Presidente do PCdoB-RJ, João Batista Lemos, recebe anistia
Com um pedido formal de desculpas do Estado brasileiro, o presidente do PCdoB do Rio de Janeiro, João Batista Lemos recebeu, em julgamento no Ministério da Justiça, em Brasília, anistia pela perseguição sofrida na época da ditadura militar.
Publicado 25/04/2013 15:53 | Editado 04/03/2020 17:03

“É conquista da luta do povo brasileiro. Muitos morreram, perseguidos e torturados para garantir a democracia no país”, disse o dirigente comunista.
Segundo ele, é preciso agora aprofundar a democracia com a reforma política que permita a participação de todos no processo eleitoral. Ele, que foi perseguido e demitido por sua atuação sindical na época da ditadura, destaca que é preços fazer a democracia chegar dentro das fábricas porque ela hoje acaba na porta da fábrica pela série de dificuldades para que os trabalhadores se organizem e lutem por melhoria de vida.
Em seu discurso, João Batista Lemos lembrou que a ditadura teve um corte de classe e que o sistema ditatorial era financiado e defendia os interesses do capitalismo e do imperialismo. Ele destacou os vários casos – dele e dos companheiros da época – que foram demitidos do trabalho por sua atuação sindical, tendo inclusive caso de trabalhadores algemados e levados presos de dentro das fábricas.
Após o pedido de desculpa – momento mais emocionante do julgamento, Batista disse que “a anistia representa mais um incentivo para continuar na luta pelo socialismo”.
Batista Lemos começou a militância política aos 15 anos no movimento estudantil secundarista. Ele contou que foi detido panfletando nas ruas quando foi decretado o AI-R, mas que era tão pequeno que foi levado para o Juizado de Menores.
Oriundo de família progressista – o pai, dentista Arnaldo lemos, foi vereador por dois mandatos em Jundiaí pelo PSP, “a cidade que o PCdoB elegeu o prefeito nas eleições de 2012”, destacou. “Minha mãe era socialista, mas não sabia”, diz Batista, destacando as características da mãe – “fraterna e solidária”.
O líder sindicalista foi demitido da Wolks na época de greve do ABC paulista que projetou o ex-presidente Lula. Depois de falar em uma assembleia, Batista foi recebido na fábrica por dois guardar que o levaram para o setor de demissões. Três meses depois da greve, ele conseguiu emprego na Mercedes onde, aos poucos foi tentando organizar os trabalhadores. Antes de conseguir formar a chapa que concorreria as eleições do sindicato, foi também demitido da Mercedes. Depois disso, ele lembra que não conseguiu mais arrumar emprego na região do ABC.
Depois da redemocratização do país, ele se engajou na luta política para eleição de Lula como dirigente do PCdoB, onde permanece até hoje. Ele diz que a luta vale a pena, que após a eleição de Lula e agora Dilma Rousseff houve muitas conquistas políticas e sociais, mas que é preciso aprofundar a democracia e insistir na luta pelo socialismo.
Confira, na íntegra, o relato/memória de militância de João Batista Lemos:
Memória da Militância de João Batista Rocha Lemos
1. Iniciação da militância– 1968 – Campinas
Comecei a minha militância política com 15 anos, em 1968 no Movimento Estudantil secundarista, mobilizado por minha irmã Áurea, que participava da JEC – Juventude Estudantil Católica e que depois se organizou na AP e em seguida se fundiu ao PCdoB. Com 13 irmãos, tive o privilégio de viver em uma família progressista, para não falar de todos, meu pai Arnaldo Lemos, dentista, foi vereador por dois mandatos na Câmara Municipal de Jundiaí pelo partido (PSP) do Ademar de Barros, a cidade que o PCdoB elegeu o prefeito nas eleições de 2012; minha mãe era socialista, mas não sabia, era fraterna e solidária, amava cada filho como se fosse o único.
Fui detido logo que foi decretado o AI-5, panfletando para uma passeata. Era tão pirralho, que me levaram para o juizado de menores e meu pai foi obrigado a depor onde fui intimado. Nesta época participávamos da FES – Frente Estudantil Secundarista. Mobilizávamos os estudantes de dentro da sala de aula para as passeatas. Nossa denúncia principal era o acordo MEC-USAID do governo entreguista da ditadura. Mancha, dirigente nacional do PSTU testemunhou minha participação neste tempo, em seu depoimento na Anistia de Dezembro de 2012. No memorial de resistência relatou que em 1969 teve o primeiro contato com as ideias socialistas comigo no Colégio Estadual Prof. Hildebrando Siqueira na cidade de Campinas.
