Martin Hacthoun: Os desafios da democracia na Argentina

2013 foi um ano intenso para Argentina, que realizou há pouco eleições legislativas, ampliou sua agenda política exterior e festejou o 30º aniversário da retomada da democracia que se viu afetada por protestos policiais.

Por Martin Hacthoun*, na Prensa Latina

Também tiveram continuidade os julgamentos contra repressores por crimes de lesa humanidade da última ditadura cívico-militar (1976-1983), das quais apareceram atas secretas da junta militar que podem ser de grande relevância em outros casos ainda pendentes. Além disso, a Corte Suprema de Justiça deu seu aval à Lei de Meios após quatro anos de sua aprovação.

Além desses eventos, o governo central sofreu com a ausência de quase dois meses de sua presidenta, Cristina Kirchner, que foi operada para retirada de um coágulo craneano resultante de uma queda com forte golpe em sua cabeça.

Saques e corrupção policial

Algumas semanas antes dos argentinos festejarem 30 anos de democracia, policiais em greve reivindicando reajustes salariais, ocuparam os quartéis, abandonando as ruas de forma que um vácuo de segurança se formou e vários saques e atos de vandalismo foram relatados.

A atitude de insubordinação e não cumprimento do dever por parte dos agentes foi qualificada como fruto de extorsões e ato desestabilizador que mostrou quão frágil é ainda a democracia no país, mesmo depois dos avanços obtidos nestas três décadas, em especial a última.

Passado o caos e a retomada da calmaria, começaram a emergir evidências das conexões desses polícias com o crime organizado, e inclusive casos de agentes que participaram também nos saques.

O governo criou uma comissão especial para pesquisar os fatos em cada uma das localidades, também os nexos policiais com o submundo do crime, bem como pessoas ou grupos por trás dessa crise, ao mesmo tempo em que se elevaram vozes para exigir uma reestruturação dos corpos provinciais de polícia, entre elas, a da própria presidenta.

A Prensa Latina identificou que está sendo elaborado um projeto de lei para uma reforma policial que conduza à democratização dos corpos provinciais e deverá ser apresentado no próximo ano.

Relações internacionais

Cristina Kirchner iniciou 2013 viajando a vários países. Sua turnê começou por Havana, Cuba, e depois seguiu por Emirados Árabes Unidos, Indonésia e Vietnã.

Fazendo valer a máxima de que "a unidade regional é o caminho para crescer em paz", esteve na Colômbia e no Peru onde assistiu à cúpula extraordinária da União de Nações Sul Americanas (Unasul) para protestar contra o insolente sequestro do presidente Evo Morales na Europa, quando regressava à Bolívia vindo da Rússia.

Além disso, recebeu em Buenos Aires os presidentes Nicolás Maduro, da Venezuela; Rafael Correa, do Equador; Dilma Roussef, do Brasil e José Pepe Mujica, do Uruguai, e voou à ONU para intervir na Assembleia Geral.

Também em matéria internacional, Buenos Aires sediou a conferência da Comunidade de Estados Latino Americanos e Caribenhos (Celac) sobre desarmamento nuclear, na qual a região saldou sua postura neste assunto tão relevante.

Teve ainda outros encontros com líderes latino-americanos e caribenhos nas áreas de saúde, e de desenvolvimento de relações Argentina-África, nos quais ressaltou a necessidade de incrementar e diversificar as relações Sul-Sul.

Política interna

Em política interna ratificaram-se e ampliaram vários programas sociais, como o Pro.cre.ar para facilitar a famílias de meios e baixos rendimentos a terem acesso a moradias através de créditos, ao mesmo tempo que se impulsionou o investimento em educação, obras públicas, industriais e hospitalares.

Entre outras áreas de ação governamental, o ministro de Ciência e Tecnologia, Lino Barañao, informou em seu balanço anual que o investimentos neste setor em 2013 foi de quatro bilhões de pesos, mais de US$ 645 milhões, e antecipou que em 2014 se destinarão outros 4,953 bilhões de pesos, mais de US$ 800 milhões.

