Questão palestina: Governo de Israel expõe divisões fundamentais
No Comitê de Relações Exteriores e Defesa do Knesset, o parlamento israelense, nesta terça-feira (21), uma discussão sobre o “processo de paz” com os palestinos demonstrou a profundidade das divisões sobre o assunto no governo e na própria coalizão governante. Enquanto a ministra da Justiça Tzipi Livni, encarregada do processo, disse que o objetivo do governo é reiniciar as negociações, outros membros afirmaram que uma solução de dois Estados nunca foi uma posição oficial do governo.
Publicado 21/05/2013 10:58
Tzipi ficou encarregada das negociações com os palestinos através do acordo que fez com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, como condição para integrar a sua sofrida coalizão governamental, estabelecida no começo deste ano.
Ela explicou, durante a reunião do comitê, o interesse de Israel no reconhecimento de um Estado palestino, ao que foi respondida com um ataque dos parlamentares do partido Habayit Hayehudi (Lar Judeu), para quem as suas afirmações não representavam a posição do governo.
A discussão, que durou mais de duas horas, apenas sublinhou as interrogações sobre a posição real do governo em relação ao processo de paz e ao comprometimento dos seus membros com o princípio de dois Estados para dois povos.
A questão divisória surgiu durante os primeiros cinco minutos de discussão, quando o ex-orador do Knesset, Reuven Rivlin, (do Likud, partido do primeiro-ministro) interrompeu Tzipi: “Por acaso o governo já tem uma posição consensual sobre a iniciativa do secretário de Estado [dos EUA] John Kerry?”, perguntou. “Parece que há divisões substanciais dentro do governo”.
Tzipi não evitou a questão, e respondeu que “o objetivo comum no governo é reiniciar as negociações com os palestinos. Não é segredo que há diferenças entre os membros do governo sobre a questão palestina, e sobre como um acordo com eles deve ser, mas a política de negociações é baseada em dois Estados nacionais, que trará um fim ao conflito”.
Contradições de base
A parlamentar Orit Struck, do Habayit Hayehdi, cortou Tzipi e disse que “dois Estados para dois povos não é a posição oficial do governo”, e continuou afirmando que a solução “não é parte dos princípios-guia do governo por bons motivos. É talvez a posição de Netanyahu, mas não foi aceita como a posição do governo”.
Em resposta, o parlamentar Benjamin Ben-Eliezer, do Partido Trabalhista, disse a Tzipi: "Desejo a você muita força psicológica e muita fé, mas estou muito pessimista (…). O que me preocupa não é um Estado palestino, mas a existência de um Estado judeu. Estou em dúvida. O tempo não está do nosso lado”.
O parlamentar Ronen Hoffman do partido Yesh Atid (Há um Futuro) também fez declarações, respondendo a Orit. Apesar da aliança entre o líder do Yesh Atid, Yair Lapid (ministro das Finanças, na coalizão do governo) e o líder do Habayit Hayehudi, Naftali Bennett (ministro de Assuntos Religiosos e de Indústria, Comércio e Trabalho), Hoffman não hesitou em confrontar o Habayit Hayehudi. "Como é possível esperar que os palestinos entrem nas negociações se parte do nosso governo se opõe a um Estado palestino?”, perguntou.
Bennett já declarou anteriormente que fará “tudo o que estiver ao alcance” para evitar o estabelecimento de um Estado da Palestina, e defende a anexação unilateral da Cisjordânia que chama de Judeia e Samaria, já que é um dos líderes dos colonos judeus em territórios palestinos.
Falando depois de Hoffman, o parlamentar Yoni Chetboun (do Habayit Hayehudi) concordou com ele: “O governo ainda nem decidiu que apoia [a solução] de duas nações para dois povos”, Chetboun disse a Tzipi, enquanto Moti Yogev (também do Habayit Hayehudi) continuou o pensamento dizendo que “duas nações para dois povos é [uma proposta] desconectada da nossa realidade”.