2. 1969 a 1974 – Juventude trabalhadora.
Com o AI-5 a repressão aumentou, e nosso grupo resolveu atuar nas comunidades de jovens, foi aí que tivemos contatos com o SPES – Serviço Pastoral Estudantil Secundarista, organizada em alguns municípios do Estado de São Paulo, que tinha como dirigente Evaristo Eduardo. Ele ganhou com sua paciência e inteligência todos nós. Lá, atuamos de 1970 a 1974. Em 1972 participei de um congresso latino-americano da JEC em Lima – Peru. Neste congresso conheci as idéias da teologia da libertação, com a palestra do bispo Gustavo Gutiérrez da qual me entusiasmei.
Eduardo teve que se exilar por causa de perseguição, mas antes buscou a integração do SPES à JOC – Juventude Operária Católica, já que a base social do SPES era na sua maioria operária. Foi o meu primeiro contato com a classe. Como dirigente estadual da JOC, por volta de 1973, eu percebi que estavam me perseguindo, pois em alguns lugares de minha atuação na Zona Leste de São Paulo, como Burgo Paulista e Vila Ré, teria gente estranha perguntando por mim para me localizar. Foi quando decidimos que me afastaria por um mês, me refugiando em um sitio (roça) de minha tia em Ipomeia, cidadezinha do Sul de Minas. Quando exilado, Edu se formou na França e hoje é um grande cientista agrônomo e Doutor em Ecologia, consultor da FAO e trabalha na EMPRAPA.
3. Atuação na JOC e Ingresso no PCdoB – 1974 a 1977 – Campinas
Em 1972 já comecei a ter contato com o PCdoB com um trabalho de apoio à guerrilha do Araguaia em que consistia em arrumar remédios, roupas e outras ações. Ingressei no Partido em 1974, ao mesmo tempo em que deixei o trabalho como mimeógrafo de uma escola do curso de Madureza Evolução para trabalhar na fábrica. Consegui entrar na GE, multinacional americana na função de ajudante de produção – “A”, ao mesmo tempo em que deixei a escola no primeiro ano colegial.
Neste tempo na JOC, já tínhamos construído bases em quatro empresas em Campinas e bairros da periferia. Consegui fazer um trabalho dentro da JOC e trazer vários operários para o Partido, de Campinas, Santo André e São Paulo. Foi neste trabalho que trouxemos Arnaldo, metalúrgico ferramenteiro; Arleide, sua irmã (esta que também me citou em seu depoimento da Anistia); Maria da Penha, que compunha a direção nacional da JOC e veio ser minha companheira e mãe de meus dois filhos André e Renato; bem como sua irmã Lúcia Poço, que acabou contraindo um câncer e se foi, deixando um grande legado para a luta da classe trabalhadora; Maria do Socorro, também da direção nacional da JOC e vários outros companheiros valorosos.
Na GE organizei uma célula. Fizemos um abaixo-assinado em uma circunferência dividida em 27 partes, traçado pelo Alemão traçador de peça, de modo que não teria encabeçador. Datilografamos um cabeçalho justificando nossa reivindicação que consistia em tirar o encarregado. Era um carrasco e ninguém trabalhava sossegado, reduzindo assim a produtividade. Conquistamos nossa primeira vitória, o encarregado foi transferido de setor. O Partido orientou participar das assembléias do Sindicato, foi quando começamos a organizar a oposição sindical metalúrgica. No inicio de 1977 o dirigente do Partido, o querido Gordo propôs que eu e mais dois companheiros da oposição a entrar em contato com quem viria ser o maior líder político de nosso país o presidente LULA, com Devanir Ribeiro. Comprometeram-se a dar todo o apoio ao nosso trabalho. Depois ter começado a organizar a oposição, orientado pelo Partido, fui deslocado para São Bernardo do Campo nos finais do ano de 1977.
4. São Bernardo do Campo Finais de1977 a 1983
Somente a partir de SBC é que parece que começaram a me monitorar.
