Mulheres comemoram unidade da esquerda no oito de março

Uma vitória para a esquerda brasileira. Foi com esse pensamento que mulheres de organizações, coletivos, partidos políticos, sindicatos e centrais sindicais marcharam, unificadas, no ato do Dia Internacional da Mulher, no Centro de São Paulo. Não foi a primeira vez que as diversas correntes da esquerda se reuniram em torno do tema. Mas, foi a primeira vez que houve uma unidade efetiva em torno das principais bandeiras do movimento de mulheres e que são comuns.


Concentração da marcha na Praça da Sé, em S. Paulo. Em seguida, elas saíram em marcha pelas ruas do centro, até a Praça Ramos de Azevedo/ fotos: divulgação UBM

A mobilização resultou no ato do Oito de Março e em um manifesto conjunto. Trabalhadoras da saúde, educação, estudantes, sindicalistas, todas reunidas. Entre as várias divisões que existem no movimento de mulheres, não havia uma que não estivesse lá, marchando, discursando, falando ou, simplesmente, cantando e contribuindo para a animação da marcha. 

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Também os homens se fizeram presente, como o estudante paulistano de cursinho pré-vestibular Otavio Henrique Nascimento Teixeira, 18 anos. “Vim em solidariedade às mulheres. O feminismo é de todo mundo. Temos que acabar com o machismo de vez”, declarou Otávio, que esteve pela primeira vez numa mobilização do Dia Internacional da Mulher.

Enquanto a marcha avançava, a batucada da Fuzarca Feminista e artistas iam à dianteira, abrindo caminho, contagiando os presentes. Por onde passavam era possível ver no rosto dos trabalhadores e transeuntes habitués, do movimentado centro da cidade, um sorriso, um olhar, uma expressão de surpresa, palmas e olhares curiosos. Impossível ficar de fora diante de tanta mobilização.

Entre os manifestantes estava a professora Erundine Arrouge, 61 anos, que é associada do Sindicato dos Professores de Santos (Apeoesp) e milita há 30 anos. Ela veio de sua cidade natal com um grupo de professoras para participar do ato. “É importante somar para acabar com a desigualdade humana, racismo e homofobia”, afirmou Erundine.

Como a professora santista, diversas militantes se deslocaram de outras cidades do estado para a manifestação, que agregou organizações de todo o estado. Os movimentos ainda não divulgaram os números da mobilização, mas foi possível testemunhar que o marco zero da cidade, Praça da Sé, ficou tomado pelo rosa, lilás e vermelho, cores que representam os movimentos. Eles saíram da Sé e seguiram pelas ruas centrais até a Praça Ramos de Azevedo. Nem mesmo uma forte chuva que castigou a cidade, quase no final do percurso, abateu o grupo.

Bandeiras de luta

Raimunda Gomes, a Doquinha, secretária da Mulher Trabalhadora da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), observou bem a grande representatividade e diversidade do ato.

“Todas as bandeiras não contemplam porque a diversidade é muito grande. Mas a gente vem aprimorando uma coisa que é fundamental, que é afunilar para aquilo que unifica. Não adianta você ficar apostando no que separa. Esse ato tem um diferencial, traduz o anseio e a luta das mulheres dos mais diversos segmentos”, declarou.

Doquinha enfatizou que todos os organizadores acolheram as pautas do mundo do trabalho, o que representa uma grande vitória.

“Para nós do mundo do trabalho tem um significado muito importante este ano porque foram acatadas as nossas propostas: de salário igual para trabalho igual; nenhum tipo de discriminação ou assédio moral, sexual dentro do ambiente de trabalho; ampliação da licença maternidade de 180 dias para todas as trabalhadoras; igualar trabalhadores e trabalhadoras domésticas e a votação do PL da Igualdade 6653, que não só iguala salário mas garante a igualdade de oportunidade de ascensão no ambiente de trabalho. Então, essa marcha traduz nossa ansiedade nos pontos que nos unifica”, completou a Secretária da Mulher Trabalhadora da CTB.

Também estiveram presentes integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que promove a Jornada das Mulheres em todo país e resultou em um grande acampamento do MST e de outras entidades da classe trabalhadora do campo, em Brasília.

“O movimento[MST] tem uma preocupação efetiva na igualdade, por isso é importante estarmos aqui presentes. Neste ano, temos uma grande atividade das trabalhadoras que estão fazendo um grande acampamento nacional, em Brasília. Portanto, viemos hoje, mesmo com uma pequena representação, para prestar solidariedade nessa luta que é de todas e todos nós”, explicou Jade Percassi, da coordenação estadual do MST em São Paulo.

Na véspera da marcha, cerca de 700 sem-terra ocuparam a sede do ministério da Agricultura para denunciar a paralisação da reforma agrária e a opção do governo federal pelo atual projeto de desenvolvimento. Também nos estados estão ocorrendo ocupações de terras, de órgãos públicos, além de integrarem as diversas marchas que ocorreram em todo país. 

Em cima do carro de som, a coordenadora estadual da União Brasileira de Mulheres, em São Paulo, Rosina Conceição de Jesus, disse ao Vermelho que, apesar das diferenças políticas, as mulheres neste ano chegaram à conclusão que é preciso uma maior articulação em torno das demandas de gênero. 

