Liszt Vieira: A Alemanha depois da eleição

Alguns fatos merecem ser destacados na eleição alemã de setembro. Primeiro, o eleitorado alemão votou conservador. Se somarmos os votos do partido CDU, de Angela Merkel (41,5%) com os votos recebidos pelos dois partidos mais à direita, os Liberais (FDP, 4,8%) e a Alternativa (AFD, 4,7%), temos mais de 50% da votação. Ocorre que esses dois últimos ficaram abaixo do mínimo legal de 5% e, segundo a cláusula de barreira, não enviarão representantes para o Parlamento.

Por Liszt Vieira*

Angela Merkel - Fabrizio Bensch/Reuters

Isso significa que, do ponto de vista numérico, os partidos de centro para a esquerda alcançaram a maioria de representantes e poderiam, teoricamente, governar o país. Com efeito, o partido social-democrata, SPD, colheu 25,7%, seus tradicionais aliados, os Verdes, tiveram 8,4%, e o chamado partido A Esquerda (Die Links), angariou 8,6%, totalizando 42,7%. Mais, portanto, do que os 41,5% conquistados pela CDU e seu aliado da Baviera, CSU.

Mas o partido social-democrata passou toda a campanha eleitoral atacando o partido A Esquerda, denunciando-o como comunista, no velho estilo da guerra fria. A baixa votação do SPD não surpreendeu os observadores.

O que causou maior surpresa foi a queda brusca dos Verdes e a rápida ascensão do Die Links. Em março último, as pesquisas indicavam 15% para os Verdes e apenas 5% para o Die Links. Este último acabou superando, por pequena margem, a votação decepcionante dos Verdes.

Os Verdes foram penalizados por uma sórdida campanha explorando denúncia velha de trinta anos sobre a existência de pedófilos no partido. Os partidos de direita pegaram carona nas denúncias de pedofilia na Igreja Católica e requentaram uma velha história de denúncia a partir de propostas de educação sexual para a infância, defendidas por alguns dirigentes verdes no passado.

Contribuiu também para essa queda a proposta atual de aumento de imposto, que também foi distorcida para assustar o contribuinte alemão, nada satisfeito com impostos na base de 43%. Além disso, parte da agenda política dos verdes foi esvaziada quando o governo aceitou a proposta de desmantelamento das usinas nucleares na Alemanha.

A ascensão do partido da esquerda – Die Link – parece ter uma correspondência com o descrédito do SPD nos últimos tempos. Ao que tudo indica, há dirigentes social-democratas mais favoráveis a uma aliança com o partido de Angela Merkel do que com a esquerda. Da mesma forma, na CDU há dirigentes satisfeitos por haverem se livrado de seus tradicionais aliados de direita, os Liberais, e tendentes a uma aliança com o SPD para governar o país, formando uma grande coalizão, como ocorreu entre 2005 e 2009.

Assim, a política alemã tem uma clara tendência centrípeta. As negociações para a formação do novo governo já começaram. Angela Merkel conversa com os social-democratas e também com os Verdes. Segundo consta, a maioria do eleitorado apoiaria uma aliança com o SPD, na expectativa de que ela venha a trazer benefícios sociais, como o salário mínimo legal, por exemplo.

Mas a maioria dos militantes do SPD é contrária a essa aliança com a direita. Se não houver acordo, nem com os social-democratas nem com os Verdes, haveria uma nova eleição, o que seria catastrófico para o SPD, que recolheria nas urnas uma votação ainda menor, segundo recentes pesquisas. O grande risco seria a CDU conquistar maioria absoluta ou o partido Alternativa (AFD), radicalmente contrário à União Européia – ao contrário dos Verdes, radicalmente a favor – ultrapassar a barreira dos 5% e qualificar-se para participar do Parlamento.

O risco seria enorme. O mais provável é que prevaleça a tendência ao centro, com uma coalizão do partido CDU com os social-democratas do SPD, já que com os Verdes, embora não seja impossível, é bem mais improvável. Veríamos, assim, alguns dirigentes do partido social-democrata como ministros do governo comandado por Angela Merkel. O preço político a pagar seria alto. Mas, segundo alguns analistas, isso poderia contribuir para flexibilizar a atual política de austeridade do governo alemão. O futuro dirá.

*Liszt Vieira está na Alemanha por três meses a convite do Instituto da América Latina da Universidade de Berlim

Fonte: Carta Maior