Em 9 de novembro de 1977 comecei trabalhar como prático 2 – ajudante de produção na ala5, da Volkswagen “do Brasil”. Logo me sindicalizei, e quando estourou a histórica Greve da Scania e setores da Volks, ainda não pude fazer nada por ser novo de fábrica e não tinha nenhuma base organizada do Partido, mas com esta greve e contatos com os grevistas consegui montar uma célula, o que deu condições de participar do comando de greve em 1979. Cursei no próprio SENAI no interior da Volks e conclui o curso de Inspetor de Qualidade e pude ser transferido para o setor de prensas Ala 2. Fizemos um bom trabalho de sindicalização com um processo de insalubridade sonora que permitiu a sindicalização coletiva para quem quisesse entrar no processo, conseguimos a adesão de mais de mil companheiros.
Esse trabalho que abriu condições para participar do comando da greve de 1980, eleito pela comissão de mobilização para diretoria da Associação Beneficente Cultural dos Metalúrgicos do ABC, o fundo de greve, que já se precavia da possível intervenção no sindicato e se preparava para uma greve prolongada. Fui indicado pela diretoria de Lula para participar de um grupo especial de 16 lideranças para substituir a diretoria se fosse presa, onde foram escolhidos três companheiros para falar em nome da base. Como representava um trabalho da maior empresa fui um dos escolhidos, mais pela minha representatividade, do que pelo dom da oratória. Toda diretoria da Associação Beneficente Cultural dos Metalúrgicos foram intimados a depor e serem fixados pelo DOPS. (consta nos autos)
Demissão da Volkswagen – Falei em uma assembléia no campo da Vila Euclides que decretou estado de greve e na sexta-feira antes do domingo que decretou a greve. Ao entrar para o vestiário para vestir meu avental da inspeção, havia dois guardas da segurança me esperando em frente ao meu armário, e me comunicaram que eu estava sendo chamado no setor de rescisão de contrato, me escoltaram até lá, onde me comunicaram da demissão por participar da comissão de mobilização. Pedi para ir ao meu local de trabalho para buscar minhas coisas pessoais em minha bancada, onde comuniquei aos companheiros da demissão, e fui escoltado até a saída da empresa. (há de se registrar que a Volks sempre esteve em conluio com a repressão, o companheiro Amauri, na época PCB, saiu algemado da empresa direto para os porões do DOPS, Claudecir um jovem ferramenteiro, foi interceptado pelo interfone da fabrica, quando comunicava a um companheiro sobre material do PCdoB em sua gaveta, a segurança da empresa foi conferir, e o camarada foi demitido por justa-causa.)
Os companheiros foram no sábado cedo no Sindicato durante a reunião da comissão de mobilização, dirigida por Lula, para propor que as prensas já parassem segunda-feira de manhã e não à zero hora de segunda para terça. Vimos que não era bom parar antes, pois comprometeria a organização, e Lula respondeu que poderia pôr a minha readmissão no rol das reivindicações a serem negociadas com a Volks. Mas a greve durou 41 dias com intervenção no sindicato, Lula e parte da diretoria presos, assim assumimos o comando da greve, o grupo dos 16 se reunia de forma clandestina, até no seminário do Ipiranga nós reunimos.
5. Admissão na Mercedes Benz
Três meses depois que encerrou a greve, a Mercedes Bens, fábrica de montagem de caminhões, estava contratando inspetores de qualidade. Fui tentar a sorte e de começo tive, a pessoa que estava recrutando rejeitava as carteiras de trabalhos cuja data de demissão acusava que o trabalhador tinha feito greve. Pensoque, como fui demitido antes de ser deflagrada a greve, quer dizer 45 dias antes, minha carteira passou e fui fazer o teste de admissão para inspetor. Passei no exame e fui contratado no dia 17 de junho de 1980.
Minha Demissão da Mercedes depois de uma quarentena
Na Mercedes entrei tomando todo cuidado para não me expor, trabalhava no setor de inspeção de bielas para localizar possíveis trincas. Logo me entrosei com os companheiros, inclusive o nosso chefe, gente boa e muito capaz. Encontrei Vicentinho no restaurante, também em outro momento o Bolinha, também o Lulinha, que era também inspetor de qualidade. Foi quando começaram as articulações para a eleição do sindicato.
Em certo dia quando cheguei ao meu setor para trabalhar meu chefe me chamou e me comunicou que eu estava sendo transferido para o setor de recebimento de peças, também me alertou: “a ordem veio de cima efica esperto, é por causa do sindicato”. No pátio da fábrica, chegavam os caminhões de longarinas e eu tinha que pegar uma amostra para ver se estava na medida justa os furos, o comprimento etc.
