Maduro debate violência em novelas e programas de TV

A influência das telenovelas na sociedade não é assunto novo para os venezuelanos. Já havia sido abordada em algumas ocasiões pelo falecido presidente Hugo Chávez, que atribuiu a algumas novelas o poder de “envenenar a cabeça” de crianças.

Por Luciana Taddeo, na Opera Mundi

Reunião nesta segunda-feira (21/01) deu continuidade ao debate sobre violência na televisão venezuelana| Fonte: Agência Efe

“Cuidado com as telenovelas, estas capitalistas envenenam, isso tudo é um desenho ideológico, não é gratuito”, afirmou em 2008, complementando que as mesmas podem induzir os menores de idade à “violência, prostituição, à perda de valores”.

Após o assassinato da ex-miss e atriz Mónica Spear e de seu ex-marido, diante da filha de cinco anos, o debate sobre a violência na telinha voltou a ser tópico presidencial na última semana. “Temos que revisar todo o modelo comunicacional cultural”, disse Nicolás Maduro em seu discurso de prestação de contas diante do Legislativo do país.

O presidente informou que pediu à ministra de Comunicação, Delcy Rodríguez, e à Conatel (Conselho Nacional de Telecomunicações) a revisão de “toda a programação” das emissoras do país, tanto da TV aberta como do sistema a cabo. Seguindo a instrução de Maduro, o vice-presidente Jorge Arreaza, a ministra Rodríguez e Pedro Maldonado, diretor geral da Conatel, realizaram uma reunião com diversos representantes de meios televisivos estatais e privados na noite desta segunda (20).

Segundo Arreaza, o Executivo elaborou uma proposta de acordo para que os presentes tomem “uma série de decisões” a respeito da programação, tipo de conteúdo e limites ao extenso tempo dedicado à transmissão de novelas. De acordo com ele, alguns programas “estão violando a Constituição e os valores mais básicos da humanidade”. A previsão é que os meios televisivos entreguem, na próxima segunda-feira (27), propostas de adequação à lei de Responsabilidade Social em Rádio y Televisão, sancionada em 2004.

“Temos o compromisso de, na semana que vem, receber e analisar as propostas que vocês nos trouxerem. A ideia é que juntos revisemos a lei, a programação, e possamos então adaptá-la para gerar o que queremos propiciar que são valores e construir a paz”, afirmou o vice-presidente aos representantes das emissoras e empresas de cabo durante o encontro.

Em uma coletiva transmitida pela televisão estatal, o presidente da operadora de TV a cabo Inter, Eduardo Stigol, disse estar “agradecido” pelo convite à a reunião, onde os veículos são convidados “a ser parte da solução”. Segundo ele, apesar de a operadora transmitir diversos canais, a programação deve se adequar aos regulamentos locais. “Esse é um compromisso que assumimos hoje, revisar toda a programação e ver de qual maneira esta se acomode”, manifestou.

O diretor da Conatel, por sua vez, afirmou que se conseguiu um “consenso unânime” entre meios públicos, privados e operadoras de TV a cabo para um compromisso para levar ao povo venezuelano “uma nova televisão, sem violência, carregada de valores de convivência, paz e respeito à vida”. Segundo ele, o governo não prevê a eliminação de canais nacionais ou internacionais, mas considera o bloqueio de conteúdos violentos transmitidos em horários não permitidos pela lei, que poderão ser acessados por pais ou responsáveis por menores, através de um dispositivo.

Novelas na mira

O debate, no entanto, não foi isento de polêmica. Maduro questionou a famosa novela venezuelana "De Todas Maneras Rosa", que recentemente chegou ao capítulo final e na qual uma personagem mata a própria mãe: “Quantos milhões de pessoas veem isso, crianças, jovens, gente com problema? Que capacidade de influenciar e converter em heróis a assassinos? (…) Vamos construir uma cultura de paz para nossas crianças”.

Cena de "De todas maneras Rosa"

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O chefe de Estado atribuiu aos meios televisivos a transmissão de “antivalores da morte, do culto à droga, às armas, à violência e a todo o mal que o ser humano pode ter”. “Os venezuelanos não podemos ter coisas boas?”, indagou.

Assim como fizeram diante das críticas de Chávez, para quem muitos programas estimulavam o consumismo, autores e atores de novelas venezuelanos não demoraram a reagir. O autor da novela em questão, Carlos Pérez, esclareceu em um comunicado publicado pelo jornal El Universal que a personagem que assassina a mãe não é a protagonista, nem a heroína da obra, mas sim “o exemplo do que não se deve fazer”.

“Os dramas telenoveleiros sempre estabelecem uma batalha entre o bem e o mal, na qual termina se impondo o primeiro sobre o segundo. Pessoalmente sou contrário a que os produtos recreativos transmitam valores negativos, como no caso das chamadas ‘narconovelas’ nas quais os protagonistas e os heróis sim são os bandidos”, expressou, ressaltando a conveniência que o governo, emissoras e produtoras para estabeleçam estratégias conjuntas.

Buscando a fórmula

Segundo dados do ministério de Interior, a Venezuela registra 39 homicídios para cada 100 mil habitantes e apresentou uma redução de 17,3% nos assassinatos em 2013. Os índices de criminalidade, no entanto, preocupam, e há anos a gestão chavista tenta encontrar uma fórmula para combater o alto índice de criminalidade do país.

Como uma das medidas dos últimos anos, diversas “narconovelas” colombianas foram retiradas do ar de emissoras venezuelanas. Além disso, em 2010 entrou em vigência no país uma lei de proibição de jogos eletrônicos e brinquedos bélicos, com penas de prisão de três a cinco anos a infratores.

Antes de Maduro, Chávez já havia chamado a atenção para a violência na TV venezuelana| Foto: Agência Efe

Apesar das medidas, entre as quais está a presença das Forças Armadas nas ruas, o assassinato da ex-miss e conhecida atriz voltou a evidenciar o problema da violência e posicionar novamente a questão no debate público local. Nesta segunda (21), Maduro convocou os venezuelanos a uma “grande jornada de paz”, com atividades esportivas e culturais no próximo domingo (26), na qual a população poderá fazer sugestões para contribuir com o plano de “pacificação” do país, que afirmou ser uma das prioridades para seu governo em 2014.

Entre as necessidades citadas por ele para combater a violência estão a ampliação e o uso de espaços públicos, desarmamento contundente e progressivo da população, controle de armas e munições, participação da família na formação de crianças e jovens, aumento da capacidade das forças policiais e inclusão dos meios de comunicação privados, organizações, artistas e instituições na construção de uma cultura de paz.

*É correspondente da Opera Mundi em Caracas