“Apesar da dificuldade, são várias organizações, de vários movimentos, não só movimento de mulheres, mas de moradia, pró-saúde, movimento negro, sem-terra. A gente sabe que cada organização tem suas prioridades e é preciso respeitar isso. Mas, em cada um desses movimentos estão se formando núcleos de mulheres organizadas, que estão mobilizadas e se integrando à luta maior em defesa dos direitos das mulheres”, comemorou Rosina, abaixada, se esquivando dos fios de alta tensão, enquanto o carro de som passava pelas ruas e avenidas.

Ela reforçou a grandiosidade do ato que, apesar de contar com a adesão das centrais e das secretarias de mulheres dos partidos políticos, é promovido pelos movimentos sociais.

“Esse ato do 8 de março tem uma particularidade que é um ato dos movimentos sociais. Tudo isso é bancado pelos movimentos desde a articulação política até o material que vai para a rua”, disse. Ela reconheceu a importância da participação maior das secretarias de mulheres partidárias e das centrais, mas lembrou que ainda é preciso ampliar mais. “Neste ano teve uma participação importante das secretarias de mulheres dos partidos políticos e das centrais sindicais. Ainda não atraímos os parlamentares para a marcha, e isso teria que ser pensado de que forma aconteceria. Mas vamos avançando a cada ano e atraindo cada vez mais gente para a luta”, completou a ativista da UBM-SP.

A coordenadora nacional da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), Nalu Faria, avalia que o oito de março tem condições de atrair cada vez mais, até por seu próprio caráter “agregador”.

“O Oito de março, como dia de luta das mulheres, tradicionalmente construímos atos amplos e unitários. Isso é extremamente importante porque o tema do feminismo, a luta pela igualdade, não tem muitas diferenças porque o patriarcado já é algo reconhecido pelo conjunto dos movimentos como algo que temos que lutar contra. Aqui tem muitas representações e é importante levar a elas a agenda de luta das mulheres, que fazemos o ano inteiro, mas que a gente converge e congrega no oito de março”, falou Nalu Faria.

Todos e todas por mais poder político para elas

Também estiveram presentes representantes do movimento de moradia como Movimento pelo Direito à Moradia (MDM), a Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), além do movimento estudantil representado pela União Nacional dos Estudantes (UNE). Todos contra a violência doméstica. Um conjunto deles também saiu em defesa de mais poder político para as mulheres.

“Estamos na articulação com as mulheres e estudantes feministas, como a Fuzarca feminista que reúne muitas estudantes e é um dos coletivos feministas que a UNE contribui para impulsionar, desde 2007. Isso é fruto do trabalho de todas nós. Viemos aqui para reafirmar a luta da mulher, mas também por uma educação de qualidade, com uma política de reparação histórica para as mulheres na educação”, falou Liliana Oliveira, diretora de Mulheres da União Nacional dos Estudantes (UNE) e integrante da Marcha Mundial de Mulheres.

Ela aproveitou a ocasião para convidar todas e todos para o 5º Encontro de Mulheres Estudantes (EME) da UNE, que acontecerá em Camaçari, na Bahia, entre 29 e 31 de março.
 
Quem reforçou o papel da luta feminista na busca por mais espaço político foi Doquinha, da CTB: “É preciso emancipar as mulher porque garantir sua autonomia politica e econômica certamente vai diminuir a violência contra as mulheres. A gente não tira o foco da violência, mas não a coloca como carro-chefe. O principal para nós é que as mulheres tenham oportunidade de ocupar espaços de poder e decisão, garantindo sua autonomia política e econômica, para que ela mesma possa se preservar e evitar essa violência. Sem o aparato social necessário, sem instrumentos públicos, não conseguirá evitar a violência”.



Ao final da marcha, depois de uma forte chuva, os manifestantes se reuniram para o registro do grupo 

Simone Silva do Nascimento, presidenta municipal da União de Negros e Negras pela Igualdade em São Paulo (Unegro-SP), também alertou para a falta de representatividade nas casas legislativas do país.

“Uma das bandeiras principais da Unegro, tiradas em nosso congresso, é empoderar a mulher, principalmente a mulher negra. A maioria é empregada doméstica, está no setor de serviços, em cargos de menor qualificação. E isso é resultado da falta de representatividade. Para se ter uma ideia, 56% dos parlamentares em Ruanda são mulheres, estando em primeiro lugar no ranking de mulheres no parlamento. Até o Iraque é melhor, com 25% de mulheres no parlamento. Já nós, temos 8,6% de mulheres. Se fizer um recorte de mulheres negras, é menos de 1%. E se vermos internamente, das 30 siglas partidárias do Brasil, todos os presidentes nacionais desses partidos são homens. Sendo que representamos 51% da população”, alertou a militante da Unegro.

“Fizemos uma articulação importante durante os três meses que antecederam a marcha. Foram muitas reuniões, muitas discussões até afinar a pauta. É um processo que vem fortalecendo a luta, avançando nas propostas. E isso já é algo a se comemorar, porque só assim vamos atrair mais mulheres e homens”, comemorou Mariana Venturini, da executiva estadual da UBM-SP.

Deborah Moreira 
Da redação do Vermelho