Morre escritor nigeriano que denunciou colonialismo devastador
Considerado pela imprensa internacional como o "pai da moderna literatura africana", o nigeriano Chinua Achebe morreu na sexta-feira (22), em Boston (EUA), onde estava internado. Ele tinha 82 anos.
Publicado 23/03/2013 15:24

Para muitos pode parecer uma grande injustiça o aposto eloquente de "pai da moderna literatura africana" dado ao escritor, num continente que conta com outros legítimos pais e mães, entre eles Wole Soyinka, Naguib Mahfouz e Nadine Gordimmer, todos eles Prêmio Nobel de Literatura.
Mas foi a própria Gordimmer quem fez essa condecoração a Achebe, em 2007, na entrega do Man Booker International Prize ao escritor, pelo conjunto da obra.
Se Achebe é o grande pai, o romance fundador da moderna literatura africana é certamente "O Mundo se Despedaça", que ele publicou em 1958, dois anos antes da independência da Nigéria.
Traduzido para mais de 50 línguas, o romance acompanha a desintegração gradual de uma tribo nigeriana, com a chegada dos missionários britânicos empenhados em propagar sua religião.
Mas o cristianismo é apenas uma das muitas instituições do invasor branco que vêm desequilibrar a antiga cultura do povo subjugado.
Toda a obra de Achebe é uma laboriosa denúncia ao colonialismo e a suas desastrosas consequências. O choque entre culturas e microculturas completamente distintas, numa África de sonho e pesadelo, é o tema central de seus livros.
No Brasil, a editora Companhia das Letras publicou também os romances "A Paz Dura Pouco" (1960) e "A Flecha de Deus" (1964), além de uma coletânea de ensaios e conferências intitulada "A Educação de uma Criança sob o Protetorado Inglês".
Tanto o Achebe ficcionista quanto o ensaísta, e também o poeta, buscavam a utopia: o grau máximo de isenção num mundo perpetuamente parcial e sectário.
Todos deram voz aos muitos protagonistas e antagonistas de uma crise feita de microcrises, de um conflito que durante décadas degradou africanos e europeus.
Bom exemplo de como Achebe equilibrava com imparcialidade essa hostilidade é "A Flecha de Deus".
Quando uma aldeia no interior da Nigéria, regida por um sumo sacerdote, começa a sofrer a interferência dos colonizadores liderados por um capitão inglês, a existência perde seu eixo sagrado.
Então, num contra-ataque, provocando estranhamento e encantamento, o discurso político e religioso do europeu é invadido pelo vocabulário dos mitos e dos rituais africanos.
Sem sentimentalismo nem maniqueísmo, "A Flecha de Deus" mostra os dois lados de um conflito ainda muito longe de acabar, alternando as duas visões: a do invasor e a do africano.
Fonte: Folha de S.Paulo