Nas eleições legislativas de 27 de outubro a manipulação midiática pesou sobre os resultados tentando desmoralizar ao governo e o partido da presidenta Cristina Fernández, a Frente para la Victoria não só conservou, como ampliou sua maioria em ambas câmaras do Congresso do País.

A presidenta fez mudanças no Gabinete, começadas no ano passado com a nomeação de Agustín Rossi como novo ministro de Defesa e a Arturo Puricelli, ao assento da Segurança.

Depois de se recuperar da cirurgia, em novembro, realizou novas mudanças, e assim assumiram Jorge Capitanich, como chefe de Gabinete; Axel Kicillof, como titular de Economia; Carlos Casamiquela, ministro de Agricultura, Ganadería e Pesca, e Carlos Fábrega à direção do Banco Central.

Criou a Unidade Executiva de Reestruturação da Dívida e designou como seu chefe o anterior ministro de Economia Hernán Lorenzino, um homem com experiência nesse delicado assunto, a quem, além disso, nomeou como embaixador frente à União Europeia.

Outra medida ministerial foi reunificar as áreas de Comércio Interior e Exterior do Ministério de Economia, em uma única secretaria e colocou para coordenar Augusto Costa, enquanto que o último ajuste ministerial de se deu recentemente quando atribuiu a María Cecilia Rodríguez a carteira de Segurança, em substituição de Puricelli.

Lei de Meios

Depois de quatro anos de aprovada e promulgada, mas entorpecida frente aos entraves legais criados pelo grupo monopólico de mídia, Clarín, o máximo tribunal de Justiça finalmente declarou constitucional a Lei de Meios, de forma a fazer com que o consórcio midiático, ferrenho inimigo do governo, tenha que acatar, em especial as estipulações anti-monopólicas previstas pela lei.

O grupo Clarín, como também o grupo Mitre dono do diário La Nación, viram complicar as acusações de apropriação indevida da empresa Papel Prensa S.A., conforme suspeita baseada nas atas secretas da junta militar encontradas recentemente.

Esses documentos, agora em mãos da Justiça detalham todo o processo de discussão e tomada de decisões da cúpula militar para arrancar essa indústria das mãos de seus antigos donos, para então entregá-las a Clarín e La Nación.

Ditadura e reparação

Sobre a restituição da memória e da verdade, prosseguem os julgamentos contra os repressores da última ditadura; o ano termina com 12 julgamentos, entre estes acusados de participar na Operação Condor.

Desde que impulsionou-se este processo com o triunfo da candidatura de Néstor Kirchner, a partir de 2003, condenaram-se 450 culpados de diversos crimes e delitos de lesa humanidade, enquanto mil 160 estão sendo julgados , disse à Prensa Latina Verónica Torras, coordenadora do Programe Memória em Movimento, Comunicação e Direitos Humanos.

Outros dois mil e 700 estão isentos, tanto ex-militares como civis, em casos ainda pendentes de julgamento.

Desde que as Mães e Avós da Praça de Maio iniciaram sua investigação, que recebeu decisivo apoio pelos governos de Kirchner e agora Cristina Fernández, 109 netos e netas de desaparecidos, hoje homens e mulheres, recuperaram sua identidade, e ainda estão sendo procurados outros 400.

Economia

Na frente econômica, o Produto Interno Bruto cresceu 8,3 % no segundo trimestre, evolução que se manteve em 6 %no terceiro, e se calcula que o crescimento anual ao fechamento do ano seja de 5,8%, nada mau em uma conjuntura mundial de crise econômica.

Ainda que tenha reduzido em comparação com 2012, Argentina segue tendo um superávit comercial primário que de janeiro a outubro atingiu mais de 4,97 bilhões de pesos, quase US$ 661 milhões, como informou em novembro o Ministério de Economia, enquanto o setor da construção como o de automação foram pilares no desenvolvimento positivo da economia.

O Executivo conseguiu que o Congresso aprovasse desde novembro o Orçamento de 2014, que prevê um aumento do PIB de 6,2%, uma inflação anual de 10,4% e um dólar a 6,33 pesos.

*é correspondente da Prensa Latina na Argentina