Líder político palestino detido há 11 anos ressalta resistência

O portal de análises do Oriente Médio Al-Monitor publicou uma entrevista do prisioneiro político Marwan Barghouti, nesta terça-feira (28). Barghouti é um dos líderes mais importantes do Fatah, partido do presidente Mahmoud Abbas, que integra de forma proeminente a Organização para Libertação da Palestina. “Já é tempo de a administração dos EUA tomar uma decisão assertiva em prol da paz no Oriente Médio, o mais breve possível“, disse o palestino.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho

Marwan Barghouti - Reuters

Barghouti, que está detido em uma prisão militar israelense há mais de 11 anos, respondeu às questões do portal por escrito. Ele ressaltou que a alternativa a uma solução de dois Estados (base do consenso internacional para a solução do conflito entre Israel e os palestinos) é um “conflito permanente” que não tem meio-termo.

Para o líder político, Israel não está interessado na paz, e “nenhum método de resistência deve ser abandonado”, desde que esteja em linha com o direito internacional.

Além disso, Barghouti diz que “o processo de paz causou danos sérios ao Fatah”, enquanto urgiu os grupos palestinos a se reconciliar. Neste sentido, criticou a recente Iniciativa Árabe de Paz, liderada pelo Catar, como “o mais baixo nível a qual os árabes desceram em termos de um acordo histórico com Israel”.

“As declarações da delegação árabe a Washington em relação à adequação das fronteiras de 1967 e à aceitação das trocas de terra [propostas pela direita israelense para legitimação da ocupação de porções palestinas] causa danos graves à postura árabe e aos direitos palestinos, e estimula o apetite de Israel por mais concessões”, afirma o líder político, que recusa a proposta e ressalta que o povo palestino exige que Israel se retire das terras que ocupou a partir de 1967, desde a Guerra do Seis Dias, ou Guerra Árabe-Israelense.

Barghouti foi preso em abril de 2002, em Ramallah, a cidade administrativa do governo palestino, na Cisjordânia. Passou por 100 dias de interrogatório em três centros diferentes, incluindo uma instalação secreta, que chama de Número 1391. Disse ter passado vários anos em confinamento solitário, “completamente isolado do mundo em uma pequena cela” literalmente imunda, sem janelas.

Ele serve cinco sentenças perpétuas mais 40 anos de prisão. Recusou-se a recorrer perante um tribunal israelense, ou a ser defendido por um advogado, porque é um membro do Parlamento palestino e gozou de imunidade parlamentar desde 1996. Além disso, foi reeleito em 2006. Por isso, a campanha pela sua libertação, liderada por sua esposa Fadwa, tem grande adesão.

Situação política e perspectivas de reconciliação interna

“A situação está se tornando mais desafiadora porque Israel está desviando o processo de paz e garantindo a sua falência, enquanto mantém a política de ocupação”, diz Barghouti.

Os israelenses conseguiram mais uma vez eleger um governo que não pretende acabar com a ocupação, nem alcançar a paz com os palestinos, ressalta. Por isso, o cenário palestino está piorando devido ao distanciamento entre partidos como o Fatah e o Hamas, movimento de resistência islâmica que governa a Faixa de Gaza. Sobre a essencialidade da reconciliação, Barghouti disse:

Nós já desenvolvemos a iniciativa chamada ‘Documento de Reconciliação Nacional’, que foi assinada por todas as facções, sem exceção, incluindo o Fatah e o Hamas. Infelizmente, os signatários não seguiram o acordo. Eu acredito que a unidade nacional é necessária para garantir a vitória de todos os movimentos de liberação e povos perseguidos. Esperamos que os esforços feitos resultem em reconciliação, porque isso é um pré-requisito para a unidade do povo e para o estabelecimento de um Estado.
 

Neste sentido, a reconciliação requer a “liberdade de vontade, fé e empenho pela parceria, para assentar a fundação de um Estado independente, soberano e democrático”, completou Barghouti, que disse acreditar que o povo palestino defenderá o empenho.

Por isso, o líder político ressaltou a importância de um governo de consenso, feito de ministros independentes que realizarão eleições parlamentares e presidenciais, além das eleições para o Conselho Nacional Palestino, até o final deste ano. Sobre o caminho a tomar, com relação a Israel, disse:

Os círculos políticos que apostaram nas negociações falharam e chegaram a um impasse devido às políticas de Israel, opostas à paz. Por isso, convoco uma estratégia baseada no recurso às Nações Unidas para alcançar o estatuto de membro pleno da ONU e outras agências internacionais, para podermos assinar pactos e acordos, recorrer à Corte Penal Internacional, cooperar com a comunidade internacional para isolar e boicotar Israel, impor sanções a eles para que se retire para as fronteiras de 1967, além de impor bloqueios econômicos, securitários, administrativos, políticos e de negociações. Enquanto isso, devemos intensificar e expandir a resistência popular de forma que todas as lideranças e facções estejam engajadas.
 
