Membro do Talibã escreve à estudante paquistanesa Malala

Um comandante paquistanês, próximo da liderança do grupo Talibã do Paquistão, endereçou uma carta a Malala Yousafzai, a jovem de 16 anos que no ano passado foi atingida a tiro na cabeça quando regressava a casa da escola, para lamentar o seu ataque “chocante” e estender-lhe um convite para regressar ao país e ingressar numa madrassa para meninas.

Malala Yusufzai - Paquistão - Reuters

“Há muito que pensava qual seria a melhor forma para a abordar”, escreve Adnan Rasheed, um antigo membro da Força Aérea do Paquistão que se juntou aos Taliban. “Nutro por você um sentimento fraternal, até porque ambos pertencemos à mesma tribo Yousafzai”, explica, numa missiva que foi distribuída por email a vários meios de comunicação internacionais.

Rasheed explica que soube dos acontecimentos envolvendo Malala quando se encontrava na prisão, com uma pena por envolvimento em uma conspiração para assassinar o presidente paquistanês Pervez Musharraf.

O antigo comandante escreve que desejava que o ataque “nunca tivesse acontecido”. Aliás, lamenta que não tenha tido oportunidade para aconselhar a jovem estudante quando esta ainda morava no Paquistão; talvez, sugere, o “acidente” pudesse ter sido evitado.

Os juízos sobre a tentativa de assassínio de Malala "pertencem a Alá", diz na carta. “Ele é que sabe se foi certo ou errado, se a morte era merecida ou não”. Mas o Taliban faz questão de esclarecer que a jovem não foi atingida por defender o direito das meninas do Paquistão a frequentar o ensino, mas porque estava envolvida numa “campanha de difamação” com o objetivo de desacreditar o grupo.

Direito de ir à escola

Malala, que sobreviveu ao ataque e passou meses hospitalizada no Reino Unido, onde reside agora com a família, discursou na semana passada na primeira Assembleia-Geral da Juventude das Nações Unidas, em Nova Iorque. No mesmo dia em que cumpria 16 anos, a jovem pediu que os governos de todo o mundo garantissem às crianças dos seus respectivos países o direito de ir à escola, “incluindo os filhos dos Taliban”.

“Uma criança, um professor, um lápis e um livro podem mudar o mundo”, declarou, acrescentando que os extremistas proíbem a educação por saberem que o conhecimento e a informação são as armas mais poderosas contra o terrorismo.

Na carta, que tem quatro páginas, Adnan Rasheed tanto adota um tom conciliatório como desafiador, por exemplo, quando se refere ao discurso da jovem Malala em Nova Iorque. “Se sabe que o lápis é mais poderoso do que a espada, também sabe que a língua é mais fina do que o aço. Numa guerra, as palavras podem destruir mais do que qualquer arma”, observa.

Considerando “fantástico” que Malala promova o direito à educação, o comandante taliban termina a carta com um convite. “Regresse a casa, adote a cultura islâmica e pashtun e ingresse numa madrassa feminina. Você pode usar o seu lápis para revelar ao mundo a conspiração de uma pequena elite que quer escravizar toda a humanidade”.

A família de Malala esclareceu à BBC que a carta não lhe foi remetida diretamente, mas confirmou ter conhecimento do seu conteúdo. Informou ainda não ter nenhum comentário a fazer.

Apesar do tom conciliador na carta, o enviado especial das Nações Unidas para a Educação, o antigo primeiro-ministro britânico Gordon Brown, reagiu à carta: “Ninguém acredita em uma palavra dos Taliban sobre o direito à educação de crianças como Malala, a menos que deixem de queimar escolas e massacrar estudantes”, disse um comunicado enviado à delegação da AFP em Islamabad.

Com o Público,
Da redação do Vermelho