Trabalhava quase que sozinho, ao sol e sem abrigo. Mas, a rádio peão funcionava. De vez em quando apareciam uns companheiros que sabendo que fui da comissão iam para conversar comigo. Com isto consegui recrutar dois companheiros da manutenção elétrica, assim compusemos a célula do Partido e fizemos um boletim que chamava BIP, Boletim Interno do Peão. Este boletim só saiu duas vezes, pois entramos no processo da formação da chapa.
Defendíamos a formação de uma chapa unitária. Cheguei a falar com Vicentinho se o pessoal me convocasse para chapa eu também proporia o nome dele. Com a dificuldade de recompor a unidade tão importante durante a greve, soltamos um panfleto nas portas das fábricas conclamando por uma chapa unitária. Era assinado por Osmar Mendonça, Enilson Simões (o Alemãozinho),Vagner Lino, Romel e eu. Todos participaram do grupo dos 16 do Comando de Greve. Este material foi muito bem recebido nas portas das fábricas, mas mesmo assim a unidade não foi lograda (está registrado nos autos do DOPS). Uns dias antes do prazo para o início do registro das chapas, o vírus que foi transferido para quarentena foi expelido do sistema da empresa. No dia 4 de março de 1981 fui demitido da Mercedes.
Observação: Consta na carteira um registro de admissão pela Serraria Assis, no dia 21 de Maio de 1981, trata-se de um registro frio para poder concorrer às eleições.
Admissão e demissão da Comander (INBRAC) – Diadema
Depois da demissão da Mercedes, não conseguia mais achar emprego em São Bernardo. Somente no segundo semestre de 1982 que consegui ser contratado, na Comander, fábrica de condutores, hoje INBRAC, em Diadema. Mas em uma condição quase que humilhante, sujando minha carteira reduzindo o salário e alterando para ajudante de Inspetor. Mesmo assim aceitei, mas providenciei uma carteira de trabalho nova, pois não tinha outro jeito, Paulo Okamoto é testemunha, de que como diretor do Sindicato pela nova diretoria acompanhava aquela empresa, trabalhei duro, mas quando estava vencendo a experiência fui chamado pela direção da empresa alegando que tinha sido da Comissão de Greve e demitiram-me. Desfiz da carteira por isto não consta o registro desta contratação e demissão na minha carteira de trabalho. O companheiro Assis que consegui recrutar nestes menos de três meses, que depois veio compor a direção do Partido em Diadema,também pode testemunhar isto.
6. Ocupação do Centreville – Santo André
Em 16 de julho de 1982 juntamente com a base do Partido de Santo André cujas principais lideranças vieram da JOC, como Maria da Silva que era presidenta da Associação da Vila Guaraciaba, Joaquim Amorim, Tarcísio Calé e eu lideramos a primeira ocupação de moradias ainda durante a ditadura militar, o Conjunto Centreville que estava abandonado havia cinco anos. Eu e Calé fomos detidos para depor, voltamos para o conjunto e resistimos. Fundamos a Associação União e Luta dos Moradores Centreville, pela qual fui eleito o seu primeiro presidente. Foram 640 casas e juntamente com os terrenos ocupados e os puxadinhos já moram mais de mil famílias beneficiadas pela nossa luta. Até hoje não foram regularizadas as moradias (consta nos autos do DOPS e SNI). Esta luta contou com o apoio de pronto da igreja através do Padre Mahon e Astrogildo da CEBs (Comunidades Eclesiais de Bases) e, do IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) com o saudoso José Calazans.
Não consegui mais arrumar emprego no ABC.
Em 1983 fui eleito no 6º Congresso, para compor o Comitê Central do PCdoB compondo a Secretaria Sindical dirigida por Ronald Freitas. Fui secretário sindical nacional do PCdoB posteriormente do período de 1992 até 2011, quando fui deslocado pelo Partido para tarefas no Estado do Rio de Janeiro.
Em 1987 participamos da criação da CSC – Correte Sindical Classista, quando fui eleito Coordenador Nacional em 2005.
Em 2007articulamos a fundação da CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
Em 2008 construímos o ESNA – Encontro Sindical Nossa América, em Guayaquil, no Peru, compondo o seu núcleo de direção.
EM 2011 no 16º Congresso da FSM – Federação Sindical Mundial. Fui indicado pela CTB para compor seu Conselho Presidencial, como um de seus Vices Presidentes.