Papel dos Estados Unidos na mediação

Barghouti afirma categoricamente que os esforços dos EUA em incentivar a paz no Oriente Médio falharam devido ao alinhamento pleno do país com Israel. “Se os Estados Unidos querem alcançar resultados e promover a paz na região, tem que pedir explicita e claramente ao seu aliado que finalize a ocupação das terras de 1967, para abrir o caminho para um Estado palestino, com capital em Jerusalém Leste, que coexista em paz com Israel”, diz o parlamentar.

Além disso, Barghouti ressalta a necessidade de implementar a Resolução 194 da Assembleia Geral da ONU, adotada em 1948 e que prevê o direito de retorno aos refugiados palestinos, expulsos desde 1946, e a libertação de todos os prisioneiros.

“A administração estadunidense deve refletir profundamente nas razões pelas quais seus esforços têm sido fúteis por 20 anos. Descobrirá então que essa falha é resultado do seu alinhamento com Israel e a aceitação total da postura israelense”, disse Barghouti, que sublinhou o contexto atual como “a hora certa de os EUA tomarem uma decisão” assertiva em prol da paz o quanto antes, “pois já é tarde e se eles não fizerem alguma coisa, o risco de a luta nacional se tornar um conflito sem meio-termo é iminente”.

Perguntado sobre outras soluções mencionadas, como a fusão dos territórios palestinos com a vizinha Jordânia, Barghouti insistiu: a única solução aceitável é a de dois Estados. Porém, ela “enfrenta o desafio de ser liquidada pelos tanques da ocupação e pelas escavadeiras dos assentamentos”, ponderou.

“Os políticos e intelectuais palestinos, incluindo personalidades do partido Fatah, estão emitindo opiniões favoráveis [à opção de] desistir da solução de dois Estados, dada a intransigência de Israel e a sua oposição a este plano”, diz Barghouti, mencionando a opção por um Estado único binacional que elimine o regime racista israelense baseado na ocupação, nos assentamentos e na discriminação. Entretanto, para o político, a chave para a paz e a estabilidade na região é o fim da ocupação e o estabelecimento de um Estado palestino independente e completamente soberano.

Resistência e oportunidades de paz

“O povo árabe mudou e Israel não pode desafiar a região para sempre. Eles têm a chance de alcançar a paz com a atual Autoridade Palestina (AP), e a sua oportunidade pode não surgir outra vez", disse Barghouti, ressaltando que a paz com países específicos não levará à estabilidade regional. “Os israelenses estão enganados se pensam que o padrão da situação não mudará”, completou.

O governo israelense mantém um comportamento “tirânico colonial” e perdeu oportunidades históricas de alcançar acordos com a AP. O presidente Abbas implementou tudo o que o chamado “mapa da paz”, elaborado através das negociações mediadas pelos EUA, delineou, além de opor-se à resistência armada em prol da coordenação securitária com Israel.

Em resposta, os israelenses “judaizaram Jerusalém, expulsaram os residentes da cidade, tomaram o controle das terras, prenderam crianças e encerraram organizações. Enquanto isso, na Cisjordânia, aumentaram a construção de colônias e a expropriação de terras, destruíram mais casas e fizeram mais detenções. No fim, isso destruiu a solução de dois Estados e as esperanças por paz”, afirma Barghouti.

Sobre a luta de resistência palestina, quando perguntado sobre protestos pacíficos e a luta armada, o político ressalta o direito do povo à autodefesa e à libertação, mas explica que os diferentes grupos concordaram, no “Documento de Reconciliação Nacional”, em centrar a resistência nas terras ocupadas em 1967, ou seja, na Cisjordânia e em Jerusalém. “Por muitos anos os palestinos têm praticado a resistência popular, entre esforços permanentes por acalmar a situação. Entretanto, qual é a resposta israelense?”, pergunta.

Barghouti é considerado um candidato viável para substituir o presidente Abbas, caso ele deixe o governo, já que tem grande apoio de muitos segmentos dentro e fora do Fatah. Tudo dependerá das eleições e da vontade democrática do povo palestino, diz o líder político.

Sobre os objetivos politicos do Fatah, Barghouti lembra que o partido foi o primeiro coletivo palestino a responder à catástrofe dos refugiados e à dispersão compulsória a partir da criação do Estado de Israel, em 1948, lutando por uma identidade nacional para os palestinos e pelo reestabelecimento de um movimento nacional, posteriormente, através da Organização para a Libertação da Palestina, estabelecida em 1964.

“O Fatah trouxe a Palestina de volta para o mapa político do Oriente Médio, depois das tentativas de enterrá-la e removê-la completamente [do mapa]”, disse.

Embora não tenha conseguido o estabelecimento de um Estado independente “por causa das políticas dos sucessivos governos israelenses e a ausência de um líder israelense sério que quisesse acabar com a ocupação”, para acabar com o colonialismo o Fatah continuará a lutar através da defesa do direito ao retorno dos refugiados, da luta pela libertação dos prisioneiros, pelo fim da divisão, pelo estabelecimento de uma parceria nacional baseada na democracia, com o desenvolvimento do desempenho interno na promoção dessa democracia e com a sétima conferência do partido, a ser realizada no próximo ano.