A importância da Lei de Cibercrimes

O PL 2793, sobre cibercrimes, foi apresentado por nós, Paulo Teixeira, Manuela D’Ávila e pelos coautores, em novembro de 2011, na Câmara dos Deputados. As fotos da atriz Carolina Dieckmann foram expostas na internet no mês de maio do ano seguinte. Nosso projeto, agora Lei 12.737/2012, que entrou em vigor ontem (2 de abril), nada tem a ver com as fotos da atriz, portanto.

Por Manuela D’Ávila e Paulo Teixeira *

O projeto nasceu como reação da sociedade ao PL 84/99, apelidado de PL Azeredo, que, se aprovado como inicialmente proposto, traria consequências prejudiciais para a sociedade – como, por exemplo, criminalizar o simples desbloqueio de celulares. Conseguimos, por meio de várias reuniões e conversas com o deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG), convencê-lo de que sua proposta não era adequada.

Dos mais de 20 artigos propostos pelo PL 84/99, apenas quatro foram mantidos. Deles, dois foram vetados pela presidenta Dilma Rousseff. Com a aprovação da Lei Azeredo (Lei 12.735/2012), a legislação tratou de forma mais clara os atos de racismo por meio eletrônico, reforçando o Estatuto da Igualdade Racial. A lei também determina a criação de setores especializados nas polícias para investigação de crimes cibernéticos. Nada mais. Ter neutralizado esse projeto já foi uma vitória por si só.

Nosso projeto, que foi debatido abertamente com a sociedade na plataforma e-Democracia, criminaliza a falsificação de cartões de crédito e de débito. Invadir computadores, tablets e celulares de terceiros, após violação indevida de mecanismo de segurança (antivírus, firewall ou senha, por exemplo), com o objetivo de obter, adulterar ou destruir dados, sem que haja autorização, e desde que seja para obter vantagem ilícita, também passou a ser crime.

Assim, por exemplo, se as fotos de alguém estiverem disponíveis em seu e-mail, que tenha sido deixado conectado e um técnico de informática a elas teve acesso (porque as fotos estavam disponíveis em e-mail que estava conectado), a divulgação dessas fotos não se enquadra nos crimes previstos na Lei de Cibercrimes, mas na legislação penal já existente, uma vez que o acesso ao e-mail estava aberto pelo próprio usuário.

Instalar vírus e afins também só será crime se houver a intenção criminosa na ação.

Conseguimos incluir na lei uma importantíssima excludente de ilicitude: a realização de testes de vulnerabilidade. Se uma pessoa realiza testes de segurança para averiguar a vulnerabilidade de sistemas, como já é realizado usualmente por empresas da área de segurança da informática, essa pessoa não será considerada criminosa, mesmo que ela tenha a intenção de obter, adulterar ou destruir dados, ou mesmo de instalar vulnerabilidades. Isso, afinal, é condição para que o teste de vulnerabilidade ocorra. Se não for para obter vantagem ilícita, não há crime.

Interromper serviço de internet passou a ser crime. Por exemplo, uma ação que corte os cabos que permitem a conexão à internet, derrubando o acesso à rede de toda uma comunidade, será crime. Mas “perturbar” seu funcionamento, como ocorre nas manifestações legítimas de negação distribuída de serviço (conhecida como DDoS, na sigla em inglês), quando perturbam temporariamente o funcionamento de um website, por exemplo, não é crime. Conseguimos retirar o termo “perturbar” que tinha sido acrescentado no Senado. Com isso, os protestos virtuais DDoS não foram criminalizados.

Sobre os golpes das pirâmides, é importante lembrar que na verdade eles já eram considerados crime contra a economia popular, conforme já previsto no art. 2º, IX, da Lei nº 1.521, de 1951, podendo também se configurar como estelionato.

Nosso projeto trata, sim, de questões centrais para uma sociedade que cada vez mais vive parte importante de sua vida na internet e que, justamente por essas alterações nas suas formas de convívio, precisa de uma legislação que também a proteja de algumas condutas online de que a legislação antiga não dava conta. Com a nova lei, e a consequente criminalização do ato de falsificar cartões de crédito, protegemos o consumidor dos vários golpes que são praticados, como por exemplo o chamado “chupa-cabra” (cópia desautorizada de dados do cartão no momento da venda). Invadir um computador para obter a senha de online banking de algum cidadão também passou a ser crime. Para obter fotos e e-mails, idem. Criar e espalhar vírus, para obter vantagem ilícita, também passou a ser crime. Todas essas questões são centrais e trazem grandes prejuízos para muitos cidadãos, cujo número cresce cada vez mais com a inserção de milhões de pessoas na classe média.

Como dito, o objetivo inicial do nosso projeto foi estratégico: esvaziar o PL 84/99 – que, esse sim, criminalizaria atos corriqueiros na internet. Tivemos sucesso nesse sentido. Se não fosse nossa proposta, teríamos corrido real risco de o PL 84/99 ter sido aprovado. Aprovado na íntegra, com seus mais de 20 artigos, por pressão da mídia e contra nossa vontade e dos coautores do nosso projeto. Teria sido uma derrota. Teria sido um perigo enorme para a sociedade.

A adequação do nosso projeto como alternativa somente foi possível com o apoio maciço de nossos eleitores, da população e de nossa assessoria técnica, que de forma incansável e com competência nos prestaram auxílio constante, em conjunto com a assessoria técnica do governo federal e dos demais autores do projeto.

Nossa prioridade continua sendo a aprovação do marco civil da internet, projeto fundamental à garantia da liberdade online. Nós, juntamente com o deputado Alessandro Molon, relator do marco civil, temos trabalhado nesse sentido. Contudo, há deputados e empresas organizadas que estão bloqueando a votação do marco civil da internet. Vivemos em uma democracia legítima. Temos feito nossa parte – infelizmente e contra nossa vontade, ela não tem sido o suficiente para conseguirmos votar e aprovar o marco civil.

O apoio e a articulação da sociedade civil para a provação do marco civil é essencial no processo de fortalecimento de uma internet aberta e livre para todos, que é um dos objetivos de nosso mandato.

Dessa forma, como de costume, permanecemos abertos a sugestões e à participação da sociedade civil para apresentação e defesa de projetos nesse sentido.

* Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) e Paulo Teixeira (PT-SP) são deputados federais.