer outra constatação. Países desenvolvidos já possuem usinas de energia, estradas e outras infra-estruturas para atender a suas necessidades. Nesses casos, o crescimento tende a ser naturalmente mais lento. Mas no Brasil ainda há muito o que fazer. O país precisa, desesperadamente, de melhorias infra-estruturais. Ou seja: o Brasil não só pode como deve crescer acima de 5%.

A Cepal identificou que, ao menos no médio prazo, o crescimento da América Latina pode ser assegurado pelas altas dos preços internacionais das commodities. A região é dona de grandes reservas minerais. Na avaliação da Cepal, os países latino-americanos deveriam aproveitar o momento mais favorável para reforçar sua presença internacional e rever alguns modelos mais frágeis que ainda servem de sustentação econômica. Entre as prioridades estariam reduzir a dependência das exportações de produtos básicos.

O pensamento progressista latino-americano há tempos discute os obstáculos impostos à industrialização do sub-continente. A Cepal foi a referência maior nesse debate, inaugurado pela reflexão inspiradora de Raúl Prebisch sobre os vínculos desiguais entre as economias centrais e as regiões periféricas, e a necessidade de maior coordenação entre os países da América Latina para superar óbices como a deterioração continuada dos termos de nosso intercâmbio com a Europa e os Estados Unidos.

Estado mais cobrado

Sabemos que no Brasil esse desafio não foi enfrentado. O país levou a cabo um extenso programa de substituição de importações, modernizou seu parque industrial, mas manteve largos segmentos inteiramente à margem do processo produtivo, sem acesso às benesses do crescimento. Com poucos governos de visão social, o Estado esteve por muito tempo ausente não apenas da tarefa de distribuir renda mas também da de habilitar toda a sociedade a participar da dinâmica produtiva.
A máquina pública expandiu-se, mas para contemplar interesses elitistas, sem atenção aos reclamos da maioria da população. Na “era neoliberal”, o assédio institucionalizado de setores privilegiados aos canais de decisão foi explícito. Acentuou-se o vício histórico do patrimonialismo, em que o público se vê refém do privado.

Essa situação começou a mudar com o governo Lula. Com o avanço da cidadania, a sociedade também avançou. Multiplicaram-se as instâncias de representação. Os movimentos populares abriram espaços cada vez mais amplos para o debate público, atuando como uma verdadeira ágora desses novos tempos.

Mas o Estado ainda precisa ser mais bem cobrado no desempenho de suas tarefas. Os nichos historicamente privilegiados devem estar sob o crivo de segmentos sociais mais vigilantes para impor limites à privatização do Erário. O governo federal tem feito esforços para democratizar o Estado, para que ele se torne mais transparente e responsável.

Iniciou a concertação do poder público com os movimentos sociais. A descentralização administrativa e orçamentária também concorreu para aproximar a população do gestor público. No entanto, o governo precisa acelerar a recuperação da capacidade do Estado cumprir seu papel. Ou melhor: o Estado precisa se credenciar para cumprir finalmente a meta de universalização dos serviços públicos.

Pode-se dizer que estamos passando de um Estado do mal-estar social para a possibilidade de se ter um Estado virtuoso, que assegure a todos os brasileiros condições satisfatórias de vida. Mas o ritmo ainda é lento. Ainda temos uma política monetária indomada e uma condução tímida das diversas políticas públicas — condições que implicam em temor sobre a longevidade e eficiência do crescimento do PIB. 

*Osvaldo Bertolino é jornalista, comunista e editor do Portal da Fundação Maurício Grabois.

Fonte: Portal da Fundação Maurício Grabois.