Venezuela tem como responder à escassez de produtos
Com microfone na mão, diversos ministros do governo de Nicolás Maduro apareceram ao vivo na emissora estatal da Venezuela, na última semana, durante inspeções a comércios. Sobrepreços de 800%, 1.000%, 1.200% na venda de produtos importados com dólares obtidos pelo sistema oficial de distribuição de divisas eram mostrados como alguns exemplos de “especulação” e “usura” por parte do empresariado.
Por Luciana Taddeo, na Opera Mundi
Publicado 21/11/2013 13:29
Estabelecimentos sofreram intervenção, longas filas se formaram em frente a comércios e diversas lojas diminuíram os preços antes mesmo da chegada da fiscalização.
Não passaram mais de alguns dias de venda a preços reduzidos até que vitrines e prateleiras de lojas aparecessem vazias, gerando ansiedade entre venezuelanos que não puderam esperar em longas filas por produtos mais baratos. “Teremos um mês de janeiro terrível”, foi uma das frases escutadas por Opera Mundi sobre a previsão de cenário de escassez dos setores fiscalizados. A frase foi proferida por uma advogada que aguardava na fila do caixa de uma loja de eletrônicos, com um carrinho de bebê cheio de produtos.
Em comunicado difundido na última semana, a Fedecámaras (Federação de Cámaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela) alertou sobre o “enorme perigo que supõem as práticas governamentais”, afirmando que estas deixarão em um prazo não distante “menos empregos disponíveis para a população, menos oportunidades para que as pessoas possam aceder a bens e serviços, maior desestabilidade e incerteza”. Em outubro, o índice de escassez no país bateu recorde e chegou a 22,4%, segundo informe do BCV (Banco Central da Venezuela).
Nesta terça (29), após a aprovação da Lei Habilitante, também chamada de “poderes especiais”, que permite ao Executivo venezuelano governar com decretos com força de lei por um ano, Maduro afirmou que não haverá escassez no país. “Conseguimos o controle do sistema de armazéns de todas as empresas e estes armazéns estão cheios de produtos”, afirmou. O chefe de Estado garantiu que há reservas “para mais de um ano” de produtos de diversas características.
Paralelamente, o ministro venezuelano de Indústrias, Ricardo Menéndez, anunciou nos últimos dias convênios com as empresas Samsung, Mabe e Haier para a produção e ampliação da capacidade produtiva de televisores, monitores, celulares, tablets e electrodomésticos no país. O governo, no entanto, vem chamando a população à tranquilidade, pedindo que os venezuelanos não se dirijam massivamente aos comércios que reduziram preços e diminuam o ritmo do consumo.
Para analistas consultados pela reportagem, eram necessárias medidas frente à remarcação descontrolada de preços em produtos importados com divisas obtidas a câmbio oficial (6,30 bolívares) e vendidos segundo a variação do dólar no mercado paralelo, que se aproxima a nove vezes deste valor. “Que lojas e redes de comercialização estejam oferecendo descontos de até 50% revela exorbitantes margens de lucro. É uma demonstração empírica da onda especulativa que se desatou nos últimos meses na economia venezuelana”, diz o ex-ministro venezuelano de Indústrias Básicas Víctor Álvarez, pesquisador do Centro Internacional Miranda.
“Acho que a medida é acertada, o que não significa efetiva”, complementa, resaltando que os organismos governamentais de distribuição de divisas a importadores estavam burocratizadas, assumindo uma posição “contemplativa”, em vez de promover uma fiscalização efetiva para verificar com as designações de dólares eram aplicadas. “Finalmente se sente que o governo começa a dar as cartas no assunto e a colocar limites a esses excessos e estragos que estavam sendo cometidos contra a população”, expressa.
Efeito
Pedro Silva Barros, titular da missão do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) na Venezuela, avalia que a medida governamental tem um efeito “bastante significativo”, ressaltando, no entanto, que o controle de preços é uma resposta concreta para o atual contexto econômico venezuelano, “talvez não transposta para outras realidades”. “Se o Estado prioriza a importação de produtos considerados importantes, com um esforço para que sejam trazidos ao valor oficial, é justo que o importador que recebe divisas preferenciais pratique um preço submetido a regras, para que a maior parte da população tenha acesso aos produtos”, defende.
“Os comerciantes estão retendo estoque e vendendo poucos produtos a preços muito acima do custo, estabelecendo margens de lucro desproporcionais, diminuindo o acesso do assalariado padrão, que consome praticamente tudo o que recebe. O Estado está tentando exercer um controle, o que é totalmente respaldado pela população”, garante, considerando que, no curto prazo, os resultados são favoráveis ao governo de Maduro.
Para Barros, as consequências da medida em longo prazo ainda são incógnitas, mas o governo venezuelano tem capacidade de dar respostas diante de um cenário de escassez. Segundo ele, “poucos Estados no mundo” poderiam repor rapidamente produtos faltantes, e um dos governos que mais podem é o da Venezuela, seja pela forte receita petrolífera, que deriva em alta capacidade de importação, como pelo amplo sistema de distribuição desenvolvido nos últimos anos, sem precedentes na América do Sul.
“Foi construída uma imensa rede de distribuição de produtos, principalmente alimentos, mas de diversos bens de consumo, composta de hipermercados a mercados itinerantes de mais de 27 mil pontos no país”, afirma ele, que calcula um ponto para cada mil habitantes, com base nos últimos dados governamentais de estimativa populacional. “Ou seja, o Estado tem capacidade de chegar à imensa maioria da população, ainda que possam surgir alguns problemas de distribuição”, explica.
Álvarez, por sua vez, vê no recente controle possibilidades para reativar a produção nacional. “Não vejo que a escassez possa se converter num problema grave prolongado no tempo. O país tem uma capacidade industrial instalada que trabalha a 50% porque muitos fabricantes se dedicaram a importar com dólares subsidiados e deixaram de produzir. O país pode fazer uso desse potencial, bastaria um bom programa de reativação industrial com um incentivo econômico, financeiro, cambiário, para que essa capacidade instalada se reative”, afirma.