Em entrevista, secretário Ney Campello fala sobre Copa do Mundo

Nesta segunda-feira (13/5), em entrevista ao jornal impresso Tribuna da Bahia, o secretário Estadual para Assuntos da Copa (Secopa), Ney Campello, falou sobre a preparação do estado para receber importantes eventos como a Copa das Confederações, em junho, e a Copa do Mundo de 2014. Abaixo, a entrevista na íntegra.

Tribuna da Bahia – Secretário, nós estamos a praticamente um mês da Copa das Confederações. Há muito pouco o que comemorar. Concorda?

Ney Campello – Não. Há muito o que comemorar. Estamos a um mês, cada vez mais focados na organização de um evento que queremos que se traduza muito mais do que como um evento teste, de preparação para 2014, mas como um evento de referência de que nós podemos fazer em 2014 ainda melhor, que 2013 será a primeira evidência para a sociedade brasileira de que o Brasil se preparou e está preparado para receber bem esse evento, para ser motivo de orgulho para todos, de modo que para nós, celebramos o que já conquistamos, a Arena Fonte Nova. Ao mesmo tempo em que sabemos dos demais desafios que estão postos, para que cheguemos até junho preparados para mostrar a Bahia como uma referência nacional na Copa das Confederações.

Tribuna – Os legados do mundial estão muito aquém do esperado?

Campello – Não penso assim. Acho que se criou um mito sobre a Copa, muito baseado numa ideia de que a Copa iria transformar a realidade brasileira em quatro anos. Esse é um mito que nunca foi incorporado ao discurso do governo baiano. Nós sempre dissemos que a Copa é um ponto de partida, não é um ponto de chegada. A expectativa que temos é de que os legados construídos para a Copa iniciam um ciclo de transformação do ponto de vista econômico, social e cultural, que ajude a sociedade brasileira a consolidar esses legados depois da passagem das competições. Tendo equipamentos como a Arena Fonte Nova, que vai ajudar a revitalização do nosso centro antigo, os 14 projetos de hotelaria em curso, as mudanças que estão acontecendo no porto e no aeroporto de Salvador – que vão nos dar um belíssimo porto de passageiros e terminal turístico, um aeroporto mais moderno e mais confortável para receber ainda melhor os nossos turistas. As ações de mobilidade urbana em relação ao entorno da própria arena, esses dois novos viadutos, as quatro rotas de acessibilidade. A parte de qualificação profissional, nós estamos falando aí em 50 mil oportunidades de qualificação profissional, das mais diversas áreas, garçons, maitres, taxistas, baianas, serviços em geral, meios de hospedagem passando por qualificação, a expertise que a Bahia assegura do ponto de vista de se preparar para um evento que pode consolidar um novo tipo de turismo na Bahia, que é o turismo de eventos esportivos, a abertura para o mercado internacional. Tudo isso são sinais evidentes de que a Copa deixará decisivos legados que são processuais, são legados em processo de consolidação e que ficarão para a sociedade baiana sem essa mística de que a Copa encerraria esse processo de transformação iniciado. Pergunto eu: se não houvesse a Copa, se não existisse agenda da Copa, será que tantas obras de infraestrutura e ações outras que não são de infraestrutura, mas de qualificação e de preparação das pessoas, estariam sendo tomadas neste momento no nosso país? Então, a Copa, sem dúvidas, age, contribui como indutora de aceleração para esses projetos de infraestrutura e para a própria qualificação das pessoas que trabalharão no evento. Portanto, acho que não estamos aquém. Estamos na nossa realidade diante dos desafios, correspondendo àquilo que nós esperávamos poder realizar com a passagem dessas competições.

Tribuna – O senhor falou na Arena Fonte Nova. Nem no próprio entorno sofreu intervenções para desafogar o tráfego. Foram tímidas. Por que não houve uma ação mais consistente para eliminar os gargalos daquela área?

