Reunião sobre Síria foca em soberania e diálogo contra terrorismo

Vários países participaram da abertura da Conferência Internacional de Paz sobre a Síria (Genebra 2) nesta quarta-feira (22), em Montreux, Suíça. Entre as conclusões finais deste primeiro dia, a Rússia e a China respaldaram a convocatória do governo sírio para a cooperação no combate ao terrorismo, uma das principais mazelas que mergulham o país árabe na violência extrema há três anos, com a atuação direta de vizinhos e de potências ocidentais no apoio aos grupos armados.

Genebra 2 - BBC

Enquanto o secretário de Estado dos EUA , John Kerry, ecoou as acusações da Coalizão Nacional Síria (CNS), que se apresenta como a oposição ao governo sírio,  os representantes da Rússia e da China, chanceleres Serguei Lavrov e Wang Yi, respectivamente, enfatizaram a urgência do trabalho por uma solução política e pacífica para a crise na Síria, “sem qualquer intervenção estrangeira e através de um acordo entre o povo sírio”, informou a agência síria de notícias, Sana.

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Ambos, assim como o vice-premiê e ministro sírio das Relações Exteriores e da Emigração, Walid al-Moallem, denunciaram a posição destrutiva dos “inimigos da Síria”, nos meses e semanas que antecederam a inauguração da reunião, na tentativa de fazer a diplomacia fracassar, com “precondições, ilusões e fantasias que se opõem à essência e ao objetivo da conferência, baseada no consenso sírio, sem qualquer precondição.”

Os chanceleres referem-se à exigência dos grupos que alegam representar a oposição ao governo sírio – respaldados pelo Ocidente e por países vizinhos – de destituição do presidente Bashar al-Assad do seu cargo, demanda rechaçada com veemência pelas autoridades sírias.

Lavrov, chanceler da Rússia, ressaltou a necessidade de solucionar a crise no país e acertar todas as questões relacionadas a ela, com base no entendimento mútuo entre o governo e a oposição, e enfatizou a “responsabilidade histórica” dos que participam da conferência.

Kerry, por outro lado, acusou novamente o governo de Bashar al-Assad de ser ilegítimo e alegou, durante uma coletiva de imprensa citada pela emissora britânica BBC, que a base da conferência é o impulso a um governo de transição, acusando: "Ninguém fez mais para fazer da Síria um ímã para terroristas do que Assad. Não se pode salvar a Síria com Assad no poder".

O apoio abrangente das potências ocidentais, principalmente dos EUA, em conjunto com vizinhos da Síria aos grupos armados que atuam no país – inclusive extremistas religiosos e terroristas – tem sido denunciado com frequência como a causa fundamental do prolongamento do conflito no país.

Diplomacia é a única chance para a paz

“A conferência de hoje é uma oportunidade genuína para a paz, baseada no respeito e na parceria para cumprir os interesses do povo sírio, da região e do mundo”, disse Lavrorv, que assegurou o apoio da Rússia às aspirações dos povos árabes por uma vida melhor e pelo desenvolvimento sustentável, pela prosperidade e por uma mudança positiva, engajada no diálogo.

Por outro lado, fez a ressalva contra receitas preestabelecidas tradicionalmente impostas pelo Ocidente para essas transformações, instando a todos os lados a respeitarem os princípios básicos do direito internacional, especialmente no respeito à soberania dos países, à não interferência em seus assuntos internos e à solução pacífica de controvérsias.

Ele pontuou também que a Rússia, “desde o início da crise, ateve-se ao princípio de não impor soluções à força e a alcançar soluções através do acordo entre todos os lados sírios, o que constitui a base do Comunicado de Genebra 1”, ou seja, da declaração conclusiva da primeira conferência internacional sobre a Síria, realizada em junho de 2012.

“Queremos preservar a Síria como um Estado soberano e manter a segurança dos seus territórios, como um país secular, o que conforma a base do diálogo entre os sírios,” continuou, instando os atores internacionais a cooperarem com o país árabe em prol desses objetivos, de acordo com a resolução 2118 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, sobre esta matéria.

Lavrov reafirmou a importância da participação do Irã nos diálogos internacionais que buscam alcançar a paz e a segurança na Síria, sem a tentativa de interpretar o comunicado de acordo com o que for mais benéfico a qualquer dos lados.

Ele referia-se à polêmica retirada do convite ao Irã pelo secretário-geral Ban Ki-moon, que alegou a ambiguidade do governo persa sobre um objetivo supostamente declarado no comunicado de estabelecer um “governo de transição” na Síria, embora os persas, como atores regionais de relevo e de grande importância na política do país árabe, tenham garantido o comprometimento com o diálogo político para sustentar a transformação do conflito.

