Levy: O projeto racista para o futebol de um ex-jogador israelense

O racismo israelense tem uma justificativa nova e original: as pessoas o adoram. Quando há racismo, os árabes são impedidos de juntar-se aos times esportivos, para que as equipes possam encontrar patrocinadores. Se já tivemos sionismo político, prático, espiritual e religioso, agora temos racismo político e racismo brotando da necessidade de contratos de patrocinadores.

Por Gideon Levy*, no Ha'aretz

Time Beitar Jesualem (bandeira de partido racista) - Roni Schitzer/Jini/Haaretz

A pessoa que pensou nessa ideia, o sucessor ideológico de Theodor Herzl e Ahad Ha'am [teóricos do sionismo político e cultural colonizador do fim do século 19], é um antigo jogador de futebol, alguém que compôs a lista dos maiores israelenses de todos os tempos: Haim Revivo.

O novo representante do dono do Beitar Jerusalém anunciou, na semana passada, que não contrataria jogadores árabes. “Não precisamos trazer um jogador árabe para provocar os fãs”, disse Revivo; “não seria a coisa certa a se fazer”.

Ele também disse aos fãs para não darem ênfase ao assunto porque “essas coisas dificultam conseguir patrocinadores”, referindo-se à avalanche de calúnias racistas, arremesso de pedras, cuspe e outros atos violentos dos fãs do Beitar.

O novo acordo de Revivo, tão claro quanto apito do antigo juiz-estrela Pierluigi Collina, é que o racismo é bom porque os fãs gostam dele. Os fãs não podem ser provocados porque então não haverá patrocinadores, e nenhum dinheiro. Jean-Marie Le Pen e Jorg Haider nunca pensaram nisso.

É uma coisa sutil ouvir de Revivo, entre todas as pessoas, tal base de justificativa para o racism. Ele alcançou o cume da sua glória quando jogou para um país muçulmano. De 2000 a 2003, Revivo era o rei daTurquia.

Jogou para os dois melhores times em Istambul, Fenerbahce e Galatasary, marcou muitos gols e foi votado como o melhor jogador estrangeiro na Turquia. Até hoje, há taxistas na Praça Taksim que, se você diz “Israel”, eles respondem “Revivo”, com os olhos cintilando.

Nenhum “representante do dono” daqueles dois clubes jamais disse que não contrataria um jogador judeu (ou israelense) para não provocar os fãs. Nem houve qualquer problema com patrocinadores. Não é difícil adivinhar o que teria acontecido se um problema tivesse surgido com o Revivo judeu.

Um coro expressivo teria emergido de Elie Wiesel, o Centro Wiesenthal, Yad Vashem, a Liga Anti-Difamação e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu contra o antissemitismo turco que estaria pedindo a nossa destruição. Mas a Turquia simplesmente amava Revivo, julgando-o apenas pelo número de gols que marcava, não pelo lugar de onde veio.

Revivo esqueceu-se disso. É um covarde, com os programas de televisão “Dançando com as Estrelas” e “Eyal Golan Está te Ligando”, e a presidência da Associação de Jogadores de Futebol de Israel pendurada no cinto.

Ele conhece a alma da fera (os fãs de seu novo clube), que é a alma de muitos israelenses, só mais rude e violenta. Então, às vezes eu amo os fãs do Beitar; eles gritam o que os israelenses estão pensando. Não é por nada que Eyal Golan canta: “Quem bane os demônios? / Nomos nós, Beitars. / Quem é a rainha? / Quem é o campeão? / Beitar Jerusalem no topo!”

Essa melodia continua e continua; palavras de louvor ao assassino do ex-primeiro-ministro Ytzhak Rabin, Yigal Amir [revoltado pela assinatura de acordos de paz com os palestinos], e palavras de ódio contra Rabin e sua falecida esposa, Leah. “Aquilo aconteceu na praça / o time da Swat estava impotente / Não parou Amir / E de repente, uma mancha vermelha / Não queremos um tratado de paz”. (A próxima parte, sobre Leah Rabin, é indescritível). E eles cantam: “Juramos à menorá / ao racismo que é o nosso sonho / todo o mundo é nossa testemunha / não haverá árabes aqui.”

Quando são doutrinados dia e noite sobre um Estado judeu, entendem o sentido real melhor que outros israelenses. Acaso pensam diferentemente o premiê Netanyahu e os parlamentares do seu partido Likud, Yariv Levin, Danny Danon e Miri Regev? Por acaso os líderes do partido Lar Judeu [com ampla representação de colonos que habitam terras palestinas] Naftali Bennett e Ayelet Shaked falariam de forma diferente?

A cantoria racista do Beitar traz à tona sentimentos escuros e escondidos, cuja própria elevação os que se creem moralmente superiores rejeitam. O rabino Shmuel Eliyahu de Safed e os fãs do Beitar conhecidos como La Familia são os únicos que ainda conseguem nos enojar.

Nossos líderes políticos, jurídicos e educacionais, não menos racistas e muito mais institucionalizados, prejudiciais e sistemáticos, não nos enojam. Então, talvez devêssemos agradecer o projeto do Revivo. Ao menos nos enoja.

*Gideon Levy é um jornalista israelense renomado internacionalmente, que escreve para o jornal Ha'aretz.

Fonte: Ha'aretz
Tradução: Moara Crivelente, da redação do Vermelho