Campello – Permita-me discordar. Eu acho que essas intervenções estão em curso e ajudarão muito a solucionar esses gargalos. Primeiro com os viadutos. É bom lembrar que o segundo viaduto só agora está sendo finalizado, portanto a entrada e a saída dos automóveis liberando os demais fluxos de pedestres para uso de carros que não estarão se direcionando ao equipamento, para o uso de transporte coletivo, tudo isso será facilitado com esses dois viadutos que só agora entram em operação. Em segundo lugar, as obras de acessibilidade. É bom lembrar do pedestre, que resolver problemas de acessibilidade e mobilidade não é só construir viadutos ou outras intervenções dessa natureza. Portanto, acho que essas quatro rotas vão ajudar muito na acessibilidade naquele entorno e o próprio metrô, que o processo Copa ajudou, no sentido de empurrar a sua aceleração, e a mais recente decisão conjunta de estado e prefeitura apoiam no sentido de que, em 2014, pelo menos uma primeira etapa esteja em funcionamento. Agora, é claro, o desafio de Salvador em relação à mobilidade urbana, em qualquer área, não só a da Fonte Nova, é muito grande e não está sendo solucionada apenas com essas intervenções. Aí o metrô tem que ficar pronto na sua totalidade, os 34 km, nós temos que pensar outras modalidades, bicicleta precisa ganhar mais espaço com ciclovias e ciclofaixas, mais passeios e calçadas para os pedestres, outros modais que precisam funcionar.

Tribuna – Por que essas intervenções não acontecem e não são visíveis pela população, secretário? O sentimento que a cidade tem é que nada está acontecendo…

Campello – Perdoe-me, mas como não é visível? Então nós estamos falando de pessoas que não circulam no centro antigo de Salvador. Porque não consegue enxergar os viadutos. Os viadutos estão lá, acabaram de ser concluídos. Como é que não consegue? Como é que não é visível? Pelo contrário, há pouco tempo nós falávamos dos transtornos que aconteciam no entorno da arena por conta do volume de obras. Agora, o que ainda não é visível para a população é o metrô, porque é uma obra que só agora está sendo retomada. E as quatro rotas de acesso é uma obra que agora no mês de julho, depois da Copa das Confederações, ela inicia a execução. Já tem uma iniciada, a rota de lá do Comércio, mas as três outras se finalizam ou só serão finalizadas no final do ano. Portanto, realmente, aí não há uma visibilidade física. Agora, eu acho que o problema da população, da opinião, não diz respeito a essas obras específicas, diz respeito a uma situação real, que não estou negando, de uma enorme dificuldade de circulação na cidade em face a um processo que não é a Copa que veio para resolver. Ou seja, isso aí diz respeito a um mal planejamento urbano, uma política de planejamento urbano voltada de forma irresponsável a licenciamentos de construções imobiliárias que não são feitas com a devida infraestrutura antecedente, primeiro se licencia, para depois se cuidar da infraestrutura da cidade. Então, essa política de planejamento urbano cujo sistema de transporte é na verdade um subsistema do sistema de planejamento é que levou a nossa cidade a ficar completamente travada. Esperar que a Copa, numa intervenção pontual, vá resolver isso, de fato não vai. A população está feliz com a Fonte Nova, está feliz com as intervenções que estão sendo feitas para a Copa, mas não está feliz com o que acontece na cidade, porque realmente a cidade continua demonstrando muita dificuldade no que tange a esse tema que você está me perguntando.

Tribuna – A decisão de dar feriado no período dos jogos poderia ser considerada como uma prova da incapacidade dos governos federal e estadual de preparar o país para o mundial?

