"Maitei compañeros", o povo paraguaio segue na luta

Por nascimento, a relação com o Paraguai sempre foi forte em minha vida, uma relação familiar e também de fronteira entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este. Desde nova o fascínio pela cultura, língua e povo sempre me moveram, nas manhãs em família com reviro e mate cozido, nas tardes de cine no canal paraguaio e as noites de história sobre a família, tudo sempre me aproximou deste país que tanto amo, algo muito forte, uma relação de Pátria Grande.

Por Maiara Oliveira*, especial para o Chipa e Café 

"Maitei compañeros", o povo paraguaio segue na luta - Yassine Ahmad Hijazi

Ao longo de minha militância no movimento social me aproximei mais ainda dos bravos companheiros da Via Campesina e também dos partidos de esquerda paraguaios, uma luta pela terra que me encantou.

No dia 15 de junho de 2012, no horário do almoço como de costume fui ver o noticiário paraguaio e a minha primeira reação foi de desespero. Uma cena de massacre estava no ar, notícias de campesinos e oficiais mortos em Marina Kue, um cenário de guerra.

A princípio as informações que chegavam pela TV eram de que os campesinos haviam armado uma emboscada e assassinado 6 policiais, algo que me causou muita estranheza pois em uma visita que fiz a um assentamento pude ver que as únicas “armas” existentes eram carabinas para caçar e foices utilizadas na colheita. Durante o dia todo falei com os companheiros que estavam no Paraguai para ter mais informações sobre o que estava acontecendo em Curuguaty. Os dias seguintes foram decisivos para confirmar as suspeitas de muitos com quem havia conversado naquela semana, tratava-se de um Golpe de Estado.

No dia 22 de junho de 2013 passei o dia todo acompanhando o processo de deposição do presidente Fernando Lugo pela TV, lembro bem que um dia antes arrumei minha mochila e avisei minha mãe, iria para Asunción, entrei em um ônibus, atravessei a ponte e quando cheguei na rodoviária de Ciudad del Este me proibiram de embarcar, não sabia como reagir eu não estava entendendo o que me impedia de viajar, é obvio, com o passar dos dias tudo ficou claro.

Acompanhando pela TV me senti impotente e pude ver no rosto dos ocupantes da Plaza de las Armas tristeza. A esperança de um novo país morrer diante de seus olhos, era possível durante os meses anteriores ver os avanços em relação à Reforma Agrária, Educação e de Saúde. Um momento único para o Paraguai que depois de 62 anos de governo do Partido Colorado – sempre tratando o povo como lixo – agora vivia avanços significativos para os menos favorecidos. O Golpe matou a esperança de um Paraguai para o povo. Não se tratava apenas da destituição de Fernando Lugo, mas sim de um projeto de avanços para o país, a vontade do povo que foi às urnas e elegeu Lugo presidente sendo jogada no lixo. Chorei… de tristeza, de agonia, de revolta.

Nos dias seguintes acompanhei as mobilizações para as manifestações em Ciudad del Este, saía de casa escondida e passava o dia todo por lá, andava com alguns companheiros pelo centro de CDE entregando panfletos e convidando todos para as manifestações e reuniões na Plaza de la Paz em frente à prefeitura, chegamos no grande dia, o dia que mais esperávamos pois sabíamos que seria o de mais repercussão, o fechamento da Ponte da Amizade – que liga Brasil e Paraguai -, os lideres campesinos entraram em contato com alguns estudantes da Universidade de Integração Latino Americana (Unila) que dias antes fizeram uma manifestação no centro de Foz e com líderes do MST que prontamente se mobilizaram e na manhã do dia 28 de junho caminhavam em direção à Ponte da Amizade para engrossar as fileiras juntamente com nossos irmãos paraguaios.

Um momento único gravado em minha memória, me vi escrevendo a história, me vi parte da história de resistência de um povo. Quando avançávamos em direção à Aduana Brasileira o eco de nossos gritos por dignidade aos nossos irmãos penetravam lá no fundo da alma, quando chegamos no meio da Ponte e vimos que nossos companheiros não vinham ao encontro da manifestação percebemos todos que algo estava errado, logo começaram as ligações para saber o que estava acontecendo, quando chega a notícia que a Polícia paraguaia não queria liberar a passagem dos manifestantes alegando que não havia mobilização nenhuma do lado brasileiro. Não sei o que me deu, nem mesmo sei qual foi o sentimento que me moveu a correr e cruzar a Ponte junto com um camarada, chegar até aqueles guerreiros e gritar bem alto “Nós estamos aqui", do outro lado da fronteira haviam tanques e muitos policiais que tentavam impedir os manifestantes de avançar até o ponto de encontro no meio da ponte, depois de muita negociação com o comissário de polícia foi liberada a marcha e o fechamento da ponte por uma hora.

Muito orgulho marchar ao lado de bravos lutadores em direção à Ponte, me senti cada vez mais latino-americana, me senti parte daquela luta, o ato na Ponte deu a repercussão muito maior do que imaginávamos, cerca de 4 mil pessoas no meio da Ponte da Amizade em uma única voz gritavam “não ao golpe”, até o momento da retirada dos manifestantes por parte do Exército paraguaio, eu estava do lado dos manifestantes paraguaios e acabei sendo levada para o outro lado, acompanhei a caminhada até a Praça da Paz. Na chegada muitos companheiros foram até o microfone e deixaram ali suas mensagens de apoio à luta, algo maior me moveu a subir e deixar a minha mensagem “Maitei¹, compañenos, estamos na luta com vocês, somos irmãos e lutamos por nossa liberdade, lutamos por nossa identidade, hoje começa a minha história junto a vocês na luta por uma América Latina soberana”.

¹ Maitei significa “Olá” em Guarani. É uma saudação muito usada entre o povo paraguaio.

*Maiara Oliveira é militante da União da Juventude Socialista no Brasil e colaboradora da causa campesina no Paraguai