O parlamentar do Partido Trabalhista Omer Bar-Lev chegou a perguntar a Tzipi: “Será que você é um lobo solitário neste gabinete ou um disfarce para a real política do governo com relação à questão palestina?”, enquanto outro trabalhista, Nachman Shai, perguntou retoricamente: “A decisão do governo de legalizar avanços ilegais [colônias] ajudam nos seus esforços ou os prejudica?”
Tzipi respondeu a Shai prontamente, dizendo: “o ambiente político no qual eu me encontro agora é o resultado da decisão do seu partido em não integrar a coalizão”.
Medidas fundamentais para as negociações
O gabinete não tem uma posição unificada sobre o congelamento da construção de assentamentos judeus em terras palestinas, mesmo que isso fosse feito como uma medida de “construção de confiança” com os palestinos, Tzipi disse ao comitê. Entretanto, ela disse acreditar que a construção deveria ser suspensa em assentamentos isolados, fora dos blocos (que são como bairros ou pequenas vilas judias).
“A construção de assentamentos isolados na Cisjordânia é direcionada a impedir um acordo com os palestinos”, disse Tzipi. “Não construir naqueles lugares não tem significado estratégico, e acredito que há preços que podemos pagar”, adicionou.
Tzipi advertiu o comitê sobre as consequências da negligência com as negociações, que se não forem retomadas, os palestinos voltarão a empregar medidas unilaterais na ONU e com países da União Europeia, pressionando com iniciativas diplomáticas próprias e depois as forçando sobre Israel. Uma dessas medidas foi o pedido de reconhecimento levado pelos palestinos à ONU, garantido em novembro 2012 (como Estado palestino como observador não-membro) pela Assembleia Geral. A medida abriu o caminho para outras, como a participação em mais de 60 órgãos da ONU e a possibilidade de responsabilizar Israel criminalmente perante o Tribunal Penal Internacional.
Entretanto, Avigdor Lieberman (líder do comitê e ex-ministro de Relações Exteriores, da fusão bipartidária Likud-Yisrael Beiteinu) disse que "não há um vácuo", e “se não iniciarmos, haverá outros que porão os planos na mesa. Por isso, também aqueles que querem apenas gerenciar o conflito, como você, precisam de apoio para reiniciar as negociações”.
Lieberman, do Yisrael Beiteinu (Israel é nosso Lar), é considerado um dos políticos de mais ultra-direita e nacionalista do atual cenário político israelense, com posições problemáticas como a recusa de uma solução de dois Estados com base nas fronteiras pré-1967 (quando Israel ocupou grandes porções do território palestino) e a proposta de uma troca de territórios para que Israel possa manter as porções que ocupou ilegalmente, expulsando milhares palestinos que vivem nelas.
Em 2012, Lieberman renunciou ao cargo de ministro de Relações Exteriores, que ocupava desde 2009, devido a uma investigação por corrupção; Netanyahu desempenha a função interinamente, através de um acordo com o partido de Lieberman.
Na discussão, Tzipi disse que, enquanto o tempo passa, as condições pioram para Israel. “Se chegarmos a um ponto morto e não tivermos renovado as negociações, haverá sérias consequências para nós”, disse, na conclusão da sessão. “Não alcançar um acordo com os palestinos nos levará ao fim do sionismo”, afirmou.
Orit, que havia atacado Tzipi durante toda a sessão, fez a conclusão parecer mais uma manifestação, repetindo: “Essa é a nossa terra, essa é a nossa terra”, ao que Tzipi respondeu, já em pé: “Essa é a nossa terra, mas a questão é se o Estado vai continuar nosso ou não”, o que demonstra que o sionismo (uma ideologia colonialista e racista fundada na Europa do século 19) continua relativamente sem questionamento.
Com informações do Haaretz,
Moara Crivelente, da redação do Vermelho