Campello – Penso que não. Em qualquer lugar do mundo, é só fazer uma pesquisa, onde tem eventos como esse, nos dias dos jogos é absolutamente natural que não funcione comércio e outras atividades da cidade porque a população está orientada e desejosa de acompanhar o jogo, viver o momento do jogo. Portanto, eu acho que a estratégia do feriado, a suspensão e readequação do calendário escolar são medidas próprias para receber melhor e para envolver a própria população. É só lembrar que, em Copas anteriores que não foram realizadas em nosso país, presenciei a concentração de pessoas na frente de lojas de eletrodomésticos, de televisores, para assistir aos jogos. Não acho que a readequação do calendário escolar represente nenhuma demonstração de incapacidade. Agora acho que essas obras de infraestrutura trazem de fato um contencioso, uma situação não resolvida de muito tempo. E que a Copa passa a gerar essa expectativa. Volto a afirmar que é uma expectativa falsa que foi gerada de que a Copa resolveria um contencioso de décadas. Ou seja, tudo o que não foi feito por sucessivos governos seria feito pelo governo federal, estadual e prefeitura em quatro anos. Eu acho que esse é o grande dilema que vamos continuar travando em termos de debate público sobre o papel de um evento como esse. Tem a sua importância, tem o seu valor, tem ajudado na aceleração desses investimentos, mas não é a solução para a panaceia de todos os problemas brasileiras. E a responsabilidade do que nós estamos falando, do atraso desses investimentos, deve ser considerada proporcionalmente ao papel de cada gestor público ao longo de todo esse período. Quer dizer, se tem algo que não foi feito e que poderia ter sido feito antes, colocar na conta dos seus respectivos, mas nunca atribuir a um governo, em quatro anos, a responsabilidade, por exemplo, de ter que resolver problemas de mobilidade urbana que tem que ser enxergado que em 1984 já existia o início do debate do bonde moderno no governo de Mário Kertész. Então, de 1984 para agora, o que foi efetivamente realizado em termos de mobilidade urbana e qual política relacionada, sobretudo a questão fundiária, foi adotada em nossa cidade desde essa época? Estamos falando de 30 anos. Há responsabilidade dos gestores públicos ao longo desses anos, indubitavelmente irresponsabilidade. Agora querer colocar isso na conta da Copa, eu não concordo.

Tribuna – Como o senhor vê as críticas do trade turístico de que a Copa das Confederações será um fiasco?

Campello – Parece-me que ainda existe muita desinformação geral, no que tange à questão da organização dessas competições. O que estou fazendo aqui é o meu dever, no sentido de fazer esses esclarecimentos. A Copa das Confederações, em qualquer lugar do mundo, sempre foi uma Copa do turista nacional. Se você perguntar, mais uma vez, para a Fifa, com agentes e operadores de turismo, na Copa da África do Sul, o volume de fluxo de turistas estrangeiros foi abaixo do que está sendo no Brasil. Vou repetir aquilo que eu ouvi de Doulgas Presto, diretor comercial da Next Connection, que é a empresa que vende os pacotes de hospitalidade chancelados pela Fifa. Estive com ele no México e ele me disse: “Secretário, para a Copa da África do Sul, eu não consegui vender um único pacote de brasileiro para a África do Sul. Já vendi 1.500 para o Brasil, para a Copa das Confederações”. Portanto, o Brasil está vendendo bem, estamos vendendo bem para a Copa das Confederações, agora o que nós estamos vendendo bem, que nós estávamos esperando entre 2% e 3% serem turistas estrangeiros. Na Alemanha, foi diferente? Foi. Porque para você ir para a Alemanha, você pega um ônibus, um carro ou um trem e está lá em uma hora, 40 minutos. Os países da Europa são muito próximos, então você teve uma incidência maior do turista de outras localidades na Alemanha em função das características de lá. Nós não. O interesse do turista europeu, do turista asiático para o Brasil para a Copa das Confederações geralmente é menor. Nós teremos um volume pequeno, eu estimo isso, entre 2% e 3% se pensarmos em números gerais de Brasil. Em relação de cada jogo, aí depende de cada jogo. A gente já tem muito pacote vendido para os uruguaios, muitos uruguaios. Isso vai verificar, objetivamente, na Copa do Mundo. Aí sim a gente vai ter uma noção do turista estrangeiro.

Tribuna – Em qualquer lugar do mundo, os parques públicos são utilizados como área de lazer. No entanto, os equipamentos geridos pelo estado, aqui em Salvador, estão bastante degradados. Por que não se faz uma ação de recuperação desses locais?

