Porto de Mariel pode trazer novo modelo de crescimento para Cuba

Um projeto de 900 milhões de dólares para modernizar o porto de Mariel, situado a 40 quilômetros da capital de Cuba, Havana, deverá entrar em plena operação no prazo estipulado, em 2015. Construído e administrado por parceiros brasileiros e cingapurianos, ele inclui instalações portuárias para acomodar os novos e maiores navios de contêineres, seguindo a expansão do Canal de Panamá e também uma zona de processamento de exportações e nova infraestrutura de comunicações e transporte terrestre.

Raúl Castro - Adalberto Roque / AFP

A confirmação do rápido avanço das obras sustenta nossa previsão de uma aceleração do crescimento do PIB a partir de 2017.


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O envolvimento de parceiros estrangeiros na construção, administração e futuro desenvolvimento do esquema salienta sua importância. Os parceiros trouxeram capital, tecnologia e perícia muito necessários para desenvolver a instalação, de modo que possa competir no plano internacional, assim como para encorajar o processo de reforma econômica. Entretanto, a determinante crucial dos retornos do projeto em longo prazo será a política dos Estados Unidos.

Parceiros e rivais internacionais

Desde sua concepção, o projeto Mariel foi desenvolvido conjuntamente com parceiros estrangeiros. A obra de construção do porto e instalações associadas, que começou em 2010, é administrada pela Odebrecht, um grupo brasileiro, por meio de sua subsidiária, Compañía de Obras en Infraestructura (COI). O banco de desenvolvimento estatal do Brasil, BNDES, está fornecendo 80% das finanças em quatro etapas. Os últimos relatórios sugerem que o primeiro cais entrará em operação em janeiro de 2014, a tempo de ser inaugurado pela presidente do Brasil, Dilma Rousseff, quando ela fizer uma visita oficial a Cuba para participar da cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (Celac) – seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, percorreu a obra com o presidente cubano, Raúl Castro, em janeiro deste ano. A China está fornecendo grande parte do equipamento de transporte de cargas, parte do qual chegou nas últimas semanas. A empresa de Cingapura PSA International vai administrar o porto sob um acordo assinado em 2011.

Comunicados de impressa citaram várias companhias brasileiras que manifestaram interesse em montar fábricas em joint-ventures em uma zona especial de desenvolvimento de 500 quilômetros quadrados que está sendo criada ao redor do porto. Elas incluem duas fábricas de ônibus, Marcopolo e Busscar (a última já monta ônibus em Cuba desde os anos 1990), assim como a Fanavid, uma fábrica de vidro que espera se instalar para atender os mercados cubano, brasileiro e caribenhos.

Cuba não é o único país do Caribe que atualmente moderniza suas instalações portuárias na expectativa de que os navios "Post-Panamax", mais profundos e largos (que poderão transportar o triplo de contêineres e reduzir os custos por contêiner em cerca de 50%), levarão a um desvio das rotas comerciais globais para a região. Os rivais de Cuba nas Bahamas, República Dominicana, Colômbia, Jamaica, Trinidad e Tobago e Panamá estão investindo fortemente em suas instalações. Para o projeto cubano, o envolvimento do Brasil, uma das maiores economias da região, e da PSA International, uma das maiores operadoras multinacionais de portos do mundo, são importantes sinais de confiança nas perspectivas do projeto.

Reformas necessárias para a zona especial

O projeto Mariel terá um forte impacto em Cuba, como um dos maiores investimentos em infraestrutura das últimas duas décadas e como um impulso extra no processo de reformas econômicas. Sua capacidade anual inicial de operar com um milhão de contêineres é o triplo da do porto de Havana, que já foi um dos mais importantes das Américas. Quando Mariel estiver em operação, o plano é limpar a baía de Havana (incluindo o fechamento de sua usina energética, altamente poluente) e desenvolver novas instalações habitacionais e turísticas muito necessárias.

A Zona Especial de Desenvolvimento Mariel será a primeira do gênero e exigirá nova legislação. Uma lei que está sendo elaborada pretende atrair mais investimento do que uma experiência anterior fracassada com zonas de livre comércio no final dos anos 1990 – abandonada em 2004 devido ao desinteresse de fabricantes estrangeiros. Desta vez, há esperança de que a combinação da extensa infraestrutura portuária com a atual abertura da economia cubana gere maior entusiasmo dos investidores.

O novo terminal também influenciará revisões da lei de investimento estrangeiro em Cuba, esperada para dentro de um ano, após um longo período de revisão. As empresas estatais cubanas serão estabelecidas dentro do porto. O processo de lhes conceder maior autonomia para reinvestir os lucros, definir o nível de preços, salários e bônus e adaptar-se às condições de mercado por meio da diversificação da produção se destina a melhorar a produtividade e a rentabilidade, para permitir que elas concorram com as companhias estrangeiras que se estabelecerem em Cuba.

Entretanto, uma descentralização mais significativa da tomada de decisões ainda depende do processo de unificação da taxa de câmbio. Para o novo e crescente número de empresas não estatais, o porto oferecerá novas oportunidades de uma série de serviços, possivelmente incluindo distribuição. Até agora, seu envolvimento direto no comércio internacional se restringiu ao setor turístico, mas a expansão do comércio internacional e do recarregamento de navios que surgirá do desenvolvimento de Mariel provavelmente aumentará a pressão por uma maior abertura nesse sentido.

A grande questão: acesso ao mercado norte-americano

A maior incerteza sobre o futuro de Mariel como instalação de recarregamento envolve as sanções norte-americanas. Uma das principais consequências da mudança nos custos comparativos que surge da expansão do Canal de Panamá será que um quarto das cargas da Ásia que atualmente são descarregadas na costa oeste dos EUA (segundo estimativas do setor) será desviado pelo canal para atingir portos na costa leste do país. No entanto, embora os concorrentes de Cuba sejam capazes de oferecer serviços para recarregar e transferir essa carga destinada aos EUA, Cuba será excluída sob as atuais leis norte-americanas, que não apenas bloqueiam todas as exportações de Cuba para o mercado norte-americano e a maioria das importações dele (com exceção de produtos agrícolas e muito poucos artigos médicos), como também impede que os navios que atracaram em portos cubanos naveguem para os EUA.

Apesar de Mariel poder extrair uma renda substancial do comércio com outros países que não os EUA, o nível de atividade e rentabilidade seria extremamente aumentado se as sanções fossem levantadas. Ao empreender um investimento tão grande no projeto Mariel, Cuba, juntamente com seus parceiros internacionais, parece ter apostado na possibilidade de uma conquista em médio a longo prazo. A política oficial de Cuba permanece ligada às sanções econômicas e o poder do lobby cubano-americano anti-Castro na política norte-americana até hoje se mostrou um dissuasor eficaz da liberalização. Entretanto, há certos sinais de que o presidente dos EUA, Barack Obama, está dando passos cautelosos em direção à reaproximação. Nos últimos meses, negociações oficiais EUA-Cuba referentes a migração e a restauração de um serviço postal direto têm servido para aumentar a confiança.

Embora uma normalização das relações no período da previsão não faça parte atualmente de nosso cenário básico, o investimento substancial em Mariel e o fato de que Raúl Castro deverá se aposentar em 2018 são sinais tentativos de um potencial avanço, posteriormente.

Fonte: Economist Intelligence Unit na Carta Capital