Lavrov também saudou o trabalho positivo do governo sírio com a Organização de Segurança e Cooperação, com a ONU e com a Organização para a Proibição das Armas Químicas, que têm conduzido esforços, com o apoio e a facilitação síria, para a destruição do arsenal químico do país.

O chanceler da Suíça, Didier Burkhalter, anfitrião da conferência, disse que a solução do conflito depende do apoio e da vontade política clara da comunidade internacional, assim como da atenção às reivindicações do povo e de todos os envolvidos na crise.

Neste sentido, o chanceler da China, Wang Yi, disse que todas as partes devem ansiar pela solução pacífica, com o respeito pelo desejo da Síria e preservando as suas instituições.

Dimensão regional e soberania contra o terrorismo

“A estabilidade da Síria é a chave para a estabilidade no Oriente Médio”, disse ele, ressaltando que não há solução militar para a situação. “Politizar ou militarizar as questões humanitárias na Síria deve ser algo evitado”, enfatizou.

Wang reafirmou o apoio e a reivindicação do seu país por uma solução política e satisfatória para todos os envolvidos, “baseada em um acordo mútuo e alheio à interferência externa”. Ele também apontou a importância da preservação da unidade integral da Síria, inclusive no âmbito regional, no combate ao terrorismo e à fragmentação, com a consideração pelos fatores demográficos e pelo pluralismo sírio.

O chanceler da China ressaltou a necessidade de reconciliação nacional e do afastamento da incitação e da provocação sectária, assim como das soluções políticas impostas pelos envolvidos estrangeiros.

“Todas as crises devem ser resolvidas, já que o ódio pode ser banido enquanto houver honestidade e desejo de cooperação; é por isso que queremos que o povo sírio conquiste isso e seja flexível para alcançar um acordo, a forma correta de acabar com a violência e para lutar pelas conversações de paz,” disse, ressaltando a conferência internacional como uma importante introdução deste esforço, para facilitar a reconciliação.

O chanceler chinês assegurou que o seu país continua comprometido com a assistência humanitária aos sírios e aos países vizinhos que têm recebido refugiados, e apelou para o trabalho com base nas sugestões da ONU, no sentido das operações de assistência desvinculadas da política e do uso das questões emergenciais para a mobilização a favor de qualquer agenda.

Na abertura da conferência, pela manhã, o secretário-geral da ONU havia feito uma avaliação dos desafios políticos estruturais para o avanço do diálogo nacional e da cooperação internacional com o processo, mas também deu ênfase à crise humanitária vivida pelo povo sírio, com milhões de refugiados em outros países ou de cidadãos que foram forçados a deslocar-se no interior do país.

Nos bastidores da conferência, o chanceler sírio, Walid Al-Moallem, reuniu-se com Ban Ki-moon para colocar ainda mais ênfase sobre a urgência da cooperação internacional no combate ao terrorismo, o principal motivo da atual situação de seu país.

Al-Moallem reiterou suas denúncias sobre o apoio criminoso recebido pelos grupos armados – muitos responsáveis por diversos atos terroristas – desde o exterior, com a entrada de combatentes extremistas e de mercenários provenientes de mais de 80 países na Síria. O combate conjunto a este movimento "é necessário para dar credibilidade a qualquer processo político que deseje resolver a crise na Síria", afirmou.

No âmbito regional, o chanceler do Iraque, Hoshyar Zebari, disse que o seu país “tem interesse genuíno na conquista de uma solução política equilibrada para a crise na Síria, e [que seja] liderada pelos sírios”. O ministro enfatizou, em seu discurso, que o conflito não seria resolvido a não ser pelos sírios.

O ministro das Relações Exteriores do Líbano, Adnan Mansour, caracterizou a regionalização e o transbordamento do conflito no país, conforme os vizinhos da Síria vinham advertindo, desde a escalada do conflito, no início de 2013.

Mansour afirmou que o terrorismo denunciado pelo governo sírio “hoje atinge os nossos países e busca dividir suas estruturas, como povo e como território”. Ele reiterou a convicção dos que o antecederam de que a única forma para superar a crise e a violência é uma solução política, “e não há alternativa para ela”, concordando com a defesa de um futuro que seja decidido pelo povo sírio, sem a intervenção estrangeira.

O enviado especial da ONU para a questão, Lakhdar Brahimi disse que terá reuniões separadas, nesta quinta-feira (23), com o governo sírio e com os representantes da oposição, que está fragmentada após semanas de discussões sobre a participação na conferência. Segundo Brahimi e Ban, a sexta-feira (24) deve ser o principal dia da conferência, quando as duas delegações debaterão na mesma sala.

Moara Crivelente, da Redação do Vermelho,
Com informações da agência síria Sana