Campello – No que tange a essa pergunta sua, eu tenho completa concordância. Acho que investimentos em termos de recuperação dos nossos parques estão muito a desejar. Nós estamos precisando de fato de uma aceleração de investimentos. Responsabilizo, em primeiro lugar, o último governo municipal que, durante oito anos, nada vez. Porque foram oito anos de absoluto apagão administrativo na nossa cidade. E apagão de investimentos dessa natureza. Esperamos que, com esse novo governo, a gente tenha maiores investimentos da prefeitura no que tange aos parques municipais. Sei que existem também os parques estaduais. Tenho, inclusive, conhecimento de recursos que estão sendo alocados pela Conder que vislumbram 2014, não 2013, para a recuperação, revitalização, inclusive com ciclovias, no Parque de Pituaçu. Certamente, Pituaçu estará recuperado. Mas são muitos os outros parques que tem. O parque da Lagoa do Abaeté, você tem no subúrbio São Bartolomeu, então há a necessidade de fato, tanto no nível municipal quanto no nível do governo do estado, de maior investimento para garantir que estes parques estejam para a Copa de 2014 prontos para receber com mais qualidade e, sobretudo, para a população, que independente de Copa, precisa ter isso até como legado, uma revitalização, com iluminação, com segurança. Veja que parque também nunca é só de um ente. Porque não adianta você recuperar um parque, mas, por exemplo, a iluminação é municipal, a segurança é estadual. Então precisa aí uma associação de esforços entre estado e prefeitura para garantir isso.

Tribuna – O senhor acha que Salvador corre o risco de ser mostrada negativamente para o mundo com a realização desses dois mundiais?

Campello – Não. O que vai acontecer é muito pelo contrário. Salvador tem sido, no meu modo de ver, referência mundial da sua capacidade de se preparar para o evento. Fomos a primeira sede a entregar um estádio inteiramente novo para a Copa. As duas outras foram reformas, Castelão e Mineirão. O processo de qualificação profissional nosso está em curso. Salvador vai receber, no final deste ano, o sorteio final, em Costa do Sauípe, em um fórum internacional de esportes, que é o Fórum das Américas, em abril do ano que vem, dois meses antes da Copa. Portanto, a nossa cidade, que sempre demonstrou competência para realizar um evento muitíssimo maior em termos quantitativos do que a Copa, que é o Carnaval, dará a demonstração de que saberá receber bem esse evento, com qualidade. Vamos esperar, pois o tempo é o melhor senhor no sentido de dirimir essa dúvida hoje posta. Aliás, li recentemente um artigo de uma jornalista holandesa porque no Brasil as pessoas têm esse sentimento pessimista que, digamos assim, se espalha, se dissemina no tecido social brasileiro, que está sempre achando que as coisas no Brasil não funcionam e não vão dar certo. É claro que nosso país tem muitos desafios não resolvidos e que precisam estar sendo enfrentados, mas eu não sou adepto da ideia de que nós somos um povo incapaz, um povo incompetente, que não estamos preparados para realizar eventos ou quaisquer outros desafios que apareçam. Visitei o mundo nesses últimos anos e vi os acertos e erros que aconteceram em cada uma das Copas. Não tem nenhuma Copa que não tenha tido problema, não tem nenhum país que não tenha realizado com absoluto sucesso. Houve experiências mais positivas e experiências negativas. Acho cedo para a gente dizer se o Brasil vai sair com experiência mais positiva. É um certo ufanismo, é uma certa arrogância dizer isso. Não acho que o Brasil ficará como uma nação que realizou com baixa qualidade, com ineficiência, com fiasco. Sou um otimista, mas não um otimista infundado. Sou um otimista porque tenho dedicado 24h toda a minha vida, prejudicando inclusive relações com a família, para comandar um projeto que tem foco e objetivos claros estabelecidos, que tem conquistado resultados, que vão dar essa demonstração que você pergunta. Passando à Copa, a população vai perceber o que é que significa todos esses investimentos, sobretudo, da Arena Fonte Nova, que é um investimento que já foi sentido no seu impacto positivo de reverberação. E vai continuar sendo sentido depois que a Copa passar, quando novos investimentos forem feitos, quando a valorização imobiliária que é real se torne ainda mais efetiva, e cada morador que construa é uma vitória nossa. Não foi pedida uma única desapropriação, foi um estádio que foi construído sem desapropriar, cada cidadão tem a sua casa valorizada com o dobro do valor venal do imóvel. Ao longo de um tempo, a gente vai aprender se a gente souber combater esse pessimismo enraizado em certos segmentos da população e demonstrar, na prática, na execução dos projetos, que o Brasil e a Bahia darão exemplos de que farão uma grande Copa.