Presidente do Irã é citado pela CNN com "admissão" do Holocausto

Um desentendimento aparentemente causado por falhas de tradução tem ganhado atenção da mídia internacional, que segue com atenção o posicionamento do novo presidente do Irã, Hassan Rohani. Após um longo período em que a postura do governo persa foi classificada de “radical” e “ameaçadora”, Rohani tem sido retratado como uma “esperança de moderação”. Neste sentido, uma entrevista à CNN foi alardeada como o esperado “reconhecimento” do Holocausto, um tema sensível na política externa persa.

Presidente Hassan Rohani em entrevista à CNN - CNN

O presidente Rohani deu entrevista à jornalista Christiane Amanpour nesta quarta-feira (25), para o seu programa na emissora CNN. Nas declarações do chefe de Estado, a emissora interpretou e alardeou uma “admissão explosiva”, de acordo com as palavras da âncora Brooke Baldwin, em análise posterior.

O tema da controvérsia é o Holocausto, questão sensível da diplomacia persa e motivo de graves desentendimentos, já que declarações anteriores do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad foram retratadas como uma negação inaceitável e até criminosa do genocídio cometido pelos nazistas.

A partir daí, também ganharam espaço acusações de que o Irã pretendia atacar Israel e varrer o país do mapa, dando vazão a uma escalada extrema das tensões entre os dois países, com retóricas agressivas que marcaram a política bilateral desde então. Como resposta, iranianos e israelenses chegaram a criar movimentos populares em que até declaram “amor” uns pelos outros.

A âncora da CNN, Brooke Baldwin disse: “Por mais de 70 anos, o mundo assistiu, incrédulo, enquanto o Irã continuava a negar, refutando o massacre de milhões de judeus, classificando-o de, cito, ‘lenda’. Mas agora, vocês acabaram de ouvir essa admissão explosiva”.

Por outro lado, a CNN foi acusada pela agência de notícias iraniana Fars de ter manipulado as respostas dadas por Rohani a Amanpour, e assim terem “mudado completamente” o significado da mensagem do presidente.

Interpretações e matizes

A tradução feita pela CNN das palavras do presidente iraniano partiu da ressalva que Rohani fez sobre não ser historiador, e de ser trabalho dos historiadores a reflexão sobre o Holocausto.

E continua: “Mas, em geral, posso dizer que qualquer crime cometido na história contra a humanidade, inclusive o crime que os nazistas cometeram contra os judeus é repreensível e condenável. Qualquer crime que tenham cometido contra os judeus, nós condenamos. Tomar a vida humana é condenável. Não faz diferença se essa vida é judia, cristã ou muçulmana. Para nós, é o mesmo. Tomar a vida humana é algo que a nossa religião rejeita”.

Por outro lado, ressalva também (e talvez esse seja um ponto ainda mais relevante, embora ignorado pelo alarde feito em torno da “admissão explosiva”): “Mas isso não significa, por outro lado, que se possa dizer que os nazistas cometeram crimes contra um grupo e que, por isso, eles devem usurpar a terra de outro grupo e ocupá-la. Isso, também, é um ato que deve ser condenado. Deveria haver uma discussão equilibrada”.

A agência persa, Fars, em resposta ao alarde feito pela CNN, classificou a tradução da emissora de uma “fabricação”, e publicou o que considera ser a “tradução exata para o inglês”:

“(…) nós condenamos qualquer crime cometido contra a humanidade ao longo da história, inclusive o crime cometido pelos nazistas tanto contra judeus quanto contra não judeus, da mesma forma que se hoje qualquer crime fosse cometido contra qualquer nação, religião, povo ou crença, nós condenamos esse crime e o genocídio. Por isso, o que os nazistas fizeram é condenável, mas os aspectos de que você fala, o esclarecimento desses aspectos é um dever dos historiadores e pesquisadores. Eu não sou um acadêmico historiador.”

Ainda assim, de acordo com uma matéria publicada nesta quinta-feira (26) pelo jornal The Washington Post sobre o assunto, a CNN defende-se da resposta da Fars com a justificativa de que o tradutor e especialista autor da interpretação foi indicado pela equipe de Rohani, e que mantém o seu conteúdo.

Além disso, ressalva o Washington Post, Rohani teria feito a mesma “admissão” em uma entrevista à emissora NBC News: “Os nazistas cometeram um massacre que não pode ser negado, especialmente contra o povo judeu", teria dito o presidente, de acordo com a tradução da emissora.

Com The Washington Post,
Moara Crivelente, da redação do Vermelho